Capítulo dois - Tobias

7.4K 267 29
                                    

Eu nunca vi Chicago tão diferente. As coisas vão indo muito bem por aqui, graças ao trabalho coletivo e a nossa força de vontade em mostrar ao governo que os genes não nos fazem pessoas piores ou melhores, são as escolhas que fazem isso. As escolhas nos transformam, nos destroem, nos levantam, nos definem. Johanna e eu temos feito um ótimo trabalho na cidade. Recuperamos boa parte das ruas e alguns poucos prédios. Conforme essa cidade se estabelecer, vamos conseguir recuperar tudo, mas o mais importante tem acontecido: as pessoas estão trabalhando e estão mantendo a ordem e a paz. Principalmente as pessoas que vieram da margem, buscando uma nova chance de vida. As vezes eu gosto do fato dos rebeldes escolherem ficar na margem. Eles nos dariam muito trabalho aqui e acho que precisaria ajudar na força policial. Não quero tocar nunca mais no instrumento que tirou de Tris o folego de vida: uma arma. Tento me contentar com o que venho fazendo para ajudar Johanna e minha mãe, que agora também faz parte do governo de nossa cidade. Ela e Johanna tem se dado muito bem e uma tem suprido a vontade da outra. A vontade da minha mãe sempre foi uma sociedade sem as facções e a de Johanna sempre foi estabelecer a paz e a amizade em qualquer tipo de sociedade.

--------------------

Encontro Christina, Zeke, Amah e Shauna no parque de diversões que agora voltou a funcionar. O mesmo lugar onde subi a roda gigante com Tris, quando sua presença fez do meu medo um simples desconforto.

- Caleb, Cara e Matthew nos esperam no carrossel. - diz Christina, animada como sempre.

Todos nós temos vindo aqui com frequência para conversar, beber e passar o tempo em que não trabalhamos. Christina ainda está no escritório que realoca as pessoas da margem, Caleb e Cara estão no Departamento da Agricultura, Zeke e Amah são policiais e Shauna ainda não tem um emprego. George está sempre muito ocupado com o seu projeto de Audácia, a força policial. Peter não está em Chicago. Zeke disse que ele está em Milwaukee, trabalhando em um escritório. Ele é uma pessoa melhor agora apesar de algumas características da sua personalidade problemática terem voltado. A última vez que vi Peter eu estava no Departamento, ele estava com Cara e ela disse para ele ir para o dormitório. Isso foi no dia em que descobrimos que duas pessoas do Departamento fugiram, - Zoe e Brian - mas não fomos atrás deles, pois o Departamento estava um caos com os cientistas sem suas memórias. Eu venho muito aqui no parque sozinho. Em algumas noites de insônia, subo na roda gigante e me sinto mais perto de Tris... aliviado. O vazio dentro de mim é maior do que o medo de altura, então eu consigo enfrentar o medo para buscar um alívio para esse vazio.

Tento fingir estar feliz quando estou com meus amigos, mas a verdade é que só consigo pensar em coisas como "Tris estaría tão feliz conosco!" "O que ela faria ou o que falaria agora?".

Me distraí por um momento pensando nela e fiquei para trás deles, que correram em direção a Caleb, Cara e Matthew. Shauna já não necessita das muletas e se locomove bem, mesmo que desajeitada, com o aparelho feito por Caleb e seus amigos. Quando chegamos ao carrossel Cara está com o sorriso de um cientista que descobriu algo, todos os três estão com esse sorriso.

- Matthew pediu a nossa ajuda e estamos desenvolvendo um soro que deixa as pessoas influenciáveis por alguns minutos. - fala Caleb, contente.

- E o que isso significa, sabichão? - pergunta Christina, como quem não se interessa muito.

- Significa que podemos colocar na sua bebida e te convencer a fazer loucuras pela rua sem roupa por uns dez minutos até você se tocar e morrer de vergonha. - explica Cara seguida de risos.

- Ou então convencer um cidadão a não matar alguém até que sua raiva passe. Poderíamos desenvolver uma arma com dardos para a força policial usar o soro e não precisar machucar as pessoas com armas de fogo. - Matthew conclui a explicação de Cara.

Repentinamente, lembro-me da morte de Tris. Foi uma arma de fogo que a matou.

- Muito legal! Talvez se David tivesse uma arma dessas nas mãos, não precisaria ter matado Tris. - falo automaticamente, tomado por uma raiva ao lembrar dele. Os próximos segundos são tomados por um denso silêncio.

- Realmente seria de muita utilidade... continuem com esse projeto. - diz Christina com uma voz calma, apoiando uma mão em meu ombro.

Christina tem sido uma boa amiga, mas jamais pensaria nela como algo mais. Nem sei se um dia amarei uma mulher novamente. Mesmo que tudo entre Tris e eu tenha sido muito rápido, foi muito intenso e isso faz com que eu me sinta um cara de sorte, pois muitas pessoas não encontraram o amor nem mesmo dessa forma. Eu encontrei o amor da minha vida - Beatrice Prior - e não preciso de mais ninguém. Só preciso dela.

Eu bebo enquanto os outros conversam e se batem em brincadeiras. Eles já devem ter se acostumado com a minha companhia dessa maneira e Christina já entende que quando estou em uma crise não quero a aproximação nem a consolação de ninguém. Tudo que eu quero é ver Beatrice outra vez. Só mais uma vez.

Quando nosso momento entre amigos acaba, volto sozinho para meu apartamento, já que nenhum deles mora próximo de mim. Minha mãe se mudou para a sede da franqueza, onde fica o governo de Chicago e onde Johanna também mora junto com todas as pessoas que formam o governo. Somente eu não moro lá, mas, como trabalho lá, vejo minha mãe e todos os outros diariamente.

Um vento repentino toca o meu rosto, o inverno está acabando e já não neva mais. Porém, o ar continua muito frio, com exceção desse vento que foi quente e macio. Por um momento reconheço aquele toque. É ela. Mas sei que é só o meu cérebro me pregando peças. Ela se foi.

AscendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora