6 - Infinita culpa

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Enquanto me é dada a maldição de caminhar no jardim cercado de um extenso muro, não consigo fugir do pensamento. Estou receoso quanto ao que virá como fruto desta liberdade simulada.

Antes que eu caminhe rumo à razão, dou passos curtos e lentos na grama verde que brilha com o sol. E o receio tem uma pausa. Sorrio, pois lembro de detalhes bobos e sem contexto de meus sonhos, as criações avulsas da cabeça que não remetem ao meu desastroso passado.

Lembro de pássaros escuros... Estão pousados numa tinta guache grossa de tom vermelho claro e reluzente...

Dizem que sonhos nos contam o que não temos coragem para assumir enquanto conscientes. Sendo assim, o que os bichos voadores negros no guache vermelho significam? Urubus e líquido vermelho... A morte? Mas por que guache claro? Será que a tinta representa crianças, por ser um líquido que é muito comum entre elas?

— Pare de pensar!

Berro comigo, sem medo de olhares de estranhamento dos companheiros de loucura.

Aquele sorriso após o receio foi leviano. Não tenho motivos para sorrir. Não sou merecedor de ser iluminado pelo sol, de pisar nesse chão macio ou de receber qualquer tipo de alívio! Preciso pagar pelo que fiz, não ficar num lugar em que aliviam minha culpa!

— Mas quero tanto que ela suma...

Sento em um banco de cimento, fecho os olhos e afogo de imediato a cabeça curvada entre os punhos. Após algum tempo, suspiro e me coloco em postura ereta no banco, olhando o horizonte que quase me cega com tamanha claridade repentina.

Nos minutos em que vario entre as posições ditas, outra tentação me vem à mente. Um criatura sem rosto à espera do molde. Pauso a mudança de posturas com a coluna reta e fecho os olhos novamente, não mais fugindo. Minha primeira ação para realizar o desejo da cabeça de cera é pensar no meu rosto.

— Não... Tente moldar outro! Não vacile como da primeira vez! Ela quer isso novamente!

Mesmo com meu consciente me alertando, continuo tentando me imaginar, como uma vontade plantada em mim cuja raiz não pode ser arrancada. Entro num conflito que não permite que eu tenha facilidade em imaginar meu rosto. E sem o auxílio de um espelho, sou obrigado a forçar mais ainda, nem pensando na simples corrida até o banheiro de meu quarto, que é a solução mais trivial.

A força que eu ponho com as duas mãos sobre as têmporas simbolizam minha dor de cabeça. Quando ouço a voz que para minha insistência, imagino que tal postura, a de um louco com enxaqueca no banco, é o que chamou a atenção de uma das enfermeiras.

— Um homem quer te ver, senhor Moraes. Siga-me, por favor.

A moça de oceanos azuis nos olhos sorri para mim, não demonstrando a preocupação que precipitei. Ela deve estar acostumada a lidar com situações assim. Sabe quando é dor de fato e quando é dor de loucura. Essa moça é uma maravilha em forma de profissional!

Devolvo o sorriso, num encanto de agradecimento pela que acabará com a maldita culpa. Quero tanto aquela química do bem que nem me importo com o real porquê de sua interrupção.

Há outros de mim (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora