Capítulo Seis

12 4 3
                                    

Madame Nadeje permanece imóvel em um ponto de ônibus na grande avenida que se encontra tão alagada, escura e deserta quanto tudo aí redor. Meu impulso inicial e dar meia-volta e passar por ela com o carro em câmera lenta. E com a janela aberta, claro! Quero que a trambiqueira veja meu olhar vitorioso e meu sorriso triunfante. Bem feito por enganar inocentes!

Torno o olhar pelo espelho retrovisor, mas, por uma razão inexplicável, a figura da senhora de idade avançada sob a capa de chuva vermelha sendo violentamente castigada pela chuva me gera mal-estar.

Sinto pena.

O trajeto inundado começa a ficar complicado para os carros, e os raríssimos ônibus que surgem a avenida estão lotados, com passageiros quase caindo para fora. Na certa ela vai passar a noite inteira ali e acabará adoecendo. No final das contas, a coitada é apenas mais uma simples funcionária do parque de diversões. Lutando contra a razão que me alerta do perigo iminente, sinto meus dedos apertarem o volante e meu pé direito hesitar sobre o pedal do acelerador. Levo as mãos ao rosto e, após respirar fundo, dou marcha a ré. A mulher está olhando para o nada, imóvel como uma estátua, e assim permanece conforme eu me aproximo. Sinto um calafrio.

- Quer uma carona? - berro, tentando me proteger das rajadas de vento e chuva que entram pela fresta da janela aberta.

Ela vira o rosto para mim, o olhar ainda distante, e assente.

Destravo a porta e rapidamente jogo minha bolsa entre as pernas. Na escola da bandidagem também sou pós-graduado... De nada, penso enquanto a observo se sentar com toda a calma do mundo e permanecer calada. Nem ao menos retira a capa vermelha emborrachada que neste momento está encharcando o meu estofamento. Que ótimo.

- Onde você mora? - indago, entre dentes.

Começo a desconfiar que essa carona foi uma péssima ideia.

- Em Pendotiba, próximo o Parque da Colina.

- Perto do cemitério?

- Por quê? Tem medo de assombração? - pergunta ela, com ironia, mas seu olhar permanece perdido, fixo em algum lugar longínquo além da tenebrosa tempestade,

Reviro os olhos. Pouco me importa se o distante cemitério é mal-assombrado ou não. O que me preocupa é o ponteiro do tanque de gasolina. Não conseguiria ir e voltar sem reabastecer o carro. Que furada!

- Minha rua fica depois da rotatória do cemitério, é perto de um atalho para o cass... hã... - De repente a cartomante se vira para mim e abre um sorrisinho enigmático. - Você conhece o caminho.

Eu a encaro e sinto a minha testa franzir. De fato, conheço o tal caminho. Passei pela região pouco habituada diversas vezes no semestre passado, a caminho para o cassino clandestino do Simon Cowell. Mas como ela sabia...?

Depois do cemitério suspeito, evito fazer contato visual e não tiro os olhos do limpador de para-brisa. Seu ritmo constante me hipnotiza, me desligando por alguns momentos da estranha situação em que me meti. O temporal perde a força, e, para meu alivio, o nível de agua nas ruas começa a diminuir, deixando-as sujas, vazias e fantasmagóricas. Desconfortável, avanço o mais rápido possível pelo túnel de São Francisco, pela subida da cachoeira e depois pego a estrada nova de Itaipú, reduzindo a velocidade apenas nos radares de velocidade. Alcanço a rotatória em frente ao cemitério Parque da Colina e, seguindo as instruções dela, passo pela rua do cassino clandestino e vou adentrando áreas desconhecidas a cada vez mais desabitadas da região. Pelo canto do olho percebo que, de vez em quando, Madame Nadeje se vira para mim, me estuda por algum tempo e se vira para a frente. Toda vez que ela faz isso, involuntariamente meus dedos apertam o volante com força e meu corpo enrijece. Estou acostumado a lidar com gente desse tipo. Na verdade, tenho vontade de tirar a limpo a conversa que ela teve com Zayn, de dizer uns bons desaforos por ter deixado meu amigo naquele estado deplorável, mas, por alguma razão inexplicável, não consigo. Sinto uma força contraria aos meus instintos habituadas. Uma energia sufocante paira no ar, à espreita. Perto desta mulher eu me sinto desconfortável, amedrontado talvez.

Treze - { Larry }Onde histórias criam vida. Descubra agora