Hortelãs e arco-íris

13 2 1
                                    

Paisagens, retratos e cheiros inspiram lembranças. E lembranças, algumas vezes, nos arrancam sorrisos e em outras, são tão cruéis que chegam a doer na alma. 

Ela estava cansada, fechou os olhos e permitiu sua memória voltar no tempo. Nesse momento, duas lembranças foram resgatadas ativando a saudade. E se existe algo no mundo que pode correr como veneno no ser humano é a saudade.

Primeiro, ela se lembrou do cheiro de uma pequena folha... era hortelã.

Para muitos, apenas um tempero, mas, para ela, tinha cheiro de felicidade, de amizade, de música, de filmes e outras coisas que faltariam linhas e palavras para descrever.

Muitas vezes, ela ia na varanda e roubava uma folhinha de hortelã de um pequeno e abandonado vaso que era cuidado apenas pela chuva mas, estava ali firme e forte. Era como se esse vaso a esperasse sempre que ela ia lá. Ele sempre tinha folhas verdes e perfumadas para ceder a ela e seus pensamentos.

Aquele cheiro refrescante limpava sua memória. A fazia sorrir e ter ideias para seus textos e músicas. Mas também, a lembrava fortemente de abraços.

A segunda recordação era do arco-íris.

Há anos sem ver um, em seu último dia com ele, o céu abriu um longo e colorido arco-íris.

A ocupação do dia a dia havia tirado esse privilégio dela. Era admirou aquela beleza sem pressa nenhuma como se fosse um quadro pintado a mão em tinta a óleo. Mas, na verdade, aquela imagem era a vida lhe mostrando que a felicidade estava nas coisas simples. Que nenhum sofrimento é em vão.

Ali, ela percebeu que, no meio de um mundo tão turbulento e bagunçado, ele era a tranquilidade dela. Ele era como o cheiro calmante e refrescante da hortelã e as cores do arco-íris em um horizonte sob a cidades.

E, apesar das folhas murcharem e do arco-íris desaparecer como neblina, sua memória iria continuar para sempre presa nela, afinal,  certas coisas não podem ser desfeitas.

Assim como a hortelã e o arco-íris, tantas lembranças a cobrem de saudade como uma brisa envolvente de um fim de tarde. Era a memória mostrando um lado tão vivo de recordações que vibra no coração e faz o corpo flutuar no passado.

A ausência é sentida. Vontade de fechar as recordações como se fosse um livro cheio de imagens pronto para ser colocado em uma prateleira. Mas, não é assim que a vida funciona. Temos que sentir a saudade para saber do valor do momento e da preciosidade do tempo.

E, por mais que ele sempre fale com ela do quanto o tempo é curto para ele, ela sente em seu interior que ele está errado e que a roda será revertida.

Ela sabe que ele tem muito pra viver. Muita música ao piano para ouvir. Muitos livros para ler. Muitos horizontes para conhecer e muitas pessoas para se apaixonar. E ela estaria ali, Protegendo ele. Ela nunca ia soltar a mão dele, ao menos que ele queira.

As asas da saudade bateram sobre ela.

E nesse dia, ela entrou no supermercado, comprou hortelã e foi para casa sentindo o cheiro da folhinha esperando que o arco-íris aparecesse depois que a chuva acabasse.

ConexõesOnde histórias criam vida. Descubra agora