Levi

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 Elaine caminhava até a casa de Levi à beira do rio, contente, com um livro embaixo dos braços. Ao entrar na casa de madeira, cumprimentou Saldanha, que esculpia tigelas de barro, e foi até o quarto do amigo.

– Boa tarde, Levi – a garota o saudou com um sorriso no rosto – Vim te devolver o livro que você me emprestou. Queria saber se tem outro livro pra e...

– Não tem mais livros – Levi estava esparramado na cama bagunçada encarando o teto, a janela entreaberta.

– Mas esse é só o segundo livro que eu leio. Com certeza tem mais.

– Não tem mais livro – ele respondeu em estado de transe.

Elaine o encarou confusa. Claramente tinha mais livros. Ela mesma via um bocado jogado no chão. Jenohva, a pamúia de estimação do pai de Levi, entrou voando no cômodo repetindo "Não tem mais livros, não tem mais livros... Ráaa! Ele tá assim a manhã inteira... Ráaa... desde que descobriu que que leu todos os livros da vila. Ráaa... Ráaa... Não tem muitos livros na vila, ele já leu tudo". Tudo. Dos mais fantásticos aos mais didáticos e entediantes, até aqueles que não faziam sentido. Independente de quantas vezes lia, relia e tentava, nenhuma informação nova e útil proveniente desses livros lhe vinha à mente. Alguns eram uma verdadeira perda de tempo.

– Não tem mais livros – murmurou ele outra vez.

Elaine o olhou preocupada, deixou o livro que trouxe consigo na cama e arrastou Levi para fora de casa até o Jardim das Gorunas. Pegou alguns desvios no caminho e foi chamando os outros amigos. Depois de picuinhas e brigas, Elaine convenceu a todos que a prioridade era Levi e que ele deveria sentar na pedra mais confortável do Círculo de Pedras.

– Tá, deixa eu ver se eu entendi – Zola disse estreitando os olhos – A gente veio pra cá porque acabaram os livros?

– Isso é seríssimo – Levi recobrou a consciência – Eu bati à porta de todo mundo da vila pedindo por livros emprestados, mas eu já li tudo.

– Isso é ridículo – Kiara riu.

– Ridículo, mas necessário.

– Já tentou esquecer o que leu e ler tudo de novo? – Gael propôs – Esquecer não é tão difícil.

Todos os encaram meio confusos. Acho que nem Gael entendeu muito bem o que ele disse. Era verdade, é claro. Mas não lembravam como esqueciam as coisas.

– Mas e daí que você já leu tudo? – Elaine perguntou – Você não pode fazer outra coisa?

– Vocês não me entendem!

– Sim! – confirmou Gael.

– Ler era tipo, meu lance! – Gesticulou, tentando achar as palavras certas.

– Você fala como se ler fosse a única coisa que te define – disse Zola.

– Meio que é – Kiara, pensativa. Todos a encararam – Quié? É verdade. Eu consigo contar nos dedos quantos surtos ele teve. E todos foram relacionados a livros. E mesmo os que não tinham nada a ver com livros, acabava voltando pra eles de alguma forma. Ele é o cara que lê!

– Ele também é o cara anti social – Gael completou a informação – Porquê lê.

– Ah, ótimo! Agora eu pareço um estereótipo!

– Esterequem? A gente só tá esclarecendo – Kiara deu tapinhas em seu ombro.

– Vocês não são muito bons em consolar. Sabiam disso, né?

Todos se olham sem saber o que fazer.

– Abraço? – Elaine propôs dando de ombros.

– Abraço! – Zola repetiu com um sorriso no rosto.

Todos caíram em cima de Levi num abraço embolado e apertado. E, embora Levi ainda estivesse encanado por não ter mais o que ler, ele se sentiu feliz. Agora, mais do que nunca, ele tinha amigos. Amigos que tiravam sarro e zoavam dele e com ele, mas o adoravam, mesmo lendo, mesmo se preocupando, mesmo passando vergonha pra seguir com um passatempo que ninguém entendia. Mesmo que sejam péssimos em consolar alguém, tentavam.

O grupo de amigos foi ao encontro do restante da Molacada para as comuns atividades de grupo. Foi uma semana com um Levi cabisbaixo tentando achar sentido na vida agora que não leria mais, uma semana dramática e desolada.

Depois que Lumo se punha e todos iam para suas respectivas casas, Zola, Elaine, Kiara e Gael permaneciam zanzando pela vila, juntando materiais aqui, conversando com outros ali e, após vários dias, eles tinham algo.

– Um livro? – Levi, de olhos esbugalhados fitando o presente dos amigos.

Um livro costurado numa capa de couro, não muito grande, com uma letra, por pouco, legível. Os amigos o encararam com expectativa. Ele abriu o livro e leu a primeira página. Tinha uma narrativa simples e meio pobre.

– Isso é lixo – disse.

– Sua gratidão é comovente – Gael retrucou automaticamente.

Levi sorriu e guardou o livro no lugar mais importante que um livro seu poderia ser guardado. A mesinha da cabeceira. Ele leu o livro. Era bobo e amador, mas ele amou. Não muito tempo depois eles encontraram um lugar que seria como o começo de um sonho para Levi. Ou de um pesadelo, se olhar mais à frente. Uma biblioteca em uma árvore. Mas isso já é outra história.



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