Prólogo

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DULCE MARIA

Paco arregala os olhos quando eu termino de dizer tudo o que estava guardando dentro de mim. Tudo o que eu nunca disse nos últimos quatro anos, que engoli em seco para não arrumar uma briga, tudo o que mudei para me tornar a pessoa que ele queria. E essa pessoa não sou eu.

— Você está terminando comigo? Vamos nos casar em dois meses...

— Íamos nos casar, Paco... Eu não quero mais...

— Você enlouqueceu? Sabe o quanto gastei para fazer o casamento dos seus sonhos e você simplesmente termina assim?

— O casamento dos meus sonhos? — rio ironicamente e maneio a cabeça — Eu nunca quis me casar na igreja, nunca quis usar aquele vestido, nunca quis ir passar minha lua de mel no frio... Esse casamento foi planejado inteiramente por você e sua mãe, eu apenas fiquei calada esse tempo inteiro.

— E agora quer terminar por birra? — grita irritado.

— É justamente por isso que não vamos nos casar! Você nunca me ouve, nunca me entende. Eu não sei quem eu sou quando estou com você, mas essa não sou eu! E você pode gritar e falar o que quiser, mas não vamos nos casar.

Paco faz justamente o que digo, começa a gritar e reclamar, despejando toda a sua raiva em cima de mim. Depois de algum tempo, o deixo falando sozinho, apenas pego minha bolsa e saio do apartamento dele sem olhar para trás.

Quando chego à rua, eu respiro fundo e me sinto tão leve. Parece que estou pesando cem quilos a menos. Rio sozinho ao me sentir tão leve assim, tem anos que não sei o que é isso, ultimamente eu me sentia tão sufocada, parecia estar em uma eterna crise de ansiedade. Finalmente entendi que não posso mudar para agradar outra pessoa ou jamais serei feliz.

Estendo uma mão para um táxi e entro quando meu celular começa a tocar dentro da bolsa, digo o nome da empresa em que trabalho ao motorista e pego o aparelho, estranhando o número desconhecido na tela.

— Alô?

Dulce Maria? — a voz masculina e rouca que soa é desconhecida, mas me causa um arrepio estranho.

— Sou eu, quem está falando?

Seu marido.

— Oi? Que brincadeira é essa?

Nossa, você não lembra de mim? Vou ficar deprimido assim — o homem parece estar sorrindo e rolo os olhos. Com certeza isso é arte de Christian ou Anahí, são os únicos que sabem o que vim fazer hoje e devem estar querendo me zoar.

— Olha, eu não sei quem é, mas essa brincadeira não tem a menor graça.

Opa! Parece que você perdeu seu senso de humor — ele ri baixo e reviro meus olhos outra vez.

— Certo, estou desligando...

Não, espera — hesito em desligar quando ouço um longo suspiro — Não foi minha intenção chatear você, me desculpa. Não pensei que ainda se irritasse tão facilmente.

— De onde nos conhecemos?

Somos casados, eu já disse — responde com humor.

— Tchau! — retruco irritada. Não estou com o menor humor para essa brincadeirinha irritante.

Eu posso provar — ele diz apressado — Acabei de enviar uma foto para você do dia que nos casamos.

Mesmo ciente que é mais uma brincadeira, já que é impossível eu ser casada e não me lembrar disso, afasto o celular da orelha e abro o aplicativo. Quando abro a foto, sinto meu coração disparar dentro do peito. É uma foto minha criança em baixo da casa da árvore no jardim dos meus pais, ao meu lado está o meu antigo vizinho e melhor amigo de infância.

Você ainda está aí? — trago a saliva e levo o celular de volta ao ouvido.

— Christopher Uckermann?

Ah! Você lembrou de mim — ele suspira pesadamente — Já estava preocupado que tudo tivesse sido apenas um surto meu — brinca.

— Christopher... Meu Deus! Eu não tenho notícias suas há mais de vinte anos!

Vinte e quatro anos, para ser exato...

— Como você está? Onde você está? — pergunto apressada — Você simplesmente sumiu! Fui em sua casa e não tinha mais ninguém... Você nem mesmo se despediu de mim — digo magoada.

Sei que já fazem anos, mas nunca entendi o motivo dele ter partido tão apressado que nem mesmo foi capaz de atravessar a rua e dizer adeus. Nós vivíamos juntos e lembro que chorei por semanas por não tê-lo mais comigo, mas nunca o esqueci.

Eu não sabia que estava indo embora, Dulce — sua voz soa mais séria que antes, talvez a primeira vez nessa conversa que não esteja brincando ou me provocando — Minha mãe simplesmente me enfiou no carro de madrugada e partiu.

Nós ficamos em silêncio e sinto um aperto em meu peito. Me lembro bem de Alexandra, ela era amiga de minha mãe e sempre gostei muito dela.

Eu não tive tempo de me despedir de você... Ou de pedir o divórcio — brinca, me fazendo sorrir levemente. Christopher parece estar tentando aliviar o clima ou desviar o assunto da sua mãe e não insisto nisso.

— Pelo visto você continua o mesmo palhaço de sempre...

E você continua chata, sempre se irritando com qualquer brincadeira — ele ri e rolo os olhos.

— Engraçadinho!

Obrigado, obrigado! — debocha, me fazendo rir — Acabei de voltar para cidade, pensei que minha esposa pudesse me levar para conhecer ela...

— Você já conhece a cidade e como vou saber que não se tornou um louco ou serial killer?

Você devia confiar mais em seu marido!

— Nos casamos aos onze anos, debaixo da casa na árvore e com o Christian de padre, não podemos levar isso tão a sério assim — respondo rindo.

Nossa, o Christian! Ele realizou o sonho de se tornar padre?

— Padre? — gargalho jogando a cabeça para trás e o motorista me olha de relance — Ele passou um pouco longe disso... Christian se assumiu gay.

Isso é sério? — pergunta sério e paro de rir. Ok, se ele disser algo ofensivo vai estragar muitas lembranças boas da minha infância.

É sim! Algum problema?

Muitos problemas! Vou precisar entrar em contato com alguns advogados, talvez isso invalide o nosso casamento — o ouço rir e o acompanho, com o coração mais leve agora.

— Claro, é isso que vai invalidar nosso casamento e não o fato das alianças virarem pirulitos! — debocho.

Meros detalhes... Então, vai sair comigo ou não? Acabei de voltar para a cidade e não tenho nenhum amigo além de você... — dramatiza.

O carro está se aproximando do prédio onde eu trabalho e apoio o celular em meu ombro ao puxar a bolsa para o colo e pegar minha carteira.

— Eu vou pensar em seu caso e mando uma mensagem para o seu número, mas agora eu preciso desligar, estou chegando em meu trabalho e já estou atrasada.

Tudo bem... Espero que pense com carinho, vou esperar ansioso por sua resposta. Bom trabalho, Dulce!

— Obrigada, Christopher!

Encerro a ligação e jogo o celular em minha bolsa antes de puxar o dinheiro da carteira e estender ao motorista quando ele estaciona. Saio do carro pensando na estranha coincidência de Christopher entrar em contato comigo justamente hoje, o dia em que cancelei o meu casamento.

Nós fomos muito próximos quando crianças, mas são vinte e quatro anos sem contato, será que é uma boa ideia sair com ele?


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