Capítulo 08

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Eu percebi que a vida é como uma música, dessas que começam baixas e suaves, com uma melodia repetida que soa familiar, tranquila. Durante anos, eu vivi nos acordes conhecidos de uma rotina segura, como se tudo fosse permanecer igual, cada nota no lugar certo. Mas de repente, sem aviso, a música mudou — um compasso acelerado, notas dissonantes, algo novo surgindo e me forçando a seguir o ritmo, ainda que eu não entendesse a harmonia. Quase como Bohemian Rhapsody.

Era como se o refrão tivesse chegado, o momento em que a canção ganha intensidade, e se eu soubesse que, dali em diante, nada seria como antes. Aquela cidade tranquila, os rostos conhecidos, as lembranças, tudo isso começava a se dissolver, enquanto o ritmo se intensificava, me levando para algo maior, algo que eu não podia ignorar. Sabia que tinha chegado a hora de seguir o som dessa nova música, mesmo sem saber onde ela iria me levar.

Me lembro da vez em que pensei sobre Brumadinho não ter um ar místico, propício a atrair certos tipos de acontecimentos. Eu não poderia estar mais enganado. A magia não havia morrido ou se escondido, ela estava ali, bem debaixo do meu nariz, o tempo todo.

— Por que estamos aqui, Sr. Sílvio? — Geysa questionou, olhando ao seu redor, admirada.

Estávamos no museu a céu aberto mais incrível de Brumadinho, sem dúvidas. A estrada de pedra por onde caminhávamos era linda, e as árvores balançavam como se conversassem entre si, quase como se soubessem que algo grande estava prestes a acontecer. O ar estava fresco, carregado com o cheiro das flores, e eu podia sentir uma energia diferente na atmosfera.

Já tinha ido ao Inhotim várias vezes, mas nunca tinha olhado para ele dessa forma. Os acontecimentos tumultuados dos últimos dias tinham despertado em mim uma consciência nova, como se eu tivesse rompido com a minha própria ignorância sobre o místico. Em meio a tanto caos que se espalhava pelo mundo, aquele lugar parecia um santuário, um refúgio seguro no meio de tanta desordem.

— O Inhotim não é só um museu — Meu avô começou a falar, em resposta à pergunta de Geysa, enquanto o seguíamos para algum lugar. — É uma interseção de energias, uma conexão entre a nossa dimensão e outras que existem ao redor.

Ele gesticulou para a paisagem ao nosso redor, a luz fraca da manhã sendo filtrada pelas folhas e iluminando o caminho à nossa frente.

Ajeitei a mochila nas costas, sentindo o peso dela, e foi inevitável uma sensação de despedida. Dentro dela, estavam as poucas coisas que eu considerei importantes o suficiente para trazer: algumas roupas, meu fone de ouvido e... o Livro. Esse último item era, sem dúvida, a escolha mais arriscada.

O Livro deveria estar escondido no lugar que, por sinal, o meu avô deixou bem claro que eu não deveria tirar, pois a casa tinha encantamentos nas paredes fortes o suficiente para protegê-lo de mãos curiosas e mal intencionadas. Acontece que eu não podia deixá-lo para trás, não agora. Algo me dizia que ele ficaria mais seguro comigo, mesmo que eu soubesse que, se o meu avô descobrisse, provavelmente ficaria irado.

— Os antigos habitantes desse lugar, os índios, respeitavam essa energia. Eles realizavam rituais e celebravam a natureza, mantendo a harmonia entre as dimensões. Com o tempo, essa conexão se perdeu, mas a magia ainda está aqui, escondida. É por isso que estamos aqui. Se precisamos atravessar para Therralia, esse é o lugar certo. — Ele continuou a falar, me tirando dos meus devaneios.

Foi quando, no fim da trilha, ele parou, abriu os braços e disse:

— Bem vindos à Passagem de Eldra!

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