Capítulo Dez

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Harry

- Harry? - Uma voz masculina, grave e distante, chama por mim. Não a reconheço. - Você consegue me ouvir?

- Ele está se mexendo! - Escuto o gritinho eufórico de Gemma.

- Harry, se for capaz de nos ouvir, tenta fazer algum movimento. Abre os olhos.

Minhas pálpebras parecem duas placas de chumbo, minha consciência, uma neblina intransponível. Onde estou?

- Harry? - insiste a voz masculina, mas não tenho intenção de respondê-la.

Estou cansado, fraco. Quero dormir.

- Harry, por favor! Você consegue nos escutar, irmão? - Gemma está emocionada. Fico incomodado. Minha irmã mais velha sempre foi "dura na queda", nunca deixou transparecer seus sentimentos... Por que estaria tão emotiva assim?

- Tentaremos de novo amanhã - diz o homem. - Ele esboça reações favoráveis. Estou otimista.

Escuto um choro fraquinho. Meu coração reclama no peito.

- Vamos, mãe.

Mãe?

- Sua filha tem razão, Dona Anne - acrescenta a voz masculina com propriedade. - A senhora tem ficado noite após noite aqui, e sua condição está piorando. Sua saúde também requer cuidados. Sei que é seu filho, mas tenho medo de que acabe se prejudicando. O Dr. Rubens me contou que a senhora interrompeu o tratamento. Não foi uma boa decisão.

O choro da minha mãe aumenta. Ah, não! Mãe, não!

- Você precisa descansar, mãe - insiste Gemma. - Amanhã a gente volta.

Sinto um toque gentil em minha testa, e uma corrente de arrepios entremeada a uma sensação de calor percorre minha pele.

- Eu te amo, filho. Nunca se esqueça disso. Mamãe te ama.

- Ele está cansado de saber, mãe.

- Se ele puder me escutar, quero que tenha certeza, que nunca duvide.

- Se ele for capaz de escutar, vai é ficar com raiva, isso, sim - implica Gemma. Pelo seu tom de voz, sei que está tentando descontrair o clima. - Você repete essa frase todos os dias, desde que ele foi internado. Parece um mantra. Vou ficar com ciúme!

- Meu menino é tão lindo, tão jovem... - continua mamãe. - Deus é misericordioso e vai tirá-lo deste estado. Só quero estar por perto quando acontecer.

- Você nunca duvidou, não é mesmo, Dona Anne? - indaga a voz masculina.

- Apesar de tudo, ninguém tem mais fé em Deus do que minha mãe, Dr.Nolasco - responde Gemma. - Venha, mãe.

Doutor? Porra! Estou em um hospital? Odeio hospitais! Acorda, Harry!

- M-mãe.

Com um esforço sobrenatural, arranco quase com os dentes a voz aprisionada dentro da minha garganta e murmuro seu nome. O som estranho que sai da minha boca está mais para um indecifrável grunhido fraco. Minhas pálpebras ainda se recusam a me obedecer, mas consigo, sem a menor coordenação motora, levar uma das mãos aos olhos. Escuto um grito abafado de Gemma, mais choro compulsivo da minha mãe e movimentos bruscos. Sons de bips ficam cada vez mais altos e me perturbam. Meu corpo é sacudido de um lado para o outro, e, quando minhas pálpebras se abrem ligeiramente, vejo uma imagem embaçada, uma versão abatida da minha mãe sentada ao lado da cama. Minha irmã está logo atrás dela, com um sorriso de orelha a orelha estampado no rosto enquanto lágrimas encharcam seus olhos. Não sinto sofrimento nem felicidade. Sou apenas culpa e vergonha embrulhados em um corpo inerte. Logo em seguida elas somem, ofuscadas por um enxame de pessoas vestidas de branco.
Pisco e estas últimas também desaparecem.

Treze - { Larry }Onde histórias criam vida. Descubra agora