Capítulo XIV

43 5 0
                                    

Os sentinelas mascarados que observo pelo canto do olho são um lembrete constante da minha nova posição. Agora sou uma princesa. E sou uma mentira. (S/N) já saiu a muito tempo, deixando-me a sós com os guardas. Lucas não é mau, mas os outros são severos e calados, nunca me encaram nos olhos. Os guardas, incluindo Lucas, são guardiões que me mantêm aprisionada sob minha própria pele.

Uma pele vermelha atrás de uma cortina prateada que não pode jamais ser aberta. Se eu cair, se eu escorregar, morro. E os outros morrerão por causa da minha falha.

Conforme me escoltam até o banquete, repasso a história que a rainha enfiou na minha cabeça, o belo conto que narrei às corte. É simples, fácil de lembrar, mas ainda me faz tremer.

Nasci na frente de batalha. Meus pais foram mortos num ataque ao acampamento. Um soldado vermelho me salvou dos escombros e me levou para sua casa, pois sua mulher sempre quis uma filha. Criaram-me num vilarejo chamado Palafitas, e vivi na ignorância dos meus direitos de nascença e dos meus poderes até está manhã. Agora, fui devolvida ao meu lugar de direito.

Sinto náuseas só de pensar. Meu lugar de direito é me casa, com meus pais e Nayeon. Não aqui.

Os sentinelas me conduzem por um labirinto de passagens nos andares superiores do palácio. Como o Jardim Espiral, a arquitetura é toda de curvas de pedra, vidro e metal, que aos poucos o inclinam para baixo. Os cristais de diamante estão em todo canto, revelando uma vista de tirar o fôlego. Dessa altura posso avistar as montanhas que desconhecia se erguerem às distância e recortarem o sol com sua sombra.

— Os últimos dois andares são os aposentos reais — Lucas explica, apontando para um corredor espiralado e íngreme. O sol brilha forte e salpica luz sobre nós.

— O elevador nos levará até o salão de festas. É logo alí.

Lucas estende o braço e para diante de uma parede de metal. Enxergamos nosso reflexo nela perfeitamente. Desliza para o lado com um aceno do guarda.

Os sentinelas nos conduzem para dentro de uma caixa de metal sem janelas e com pouca luz. Forço-me a respirar, muito embora minha vontade seja sair daquele caixão de metal gigante.

Pulo de susto quando o tal elevador começa a mover-se. Meu coração dispara, minha respiração fica irregular e arregalo os olhos na expectativa de ver os outros reagirem da mesma maneira. Mas ninguém parece se incomodar com o fato de a caixa onde estamos estar despencando. Apenas Lucas percebe meu desconforto e então diminui um pouco a velocidade.

— O elevador sobe e desce para que não precisemos andar. Este lugar é muito grande, Lady Titanos — ele sussurra com um pequeno sorriso.

Alterno medo e admiração durante nossa descida, e respiro aliviada quando Lucas abre as portas. Avançamos pelo corredor espelhado por onde corri de manhã. Os espelhos quebrados já foram consertados. Parece que não aconteceu nada.

Quando a rainha Isabel surge no fim do caminho — com sua própria escolta de sentinelas a tiracolo —, Lucas desaba numa reverência. As roupas dela agora são pretas, vermelhas e prateadas, as cores do seu marido. O cabelo loiro e pele palida lhe dão uma aparência assombrosa.

Ela me segura pelo braço e me puxa para si conforme caminhamos. Seus lábios não se mexem, mas escuto sua voz ecoar em minha cabeça mesmo assim. Desta vez, não sinto dor ou náuseas, mas a impressão de que alguma coisa está errada permanece. Quero gritar, arrancá-la da minha mente. Mas não há nada que possa fazer a não ser odiá-la.

Os Titanos eram uma família de oblívios. Sua voz ecoa onipresente. Podiam explodir as coisas com um toque, como a Lerolan da Prova Real. Quando tento lembrar da garota, Isabel projeta uma imagem dela diretamente no meu cérebro. É apenas um flash, uma vaga figura, mas ainda assim distingo uma jovem de laranja explodindo rochas e areia como se usasse bombas. Sua mãe, Nora Nolle, era uma tempestuosa como o restante da Cada Nolle. Os tempestuosos podem controlar o clima até certo ponto. Não é comum, mas a união de ambos resultou no seu poder único de controlar a eletricidade. Não diga mais nada caso alguém pergunte.

O que você realmente quer de mim? Minha voz vacila mesmo na minha cabeça.

Seu riso aparece dentro da minha cabeça; é a única resposta que obtenho.

Lembre-se da pessoa que você deve ser, e lembre-se bem, ela continua, ignorando minha pergunta.Você está fingindo que é uma prateada de sangue criada como vermelha. Você é agora vermelha na cabeça, prateada no coração.

Um calafrio de pensamentos percorre meu corpo.

De hoje até o fim dos seus dias, você precisa mentir. Sua vida depende disso, menininha elétrica.

Isabel se afasta. Fico sozinha no corredor, digerindo suas palavras. Eu costumava pensar que existia apenas uma divisão: prateados e vermelhos, ricos e pobres, reis e escravos. Contudo há muito mais entre esses dois extremos, coisas que não entendo, e estou bem no meio delas. Cresci me perguntando todos os dias se haveria comida suficiente para o jantar. Agora estou num palácio prestes a ser devorada viva.

A frase "vermelha na cabeça, prateada no coração" não me sai do pensamento e serve de guia para as minhas atitudes. Abro bem os olhos para contemplar o grandioso palácio que tanto Mina como Anim nunca imaginaram, mas seus lábios permanecem firmes. Anim se impressiona, mas guarda seus emoções para si. É fria e insensível.

As portas no fim do corredor abrem-se para revelar o maior salão que já vi, maior até que a sala do trono. Acho que nunca viu me acostumar com o tamanho brutal deste lugar. Atravesso a porta e me deparo com uma escadaria. Os degraus levam a um espaço amplo onde todas as Casas aguardam impossíveis minha chegada.

Mais uma vez, agrupam-se por cores. Alguns cochicham entre si, provávelmente sobre mim e meu showzinho. Sobre um plataforma elevada a quase um metro do chão, Drake e Isabel seguem-se diante dos súditos.

RED QUEEN - Imagine Mina (TWICE)Onde histórias criam vida. Descubra agora