Gosto de olhar para o céu em dias chuvosos. Acho que é a forma como ele me faz sentir: pequeno. Também adoro o cheiro de terra molhada que vem com o vento frio.
Nesses dias, fico aqui, na rede do quintal, me balançando devagar e torcendo para ver um raio cortar o céu. Enquanto isso, admiro o contraste do Ipê-Amarelo do meu avô com o cinza-azulado das nuvens pesadas. Hoje não foi diferente.
Por um momento, senti que podia respirar fundo e me dar ao luxo de simplesmente não jogar essa partida, como a Eve disse quando nos conhecemos. Afinal, fiz o meu melhor essa semana: estudei e antecipei algumas demandas na Imobiliária Garden, onde o pai do João, o sr. Everton, é meu chefe.
Fui contratado como estagiário há uns dois anos, meu primeiro trabalho. No começo, era complicado lidar com os problemas e confusões entre proprietários e inquilinos, mas, com o tempo, acabei pegando o jeito. Hoje, enquanto o João gerencia o setor de vendas e aluguéis, eu cuido do administrativo e financeiro. A rotina é cansativa, mas não me vejo em outro lugar. O bom de trabalhar com o melhor amigo é que as coisas nunca ficam pesadas.
Enquanto me balançava na rede, ouvi a porta da frente abrir e, em seguida, a voz do meu avô:
— Filho, estou saindo! — ele falou ao longe. — Tenho que resolver umas coisas no clube dos veteranos. Não demoro! — E fechou a porta.
Os pingos, que antes eram finos, agora começavam a ganhar volume. Eles batiam no telhado e no chão, fazendo barulho. O Ipê-Amarelo foi sumindo da minha vista, encoberto pela cortina de água.
Ouvi o ronco do Fusca Azul de 84 do meu avô ressoar pela casa, e o som foi ficando cada vez mais distante.
É bom ficar sozinho, especialmente em dias chuvosos. É como se a cidade inteira desacelerasse junto com o tempo. O som da chuva traz uma tranquilidade que não encontro em outros dias, tudo parece suspenso, como se o mundo lá fora estivesse em pausa. Naquele sábado à tarde, ali na rede, não havia pesadelos, prazos, ou dúvidas. Só eu e a chuva. E dessa vez, eu podia escolher não jogar essa partida.
Fechei os olhos por um instante, me deixando envolver pela paz que vinha com cada pingo. Mas então, algo quebrou o silêncio: um som insistente vindo da cozinha. Era como se os armários estivessem sendo mexidos, ou sei lá. Franzi o cenho, sentindo uma inquietação estranha.
— Vô? — chamei, minha voz rompendo o silêncio do quintal.
Nenhuma resposta.
Talvez fosse alguma janela aberta, deixando o vento balançar a porta dos armários, ou, na pior das hipóteses, um ladrão. Me levantei da rede. Droga, universo, o que mais você quer de mim? Já não bastam os problemas que eu já tenho?
A casa não era grande. O corredor que ligava o interior da casa ao quintal passava pelos três quartos e o banheiro. Caminhei lentamente por ele, olhando ao redor. Tudo em seu lugar. Não havia uma poeira sequer que já não estivesse lá.
Na sala, a mesma coisa. A TV estava ligada, com uma tela azul que fazia um chiado baixo, mas nada de mais. O vaso de plantas intacto, a porta de entrada trancada, e a do porão também.
Quando cheguei na cozinha, percebi que a janela estava aberta e o vento da chuva fazia os armários balançarem e molharem tudo ao redor. Fechei a janela e ri de mim mesmo, me sentindo idiota por ter ficado com medo do vento. Sequei os armários e me virei para sair.
Foi então que ouvi uma voz bem atrás de mim, quase um sussurro:
— Arthur...
E, de repente, um cheiro familiar. Cheiro de rosas vermelhas quentes. Meu coração acelerou. Me virei rapidamente e, lá estava ela — a fada, com seu cabelo ruivo e asas cor de fogo. Pisquei várias vezes, cocei os olhos, mas ela não desapareceu!
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A Profecia
FantasyArthur Thyrd sempre acreditou que sua vida numa pacata cidade no interior de Minas Gerais seria eterna, previsível. Mas algo estranho começa a acontecer. Fragmentos de memórias que ele não reconhece, sonhos com lugares e criaturas que ele jamais ima...