8- O VISITANTE INDESEJÁVEL (LIAM)

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- Aqui deve ser seguro - falei ao avistar uma gruta.

- Será que eles virão atrás de mim?

- Espero que não. Não sei porque sua gravidez afetaria a eles... Mas de qualquer forma, estamos bem longe da aldeia - disse otimista, porém dessa vez carreguei comigo minhas armas.

Descemos do cavalo e o prendi na jabuticabeira que crescia em meio às pedras. Embora ficasse um pouco distante da gruta, era possível enxergá-lo e ver se estava bem, sempre que eu quisesse.

Um pouco depois de entrarmos na pequena caverna, o sol já tinha se posto e estávamos cansados, com sono. Deitamos próximo ao outro e resolvemos ficar apenas com a claridade da lua que entrava no local, pois não queríamos chamar atenção, caso alguém estivesse atrás de nós. De repente, um intenso frio inundou o espaço e logo, um grande veado branco apareceu na entrada, nos observando.

Maíra se encolheu junto a mim, parecia estar com bastante medo, assim como eu.

- Vai embora... - disse, descrente de que meu pedido mudaria algo. Nada aconteceu. O animal permaneceu imóvel, nos encarando. - Não faça nada! Ela está grávida - intercedi pela vida de Maíra.

- O que está acontecendo? - perguntou ela, me puxando.

Não a respondi. Não tinha tempo, precisava convencê-lo urgentemente. Então retirei a mão de Maíra de meu braço e me agachei junto ao veado, tentando manter um contato visual. Percebi que seus olhos não estavam acesos, do contrário eu teria enlouquecido.

- Ela está grávida. Eu sei que você protege as grávidas.

Então o animal se virou e desceu a gruta. O segui até a entrada e vi quando ele voltou a ter o aspecto de um homem. Ele tinha a pele acobreada, era alto e forte. Estava praticamente nu, mas coberto por tatuagens.

Maíra estava aterrorizada. Se levantou e me chamando para dentro.

- Me diz o que foi isso. Não era um animal? Ele queria me matar? Eu achei que aquela história de morte seria através de Arlo - falou quase que incessantemente, andando de um lado para o outro.

- Não era um animal - respondi, sentindo uma grande exaustão. Aquele pequeno diálogo tinha me sobrecarregado espiritualmente. - Eu continuo achando que pode ser Arlo. Ele é o responsável por tudo isso - tinha certeza.

- A essa altura ele seria só mais um. Eu não sei o que devemos fazer. - Parou a caminhada intensa e fitou sua barriga, tristonha. - Por que o nascimento dessa criança seria tão ruim assim?

Então se aproximou, olhou profundamente em meus olhos e não disse nada, apenas pensou. "Você vai me proteger ou vai desistir? Está correndo risco por minha causa."

Eu sabia que estava em risco e que talvez estivesse escolhendo o caminho errado. Com certeza o que ela carregava não era normal. O Deus do submundo não teria aparecido simplesmente por uma criança comum.

- Aquele era Anhangá. Ele é um deus - expliquei a ela, encostando na parede de pedra.

- Anhan-gá? - franziu a testa, tentando pronunciar seu nome. Assenti. - Mas por que você falou sobre a minha gravidez? Os nativos queriam que eu abortasse. Por que ele iria querer o contrário?

- Ele vive no submundo, mas protege os animais da floresta. Principalmente as fêmeas grávidas. Imaginei que dizer sobre sua gravidez talvez acharia graça aos olhos dele - contava sobre a minha suposição.

- Me comparou a um animal? - Fez uma cara brava, parecendo tentar me intimidar, entretanto, achei ela ainda mais linda.

- Eu precisava tentar... - sorri, gentil.

- Então ele não é mal? - ela estava aliviada. Uma pena ter que dar a má notícia.

- Ele é responsável pelo mundo dos mortos. Isso já não é boa coisa. Temos que tomar cuidado. Ele pode se transformar em qualquer animal, talvez até pessoa... Mas acho que não veio te matar e sim, vigiar. Eu não teria o poder de fazê-lo mudar de opinião.

- E se o meu bebê fizer algo de ruim? Se um dia ele se tornar um caçador ou algo do tipo? - cogitava com a inocência de quem não tinha noção nenhuma do verdadeiro mundo que existia.

- Existem milhões de caçadores. Nós somos responsáveis por proteger os animais. Mas nunca tivemos que evitar o nascimento de algum deles. Não acho que uma criança venha ao mundo predestinada a matar. E ele veio pessoalmente... isso é muito estranho. - falei, refletindo sobre tudo. - Mas se fosse um metamorfo? Talvez um chullachaqui fingindo ser Anhangá... Lembra que conversamos sobre você não ter sido defendida quando seu noivo... - hesitei, quis poupar sua dor, porém não tinha uma forma de amenizá-la. - Quando te machucou? Acho que alguém queria que você engravidasse e veio conferir.

Maíra me ouvia, mas parecia não entender nada. Pensava em muitas coisas ao mesmo tempo.

- E nos encontrou facilmente... - disse desanimada, com olhar distante.

- Eu sei, isso é pavoroso - admiti, sentindo-me fraco. - Não sei se consigo te proteger sozinho - continuei a falar e vi a sua feição mudar. A esperança que enxergava em seus olhos desapareceu em segundos.

- Eu sinto que vai acontecer a qualquer momento - Maíra falou e se sentou, curvando sua cabeça, não me permitindo olhá-la.

- Eu não vou desistir de você... Olha pra mim. - disse, me abaixando e levantando seu rosto pelo queixo. - Não importa se eu estarei em risco. Eu vou proteger você.

- Por quê? Os deuses não te pediram nada. - Sua voz embargava e eu já notava as primeiras lágrimas surgindo.

- Me sinto ligado a você. Eu não sei por qual motivo, mas existe algo maior. - Segurei uma de suas mãos.

Maíra acariciou meu rosto e falou emotiva: - Você sabia que eu comecei a pintar por sua causa? Desde aquela tarde que eu te vi, você aparecia em todos os meus quadros. Minha mãe me achava louca porque eu dizia que o homem das telas estava em nosso jardim - contou, sorrindo. - Você sempre esteve lá, não esteve? Uma vez, quando eu tinha uns 15 anos, eu briguei com minha mãe e fugi para a floresta. Ela foi atrás de mim, mas eu subi na árvore e me escondi. Eu lembro que apareceu uma onça e eu não podia descer. E ficou tarde...

Enquanto ela falava, me recordava do dia e a interrompi com uma suave gargalhada. - Fui eu sim... Você desceu e correu, meio louca por sinal - zombei. - A onça estava dormindo, mas o barulho do seu pulo no chão acabou acordando ela.

- Isso. Eu só vi um vulto e ela sumiu. - disse com os olhos fixos aos meus.

- Eu saltei sobre ela e capotamos ladeira abaixo.

Então começamos a rir da situação. Rimos tanto e de repente um silêncio tomou conta da gruta. Ficamos ali nos encarando por alguns segundos. Até Maíra segurar meu rosto com suas mãos macias e me beijar. Não pude resistir. Passei meus dedos pelos seus cabelos, chegando à nuca e fomos nos deitando devagar. Ela sorriu com um sorriso tão suave, o qual me fez esquecer do que passávamos. Eu sondava seus pensamentos e sabia o que queria. Contudo, não podia tê-la naquele momento. Então aos poucos fui me perdendo em seu olhar, que me acalmou tanto e me fez descansar.

- Liam... - chamou baixinho.

- Hum... - respondi de olhos fechados, sonolento.

- Você não me quer? - Senti seu nariz encostando em meus lábios.

Não consegui respondê-la. Já estava entrando em um sono profundo.

 Já estava entrando em um sono profundo

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