Zola

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Numa certa manhã, uma que não parecia nada especial, úmida e fria como muitas outras naquela vila, Zola já estava acordada antes mesmo da revoada das aleluias, provavelmente só os padeiros e leiteiros estavam acordados a essa hora. Ela já estava arrumada, alimentada, não de barriga cheia, mas tinha comido um pouco de antecasca de bigornas e farinha de piçal. E já estava de saída para a "Toca do Grarú".

Hoje era um grande dia, o dia em que ela aplicaria para um dos grupos dos "maiores". Ela gostava mais da Molecada. Eles não tinham uma base estabelecida, eram nômades, passavam um tempo em algum lugar da cidade, depois em outro e assim por diante. Ultimamente estavam estabelecidos na "Formosinha", uma árvore que tinha um formato bem único que ficava na beira do rio, próxima ao moinho. Ela não era muito alta, apesar de também não ser baixa, mas era muito larga. Tinha muitos galhos, que iam para todos os lados, às vezes entravam no chão e saiam mais a frente. Suas folhas eram de tamanho pequeno para médio, cerrilhadas e de um tom verde bem escuro. A copa tinha partes bem fechadas, mas não era homogênea, era como se tivesse umas pequenas clareiras, que permitia a entrada de sol em restejos – era como eles chamavam fachos de luz. Era bem bonito e agradável debaixo de sua copa.

Zola adorava explorar e encontrar lugares novos, só que a molecada sempre escolhia lugares que ela já conhecia. Normalmente eram próximos às partes mais frequentadas da vila ou de passagem para as partes mais rurais. A essa altura, Zola já conhecia essa região toda.

O que ela ainda não conhecia, e isso era algo que cutucava a sua curiosidade, era a Toca do Grarú, o QG da Falange. Ficava na entrada de uma caverna e os cupinchas não deixavam ninguém que não fosse da Falange chegar perto. Era dito que havia muitos caminhos dentro da caverna, vários ainda nem explorados.

Bom, está decidido – Zola pensou – como eu quero entrar para a molecada, o melhor é ir para "A Toca".

...

É, eu sei. É difícil entender o que se passa na cabeça dessa menina. As vezes eu acho que nem ela entende. Dito isto, ela não está de todo errada. Se ela realmente quer conhecer A Toca, a melhor forma é fazer parte dos cupinchas... oooou... fazer de conta que quer entrar para o grupo. Aproveitar a janela de oportunidade deixada aberta pelo "alistamento" provavelmente seria a sua única chance.

Serelepe, lá se foi Zola, correndo e saltitando pelos estreitos e pedregosos caminhos da vila.

Sempre distraída, ela estava particularmente maravilhada com "O chapéu do mundo". A luz batendo no cinturão de asteroides era particularmente bonito naquele horário do dia.

Sem perceber, acabou parando um pouco para admirar aquela vista. A vila ainda na penumbra. Zola, a essa altura, já estava a mais da metade da subida do morro, onde ficava "A Toca". Dali ela via boa parte das casas da vila entremeadas nas árvores. Dava para ver algumas luzes acesas em uma casa ou outra. E o céu! Ah, que céu, hein Zola!!! Eu te entendo completamente. Entendo até porque demorou tando para perceber as aleluias se aproximando. Primeiro uma, depois outra e só depois da terceira é que Zola se deu conta de que aquelas lagartixas felpudas e aladas estavam entrando pelas mangas e gola de seu casaco.

Ela se assustou quando percebeu que estava cercada de aleluias à sua volta e saiu correndo morro acima, tropeçando e escorregando, mais vezes do que eu me dei ao trabalho de contar, pela "escadaria" pedregosa que levava até o topo.

Chegando ao pé da Toca, não sei se caiu ou se ela se jogou de bunda no chão. Foi uma cena agoniantemente engraçada de se ver, Zola cansada e sem ar, tentando respirar ao mesmo tempo que caia na gargalhada. A risada e o desespero ocupavam o mesmo espaço em seu rosto, roxo avermelhado e escorrendo lágrimas de seus olhos, ora esmagadinhos, ora esbugalhados. Quando finalmente conseguiu juntar um pouco de ar nos pulmões, ainda com um sorriso no rosto "Hahaha! Eu estou parecendo com o Tonelada!" – o casaco dela estava cheio de aleluias e parecia que ela era uma menina gordinha, quando isso estava muito longe de ser verdade.

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