Nos últimos tempos, eu e Evelin estamos meio que juntos... do jeito mais casual possível, se "casual" significa se ver quase todos os dias. Não foi um romance de filme, nada de declarações dramáticas ou encontros cheios de paixão. A coisa aconteceu devagar, sem expectativa. Com ela, eu me sinto confortável. O silêncio entre a gente não incomoda, e isso me pegou de surpresa. Nunca precisei fazer esforço para ser interessante ou engraçado com ela. E, de repente, lá estava ela, fazendo parte dos meus dias sem que eu percebesse.
A gente se vê direto, mas nunca falamos sobre "o que somos". Não rola rótulo: ela não é minha namorada, e eu não sou o namorado dela. E, pelo menos para mim, isso nunca foi problema. Talvez essa simplicidade seja o que torna tudo tão certo. Nos tornamos amigos de verdade, daqueles em que consigo falar coisas que só contaria para o João, e olhe lá. Agora, café na padaria e caminhadas aleatórias viraram "nossos momentos".
Conheci Evelin numa "noite de jogos" no apartamento do João, um esquema para juntar a galera e dar uma distraída. Geralmente era pizza, refrigerante, tabuleiro e muita conversa sem sentido. Só que dessa vez só a Geysa apareceu. Os outros tinham desculpas do tipo "a faculdade está apertando, vou passar essa". Mas a Geysa, sempre presente, veio... e trouxe Evelin.
Eu e o JP estávamos terminando de organizar a mesa para jogar Detetive. Foi quando a campainha tocou e a Geysa apareceu com a Eve.
— Gente, essa é a Evelin — apresentou Geysa, com um sorriso, quase antecipando nossa curiosidade. — Ela acabou de chegar na cidade e está cursando Psicologia lá na facul, então achei legal trazer ela para conhecer vocês.
Eve parecia meio desconfortável no começo. Vivia mexendo no cabelo e ajeitando os óculos de leve, como se não soubesse muito bem onde se encaixar. Ela era magrinha, com um ar meio tímido, mas logo notei que havia algo além disso. Talvez fossem os olhos dela, que pareciam sempre atentos, analisando tudo ao redor.
Depois de um tempo, enquanto o João tentava explicar as regras do jogo, todo mundo se sentou na mesa redonda da sala, ao redor do tabuleiro, esperando para começar a jogar. Eu me sentei do lado do JP e a Evelin do meu lado, enquanto a Geysa fechava o círculo.
Eve tinha um perfume leve e um pouco doce, algo floral que parecia combinar perfeitamente com o jeito delicado dela, mas ao mesmo tempo carregava uma intensidade discreta, quase como uma assinatura sutil de sua personalidade. A cada movimento que ela fazia, o perfume parecia flutuar no ar, me fazendo querer chegar um pouco mais perto, só para sentir mais um pouco.
— Então, basicamente, é um jogo onde todo mundo mente para escapar da culpa e, no fim, o mordomo era inocente o tempo todo? Parece uma metáfora perfeita para a vida adulta — Evelin comentou.
Eu ri.
— Então você acha que ser adulto é basicamente culpar o mordomo? — perguntei, inclinando-me um pouco na direção dela.
Ela sorriu, ajeitando os óculos com a ponta dos dedos e me encarando com aqueles olhos que pareciam sempre saber mais do que deixavam transparecer.
— Talvez. Ou a gente culpa quem está mais perto só para aliviar o peso das costas, né? — Ela deu de ombros, me lançando um olhar divertido. — Quem disse que a gente realmente quer saber quem é o culpado de verdade?
— Então fingimos investigar, mas no fundo só estamos tentando sobreviver ao caos, é isso? — retruquei, achando graça da profundidade que ela dava a um simples jogo.
— Exato. Sobrevivendo, meio cínicos, equilibrando tudo para não deixar cair. No fim, descobrir a culpa é só um detalhe — respondeu, como se fosse óbvio.
Eu ri de novo, mas dessa vez um pouco nervoso. Evelin tinha uma maneira de virar qualquer conversa num enigma.
— Isso é meio deprimente, mas também genial. Você sempre pensa assim? — perguntei, sentindo minha curiosidade crescer.
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A Profecia
FantasyArthur Thyrd sempre acreditou que sua vida numa pacata cidade no interior de Minas Gerais seria eterna, previsível. Mas algo estranho começa a acontecer. Fragmentos de memórias que ele não reconhece, sonhos com lugares e criaturas que ele jamais ima...