Adriel

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Mais um dia indo embora. Mais uma noite não muito estrelada na vila. Mais uma vez que Elaine chora depois do pôr de Lumo.

Era normal ela chorar com as coisas mais corriqueiras; ver uma flor desabrochando, um passarinho morto, uma topada com o dedinho no pé da cadeira, um desenho bonito, um afeto. Mas naquela noite ela chorava por seu irmãozinho, e não era corriqueiro dessa vez, ele havia se tornado um pariá, um proscrito. Seu irmãozinho, a quem ela tanto amava, não podia mais fazer parte da Trumbique. E, pra piorar, não tinha idade o suficiente para entrar pro grupo dos maiores.

Adriel tinha apenas 9 primaveras, ainda lhe faltava uma quase inteira para poder entrar pros grupos dos maiores. Mas, devido aos acontecimentos recentes, era impossível que ele continuasse fazendo parte da Trumbique.

Com as bochechas rosadas molhadas de lágrimas e os pulmões repletos de soluços, Elaine pegou o caminho à esquerda, logo depois da Marcenaria do Chico. Normalmente ela se demorava um pouco mais ao passar por ali, ela mesma achava estranho, mas apreciava bastante o aroma de madeira recém-cortada – não me pergunte o porquê, eu também não sei. Mas dessa vez ela passou direto, possivelmente por conta do nariz entupido, ou simplesmente porque tinha coisa mais urgente a fazer.

Aquele caminho subia um pequeno morro que ficava mais pra parte sul da vila. Rejo, a vila, era um lugar bastante bucólico. Ela ficava entremeada em árvores e, aqui e ali, tinha morros que sobressaiam às copas das árvores. Normalmente eram cobertos por capim, suas árvores costumavam ser mais esparsas e ter muitas pedras e pedregulhos aparentes. Aquele morro em específico era rodeado de casas. Ele era conhecido como Morro do Cabalístico. Era no topo desse morro que ficava o "Mural dos Vitoriosos" – como era conhecido entre as crianças. Na verdade esse mural era uma escultura. Ela estava ali desde que qualquer maloio da Rejo se lembrava. Parecia eterna. Os adultos a chamavam de "Velho Cabalístico", isso porque debaixo da luz da lua a pino, as sombras e reflexos, que apareciam naquela enorme e desforme escultura de metal, revelavam uma figura que só poderia se descrita como um homem velho, muito velho por sinal. Parecia observar algum aparato em sua mão esquerda e apontar para o céu com a direita. Extrapolando uma linha seguindo na direção, e sentido, objeto-ponta do dedo tem uma região triangular totalmente escura que ia do horizonte até certa altura no céu. Não tem estrelas e nem é possível enxergar o Chapéu do Mundo, como se tivesse um buraco nele.

Não era a primeira vez que Adriel se sentava ao pé do Mural dos vitoriosos, olhando sem prestar nenhuma atenção específica em direção à parte triangular, escura do céu. Só que, dessa vez, a sua cara era só derrota.

Sempre que sentava ali, ele não costumava pensar em algo em particular, mas se sentia bem de alguma forma que não sabia explicar. Talvez por isso visitasse aquele ponto, sempre que dava, quando a noite se encontrava com o dia. Ele passava um tempinho por lá e depois ia para casa.

Já ia se levantar para voltar para casa, quando foi surpreendido com um abraço apertado, soluços e uma voz chorosa: "Driel, o que foi que você aprontou dessa vez?"

Adriel não precisava nem ter ouvido a voz dela, ele conhecia muito bem aquele abraço. Era um abraço apertado e bem quentinho, um pouco mais apertado do que seria confortável, mas que te fazia não querer largar. E normalmente parecia não querer te largar também. "Eu acho que nunca vi ela largar um abraço até hoje" – pensou ele com calor revigorante agora enchendo o seu coração.

– Eu não fiz nada, eu juro! Só estava tentando me defender.

Elaine apertou a cara, e ainda um pouco mais o abraço, em desconfio:

– Tah! Mas me conta tudo direitinho como foi então!

Adriel, com o rosto enrubescido – "Gwah! Baydz dumb tufff gnsguid rssp-hah". Ele busca uma das mãos de sua irmã, enquanto dá leves tapinhas em um de seus joelhos. "Driel, eu estou falando sério!" e finalmente ele consegue puxar um de seus braços e conseguir um pouquinho de espaço para respirar. "AH! Ops, desculpa, maninho!" – Adriel finalmente livre, respira fundo umas três ou quatro vezes.

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