Jonathan

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Aquele era um dia atípico na Vila Rejo. As crianças não brincavam, tampouco tramavam umas contra as outras. A Falange não se encontraria até que fosse o fim da tarde, e não receberam nenhuma tarefa. Se tivessem, do jeito que estavam abalados, dificilmente conseguiriam cumprir. Talvez, o abalo tenha se intensificado pela falta de tarefas. Se tem algo que a Falange faz, é tarefa. Cada um lidava com a situação de uma maneira, alguns nem lidavam. Ceres, quase vomitou só de pensar em como sua vida seria a partir dali.

A Falange estava passando por uma crise que afligia todas as crianças da vila. A Trumbique nem pensou em brincar, pois o que estava para acontecer implicava diretamente na importantíssima decisão que toda criança deveria tomar ao completar as 10 primaveras.

Tamanha era a preocupação e aflição da Falange, que até os adultos estavam apreensivos. Tentavam sugerir soluções, mas os cupinchas se recusavam a aceitar ajuda de fora. Nem as pamúias voando e enfeitando o céu limpo com suas penas coloridas, preenchendo o som com suas melodias e coros complicados, eram capazes de erguer o ânimo da galera.

Mas o que, em nome de ditoso Celésio, é tão sério a ponto de causar essa comoção toda por parte de todos? Eu te digo. A Falange perdia um membro para a vida adulta e nomearia um novo chefe. O chefe, e esse é o problema, seria Jonathan.

Quem menos sofria com a história toda era a Molecada. Espalhados por toda a vila, assistiam os colegas do grupo rival. Alguns indiferentes, outros com um mórbido interesse.

No entanto, cupinchas, moleques e pivetes tinham suas preocupações.

MIRANDA: Ele é um desequilibrado! Maluco é o que ele é! A gente tava jogando um jogo que era de dupla e eu fui a dupla dele. Até aí tudo bem. O que eu podia fazer? Mas, sabe, eu até que fiquei calma. Era um jogo que você tem que ficar em silêncio e é de mesa, então não tinha problema. O problema é que a gente não tava ganhando ainda. Eu tinha uma jogada que ia salvar a gente. Eu dei sinais avisando sobre, mas ele não entendeu. Sinais muito claros, diga-se de passagem. Claros até demais eu diria. Tenho certeza que uma das duplas adversárias entendeu pelo menos parte do que eu quis dizer. Mas sei lá. O cara não entendeu e surtou. Virou a mesa de cabeça pra baixo e saiu batendo o pé. Isso depois de me xingar e xingar o resto todo da mesa. Eu não vi mais ele o resto do dia. Ainda bem! Depois dessa, a gente perdeu mesmo.

GASPAR: Ele rouba meu lanche. Mas eu nunca sei quando ele vai fazer isso. Tipo. Não dá pra me roubar com uma rotina, não?

TALITA: Ele sabe que eu detesto o escuro. Todo mundo sabe. E aquela caverna... Ela é redonda demais. É bizarro. O que eu posso esperar de uma caverna daquelas? Eu não sei. A gente tava explorando os túneis, a parte que não tem tochas, e ele apagou a tocha que tava na mão. Eu entrei em desespero. Tentei correr mas eu tropecei. Torci meu pulso. Ele estala às vezes ainda.

NAIM: Cara esquisito. Quieto demais. Extravagante demais. Ele nunca fala a não ser que seja inconveniente.

RIUVI: Não lembro de uma vez que ele falou comigo sem puxar o meu cabelo ou me prensar contra a parede. Também não lembro dele ter falado comigo não fosse pra me obrigar fazer alguma coisa... Quer saber, isso ficou estranho, esquece o que eu disse.

ORDÁLIA: São os acidentes. Sempre os acidentes. Os pequenos acidentes. Tipo pisar no seu pé. Só que todo dia. E com força. E sem as desculpas. Quanta arrogância.

ZOLA: Mal tem uma estação eu passei mais de uma semana sem conseguir falar ou comer direito. Porque o bonito queimou minha boca e minha garganta inteirinha por dentro. Sem falar na alergia que eu tô agora.

GIMENEZ: Ele faz de propósito. Tenho certeza que ele planeja cada passo.

MIRANDA: Se ele não tá zanzando pela vila ele tá com a gente. Se não tá com a gente, ele tá sabe-se lá onde, fazendo sabe-se lá o quê. O que é a maior parte do tempo. Tipo, ninguém sabe nada sobre ele. O que é muito suspeito e, obviamente, eu não quero ninguém suspeito no comando. Como eu vou obedecer alguém que eu tenho zero informações sobre, sem saber se eu posso confiar, e não confio? Bom, essa é fácil. Vou obedecer porque ele vai ser o chefe e... bom, as regras. E também, eu não aguentaria cinco minutos na porrada com ele, então, meio que eu não tenho escolha.

Turma do BarulhoOnde histórias criam vida. Descubra agora