A noite lá fora parecia ainda mais fria, envolta por uma fina neblina que se misturava ao vapor que condensava nas janelas da casa de Darina. A chuva fina insistia em cair, criando pequenos rios que serpenteavam pelo vidro. Dentro da sala, o calor da lareira espalhava uma luz suave, aquecendo o ambiente e criando sombras que dançavam ao ritmo da chama trêmula. Darina e eu estávamos jogados no sofá, rindo enquanto ela descrevia com detalhes as suas teorias da conspiração.
Já havíamos tomado algumas taças, e a garrafa de vinho estava na metade. Ela se inclinou para se servir de novo, com um sorriso meio travesso no rosto. A conversa tinha deixado o clima leve, e o vinho parecia ter soltado algo em nós — nos olhávamos com mais intensidade, aproveitando cada momento, cada detalhe do outro.
— Arthur... — Ela falou baixinho, enquanto ajeitava uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Me desculpa por ter sido... meio grosseira na aula de Luta Avançada.
Eu sorri, sentindo a leveza no tom dela que eu não esperava ouvir.
— Você tinha os seus motivos, Darina. Tá tudo bem. — Falei, tentando suavizar o momento. — Na verdade, fico feliz que a gente tenha resolvido isso.
Ela ergueu os olhos para mim e um sorriso carinhoso desenhou-se em seus lábios. Por um momento, o ambiente pareceu se fechar ao nosso redor, como se o frio lá fora e a chuva fossem apenas uma moldura para o que estava acontecendo lá dentro.
— Você comentou que aprendeu um feitiço pra aparecer lá em casa — lembrei, tentando soar casual. — E os sonhos... foram ideia sua também?
Darina inclinou a cabeça, com uma expressão confusa e intrigada.
— Como assim? Você sonhava comigo? — Ela soltou uma risadinha divertida. — E sobre o que eram esses sonhos?
Senti meu rosto aquecer imediatamente. Como eu explicaria que havia ficado completamente encantado por uma garota que, até então, achava ser apenas uma invenção da minha mente? A ideia de confessar tudo fez meu coração acelerar, mas havia algo no olhar curioso dela que me fez continuar.
— Bom... — comecei, hesitante, desviando o olhar para as sombras na parede. — Eram sonhos em que... você aparecia. De um jeito que eu nunca tinha visto antes. Como se... como se sempre tivesse conhecido você, só não sabia quem você era.
— Tá, isso é bem estranho. — Ela riu, fazendo uma pausa. — Mas com tudo que anda acontecendo, isso não é nem a pior das nossas preocupações.
Darina continuou me olhando com aquela expressão de surpresa e, talvez, curiosidade. Ela não desviou o olhar, o que me deixou ainda mais nervoso, mas ao mesmo tempo, não queria que ela parasse. Nunca imaginei que a garota que praticamente me fulminou com os olhos no primeiro dia de aula estaria, agora, aqui na minha frente, com uma expressão que eu realmente não conseguia decifrar.
— Então... nesses sonhos, o que a gente fazia? — ela perguntou, um pouco provocativa.
Eu ri, sem graça, e esfreguei a nuca, tentando organizar as ideias. Como explicar? Não eram exatamente sonhos com aventuras ou cenas clichês. Eram mais como... momentos. Ela aparecia, com o seu jeito extrovertido que abalava o meu coração, mas não passava disso. Eu nunca tinha chegado na parte em que conseguia tocar as suas mãos.
— Na verdade, você só aparecia. — Dei de ombros. — Meio sem noção, né? Mas era isso. Você aparecia e me olhava como se já nos conhecêssemos. Como se fossemos íntimos.
Ela soltou uma risadinha baixa, e percebi que o rosto dela estava meio vermelho. Bom, pelo menos eu não era o único.
— Sabe, você não é bem o que eu esperava. — Ela disse, quase em um sussurro, como se não fosse para eu ouvir. Mas, claro, eu ouvi. — Quando você chegou na cidade, imaginei que fosse ser... sei lá, mais metido.
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A Profecia
FantasyArthur Thyrd sempre acreditou que sua vida numa pacata cidade no interior de Minas Gerais seria eterna, previsível. Mas algo estranho começa a acontecer. Fragmentos de memórias que ele não reconhece, sonhos com lugares e criaturas que ele jamais ima...