Capítulo III

105 10 0
                                    

Um murmurador — suspiro em voz alta.

Nunca havia visto um deles na arena... Duvido que alguém tivesse. Murmuradores são raros, perigosos e poderosos mesmo entre os prateados, mesmo na capital.

Os rumores a seu respeito variam, mas no fim, todos soam simples e aterrorizantes: eles podem entrar na sua cabeça, ler seus pensamentos e controlar sua mente. E é exatamente isso que Samson faz agora, depois de atravessar a armadura e os músculos de Wonho e chegar ao seu cérebro, onde não há defesas.

Wonho, com as mãos trêmulas, ergue a espada. Tenta combater o poder de Samson. Mas, por mais força que tenha, é incapaz de lutar contra sua mente.

Outro gesto da mão de Samson faz sangue prata respingar pela arena. Wonho enfia a espada na armadura, no próprio abdômen. Posso ouvir o rangido doentio do metal cortando a carne mesmo do meu péssimo lugar.

Sangue jorra de Wonho. A arena ecoa em espanto. Nunca vimos tanto sangue aqui antes.

Luzes azuis acendem e banham a arena com um brilho etéreo que marca o fim da disputa. Curandeiros prateados correm pela areia até chegar a Wonho, que está caído. Prateados não podem morrer aqui. A ideia é que lutem com braveza, ostentem seus talentos e dêem um espetáculo, mas nada de morrer. Afinal, eles não são vermelhos.

Nunca vi os guardas se moverem-se tão rápido. Alguns são lépidos e seus vultos nós cercam por todos os lados para nós conduzir às saída. Não nos querem por perto caso Wonho morra na arena. Enquanto isso, Samson se retira como um titã. Seu olhar repousa sobre o corpo de Wonho. Pensei que encontraria um olhar de arrependimento, mas não. Seu rosto tem um semblante impassível, inexpressivo, frio. O combate não significava nada para ele. Nós não somos nada para ele.


Na escola, aprendemos sobre o mundo antes de nós, sobre anjos, deuses que vivam no céu e governam a Terra com as mãos ternas e gentis.

Para alguns, não passam de histórias, mas não acredito nisso.
Os deuses ainda governam. Ainda descem das estrelas. Só não são mais gentis.


Não fui para casa depois da arena, ficamos eu e Nayeon ficamos às beira do rio, conversando sobre coisas aleatórias que vinham a mente.

Quando anoiteceu, Nayeon foi embora, com a desculpa que teria que descansar pois amanhã seria um longo dia de trabalho.

Caminhar pelas estradas de terra à luz da lua é reconfortante, me traz uma boa sensação. As ruas nesse horário costumam ficar mais calmas, mas uma rua em si, não.

Há uma taberna aqui perto, e é para onde eu vou. Não demora muito para os bolsos do meu casaco ficarem cheios. Bêbados aparecem a cada cinco minutos, e avanço sobre eles com um sorriso no rosto para esconder minhas mãos. Ninguém nota, ninguém sequer liga quando torno a desaparecer. Sou uma sombra, e ninguém se lembra de sombras.

Chega a meia-noite. E ainda estou de pé, às espera. Do alto, a lua é um indicativo luminoso das horas, de quanto tempo faz que estou fora de casa. Um último bolso. Um último bolso e vou embora. Já faz uma hora que digo isso a mim mesma.

Não penso quando o próximo cliente sai. Seus olhos se voltam para o céu e ele não me nota. É fácil demais alcançar sua bolsa, fácil passar os dedos pelos cordões do porta-moedas. Eu devia ter aprendido a está altura: nada aqui é fácil.

A mão dele se fecha sobre meu punho, com força e um calor estranho. Ele me puxa para fora das sombras. Tento resistir, escapar, mas é forte demais. Ele se volta para mim, e o fogo em seus olhos me enchem de medo.

— Ladra — ele diz, com uma estranha surpresa na voz.

Na verdade, é uma mulher. Somente agora que vi.

Pisco para ela, esforçando-me para conter o riso. Nem tenho forças para negar.

— Claro.

Ela me encara, analisa cada detalhe, do rosto até as botas gastas. Fico constrangida. Depois de um longo tempo, ela deixa escapar um suspiro e me solta. Confusa, sou apenas capaz de encará-la.

Uma moeda de prata rodopia no ar, e quase não tenho a astúcia de apanhá-la. Um tetraca. Um tetraca de prata, que vale uma coroa. Bem mais que todas as moedinhas roubadas no meu bolso.

— Isso deve ser mais que o suficiente para você se manter.

À luz da estalagem, seus olhos reluzem um vermelho dourado, a cor do fogo. Os anos que eu passei estudando as pessoas não me deixam na mão, nem mesmo agora. Cabelos pretos sedosos demais, pele pálida demais: ela é tudo menos uma criada. Seu físico, é de alguém que faz bastante exercícios físicos, pernas e braços fortes. Ela é jovem, um pouco mais velha que eu, embora bem longe de ter a autoconfiança que qualquer outro jovem de dezenove ou vinte anos tem.

Eu devia beijar suas botas por me deixar ir e me dar tamanho presente, mas sou vencida pela curiosidade.

— Por quê? — as palavras saem duras e ríspidas.

A pergunta a surpreende e ela dá de ombros.

— Você presida mais do que eu.

Tenho a vontade de jogar a moeda na cara dela, de dizer que sei me cuidar, mas um pedaço de mim é mais prudente.

— Obrigada — Forço por entre os dentes.

Por algum motivo, ela ri da minha gratidão relutante.

— Não vá se machucar.

Então ela muda de posição e chega mais perto. É a pessoa mais estranha que já conheci.

— Você mora num vilarejo, não é?

— Sim — Respondo, gesticulando para mim mesma. Com meu cabelo desarrumado, minhas roupas imundas e meus olhos submissos, onde mais eu moraria? O contraste é impressionante: ela veste uma camisa boa e limpa, sapatos de couro brilhantes e macios. Reparo que ela brinca com sua correntinha, agitada. Eu a deixo nervosa. Pálida sobre o luar, com os olhos incisivos, ela pergunta, para disfarçar:

— E você gosta? De viver lá, digo.

A pergunta quase me provoca gargalhadas, mas ela não se impressiona.

—Alguém gosta? — Respondo enquanto tento descobrir qual é a dela.

Mas em vez de contestar rápido, de emendar algo como Nayeon faria, ela se cala. Seus expressão torna-se sombria.

— Você já vai voltar? — indaga de repente, apontando para a estrada.

— Por quê? Você tem medo do escuro? — pergunto, falando devagar e cruzando os braços. Mas lá no fundo me questiono se não deveria estar com medo. Ela é forte e rápida, e você está sozinha aqui fora.

Seu sorriso reaparece, e o alívio que isso me causa é arrebatador.

— Não, mas quero garantir que você vai manter as mãos longe dos outros pelo resto da noite. Não pode ficar aqui sugando metade do bar, pode? A propósito, meu nome é (S/N) — acrescenta, estendendo a mão para me cumprimentar.


RED QUEEN - Imagine Mina (TWICE)Onde histórias criam vida. Descubra agora