Capítulo IX

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O escudo solta uma fumaça preta e começa a ceder e se estilhaçar. As faíscas ficam mais brilhantes, mais ferozes, mas vão enfraquecendo. Tento me ajeitar, ficar de pé, mas o escudo se esfacela sob meus pés. Caio novamente para frente.

Consigo não sei como, cair numa pilha de pó sem pontas do metal. Músculos fracos, arranhões pelo corpo, mas ainda inteira. Já meu uniforme não teve tanta sorte... Está em frangalhos, todo queimado.

Levanto a muito custo, e mais pedaços do meu uniforme se desfazem. Murmúrios e interjeições ecoam pelo Jardim Espiral. Posso sentir todos os olhos sobre mim, a vermelha queimada. O para-raios humano.

Ryujin me encara com os olhos arregalados. Furiosa, confusa... e com medo.

De mim. Por algum motivo, ela tem medo de mim.

— Oi — digo, feito uma idiota.

Ryujin responde com uma rajada de cacos de ferro afiados e mortais, que cortam o ar em direção ao meu coração. Sem pensar, ergo as mãos na tentativa de me proteger do pior. Em vez de aparar meia dúzia de lâminas na palma da mão, sinto algo bem diferente. Como com as faíscas, meus nervos cantam, reanimados por uma espécie de fogo inteirior. Ele se agita dentro de mim, atrás dos olhos, debaixo da pele, até que sinto mais eu mesma.

E, então, emana de mim puro poder e energia. O facho de luz, ou melhor, de ralâmpagos, irrompe das minhas mãos e arde através do metal. Os fragmentos rangem e esquentam, explodindo com o calor. Caem inofencivos no chão enquanto o relâmpago atinge a parede. Produz um rombo fumegante de quase dois metros e por pouco não acerta Ryujin.

Seu queixo cai em choque. Tenho certeza de que olho minhas mãos com a mesma expressão, perguntando-me o que teria acontecido comigo. Lá no alto, uma centena dos mais poderosos prateados se pergunta a mesma coisa. Levanto minha cabeça e me deparo com todos me encarando.

Até o rei se inclina sobre a beirada do camarote; a coroa flamejante desenha-se contra o céu. (S/N) está bem ao seu lado, encarando-me com os olhos arregalados.

— Sentinelas.

A voz do rei é incisiva como uma navalha, ameaçadora. De repente o uniforme alaranjado dos sentinelas desponta em todos os camarotes. A guarda de elite espera mais uma palavra, mais uma ordem.

Sou uma boa ladra porque sei quando correr. Agora é um ótimo momento.

Antes de o rei conseguir falar, disparo. Ultrapasso a atônita Ryujin e deslizo até a passagem no chão antes que ela se feche.

— Peguem-na!

As palavras ecoam atrás de mim enquanto caio no lusco-fusco da câmara subterrânea. Os metais voadores de Ryujin abriram buracos no teto, de modo que ainda posso ver o Jardim Espiral. Para meu desespero, a estrutura parece rachar conforme os sentinelas saltam dos camarotes, todos em minha direção. Sem tempo para pensar, apenas corro.

A antecâmara debaixo do Jardim está ligada a um corredor escuro e vazio. Câmaras de segurança pretas e quadradas me observam correr a toda velocidade, fazendo uma curva depois outra.

Posso sentir sua presença, me perseguindo como os sentinelas não muito distantes de mim. Corre, repito mentalmente. Corre, corre, corre. Preciso encontrar uma porta, uma janela, alguma luz no fim do túnel. Se conseguir sair, quem sabe chegar até o mercado, talvez tenha uma chance, talvez.

O primeiro lance de escadas conduz a um corredor longo cheio de espelhos. Mas as câmeras também estão lá, pendendo do teto como insetos grandes e pretos. Uma bala passa perto da minha cabeça, e sou forçada a me jogar no chão. Dois sentinelas em seus uniformes cor de fogo saem de trás de um espelho e vêm em minha direção. São iguais aos agentes. Apenas agentes desastrados que não conhecem você. Não sabem do que é capaz. Nem eu sei do que sou capaz.

Eles esperam que eu corra, então faço o contrário: salto na direção deles. Suas armas são grandes e potentes, mas complicadas. Antes que consigam levantá-las para atira, me assustar ou as duas coisas, fico de joelhos no chão de mármore liso e escorrego ente os dois gigantes. Um deles grita comigo, a sua voz faz outro espelho explodir numa tempestade de vidro. Quando por fim conseguem dar meia-volta, já estou longe e retomo a corrida.

A janela que finalmente encontro acaba sendo uma alegria e uma tristeza. Estou parada diante de uma gigantesca vidraça de diamante que dá para a vasta floresta. Está bem ali, logo do outro lado, atrás de uma muralha impenetrável.

Certo, mãos, agora seria um bom momento para vocês fazerem algo.

Nada acontece, óbvio. Nada acontece quando preciso. Uma onda de calor me toma de surpresa. Olho para trás e vejo uma muralha vermelha e laranja se aproximar. Tenho certeza: os sentinelas me encontraram. Só que a muralha é quente, cintilante, quase sólida. Fogo. E vem pra cima de mim.

Minha voz sai frouxa, fraca e derrotada quando tento rir da situação.

— Ah, que ótimo.

Quero correr, mas acabo colidindo com um largo tecido preto. Braços fecham-se ao meu redor e me seguram quando tento escapar. Dê um choque nela, solte um raio, grito mentalmente. Mas nada acontece. O milagre não vai me salvar de novo.

O calor aumenta quase ao ponto de queimar o ar nos meus pulmões. Sobrevivi às eletricidade hoje, não quero tentar a sorte com o fogo.

Mas é a fumaça que vai me matar. Grossa, negra, forte e sufocante. Minha vista fica turva e as pálpebras pesadas. Ouço passos, gritos e o creditar do fogo à medida que o mundo escurece.

— Sinto muito — É a voz de (S/N).

Acho que estou sonhando.

RED QUEEN - Imagine Mina (TWICE)Onde histórias criam vida. Descubra agora