Assim que seu carro desaparece do meu campo de visão, os pingos grossos aumentam e uma tempestade fortíssima desaba na minha cabeça. Trovoadas apavorantes gritam nos meus ouvidos, como se tentando me alertar. Aperto o passo, sem saber se prefiro correr na penumbra sinistra ou ser guiada pela fantasmagórica claridade produzida pela artilharia de raios que tecem uma intrincada teia de eletricidade no céu e que ameaça cair sobre minha cabeça a qualquer instante.
Caminho o mais depressa que consigo, desviando das áreas já alagadas que surgem pelo caminho desnivelado. É tanta água que parece que está chovendo há dias, mesmo que tenha começado segundos atrás. Seria uma tromba d'água?
Começo a me sentir desconfortável com o ambiente deserto e, arriscando passar vergonha, saio correndo. Não quero pegar uma gripe nem ficar presso aqui em caso de enchente. Pelo menos é o que digo a mim mesmo. Mas a sensação entranha, angustiante e carregada de que estou sendo observado é o que o dita o ritmo das minhas pernas.- Aiii! Merda!
No meio da corrida, sinto uma fisgada aguda no pé direito, perco o equilíbrio e quase vou de cara no chão. Meu tênis lindo, da última geração da Vans, prendeu em um buraco, se soltou do meu pé e afundou numa poça d'água de tonalidade duvidosa com embalagens de Paçoquitas e guimbas de cigarro boiando na superfície. Xingo ao enfiar a mão lá dentro para pescar o tênis.
Revoltado e mancando, chego aos tropeços na marquise do mais antigo mercado de peixes da região e me apoio na curiosa parede de azulejos com desenhos de caranguejos, lulas e camarões em um verde e um azul-claro que simbolizam o fundo do mar. Respiro fundo e, com o som da chuva retumbando nos ouvidos, checo os danos: um furo na sola do tênis e um corte no pé ardendo demais. Que ótimo!
A maldita tempestade consegue ficar ainda pior. Mesmo diante da péssima visibilidade, avalio o percurso que terei que fazer descalço pelas áreas ainda não submersas. Dou risada da minha desgraça. Talvez eu devesse ir nadando!
Sinto na pele a urgência de uma terra sendo abandonada às pressas: calçadas desertas, portões fechados, janelas batendo, ruas se transformando em rios, carros acelerados ao máximo e furando sinas de trânsito sem a menor cerimônia, pouquíssimos ônibus passando. Fuja. Esse é o verbo que reverbera no ar, imperativo, a cada respiração ou trovoada ensurdecedora. As raríssimas pessoas que encontro pelo caminho o assimilam como perfeição, não ousam desafiar a força titânica da natureza, parecem desesperadas para voltar para casa antes que fiquem pressas em outro alagamento memorável da "Cidade Sorriso", que, diga-se de passagem, pode ser encantadora em muitos aspectos, mas cujo trânsito caótico só nos faz debulhar em lágrimas. Absolutamente todas as lojas então fechadas, e, sem um coração pulsando no centro comercial, a vida de foi.
Corro muito, focado como um touro em sei ataque mortal, em direção ao local onde estacionei meu carro. Abandonei o tênis, a prudência e os trajetos alternativos. Tanto faz se avanço por entre poças de água pequenas ou gigantescas. Já estou todo encharcado mesmo.
Aos trancos e barrancos alcanço o hortifruti da esquina, entro pela rua correndo feito uma alma penada e, já sem fôlego, me apoio nos joelhos por um instante. Necessito de ar. Arquejo com força e várias vezes, mas não é o suficiente. Droga! Preciso me exercitar mais! Meus pulmões reclamam, ofegantes, mas de uma forma estranha. Não acho que seja por falta de oxigênio. Por alguma razão, tenho a sensação de que é uma espécie de aviso.
Observo as redondezas: nada.
Não há absolutamente ninguém em qualquer que seja a direção que eu me vire. Apenas eu, o meu possante no final do quarteirão, os uivos sombrios do vento e o aguaceiro interminável bombardeando meu cérebro. Algo reluz de repente e chama minha antenção. Olho rapidamente para cima. Arfando, observo as cortinas nas janelas dos velhos sobrados com faixadas descascadas e azulejos de várias décadas atrás. Estão imóveis. Mas meu coração não. Balanço a cabeça, confuso com minha própria reação. Respiro fundo e volto a correr pela calçada alagada. Passo em disparada pelos portões de ferro das construções antigas e, molhado da cabeça aos pés, chego ao meu solitário carro estacionado entre o melhor botequim de bolinhos de bacalhau da cidade e uma loja de macumba. Com a boca seca, pego as chaves no bolso, entro como um relâmpago no Mitsubishi e bato a porta. Esfrego a camisa no rosto, mas não adianta nada; ela também está encharcada. Ligo o motor e enfio o pé no acelerador.
Tudo normal. Tudo tranquilo.
O ar retorna aos meus pulmões, e balanço a cabeça, me sentindo idiota por ter cogitado que algo fora dos padrões pudesse acontecer. Sorrio intimamente, ainda mais convicto das minhas certezas. Nada aconteceu, como era de se esperar.
O azar não existe.
Nem a sorte.
A vida é uma balança, e a estatística, os pesos. São eles que vão pender nossas vidas para um lado ou para o outro. Simples assim...
Uma trovoada altíssima reverbera em meus ouvidos, e, em seguida, um clarão ofuscante revela, por uma fração de segundo, um vulto avermelhado.
- O que?!? Mas que merda é essa? - Por reflexo, estreito os olhos.
De repente fico alheio ao temporal, quando o espectro vermelho cresce de forma abrupta e passa feito um raio pela minha janela. Cacete! Da onde surgiu isso? Meu coração vem a boca, meu corpo congela, e os pelos da nuca eriçam quando vejo pelo espelho retrovisor o que era o vulto. Ou melhor, quem era o vulto.
Madame Nadeje?!?
O que essa cartomante maldita está fazendo parada aqui no meio dessa tempestade horrível?
Piso no freio.
***
Hey, tudo bem?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Treze - { Larry }
Fiksi Penggemar{ADAPTAÇÃO} Louis. Um garoto sem escrúpulos ou fé, criado para ser ladrão. Códigos decifrados. Uma conta milionária invadida. Diamantes. Desaparecer do mapa. O esquema para o maior golpe de sua vida é irretocável, perfeito... até encontrar Madame N...