Capítulo oito - Tris

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NOITE

Depois de termos nos alimentado, Peter e eu decidimos seguir viagem, mesmo já sendo noite. As ruas de Nova York são tão movimentadas durante à noite quanto durante o dia. As incontáveis luzes por todos os prédios são como as estrelas no céu. É como se elas ocupassem o lugar das verdadeiras estrelas, já que é difícil enxergá-las em meio a tanta claridade urbana. Quando nos aproximamos da saída da cidade, avistamos uma barreira de carros. São seguranças do Departamento.

- Que perfeito... uma blitz! É melhor se esconder, Careta!

Lanço-me para baixo, na tentativa de me esconder, enquanto Peter muda o nosso trajeto para a direita. Por sorte, ainda havia uma ruela escura e estreita a nossa direita, antes da barreira de carros, pela qual Peter dirige por alguns minutos. Quando o carro finalmente pára, ele vira para trás e pega uma mochila, tirando dela uma blusa totalmente preta e com capuz.

- Você vai precisar disso. Vamos ter que passar a noite na cidade.

Eu pego a blusa e descemos do carro. O lugar onde estamos não é movimentado, nem repleto de claridade. Pelo contrário, é uma ruela escura e úmida, iluminada por um único luzeiro e uma placa de "hotel". Todos esses nomes são estranhos para mim. Hotel, blitz, contabilidade... mas estou muito ocupada em meus pensamentos e não procuro descobrir o que são. Só quero sair daqui logo.

Entramos no prédio cuja placa reluz do lado de fora. "Bem vindos!", o tapete na entrada, pequeno e desbotado. Ao contrário do ambiente externo, o lado de dentro é quentinho e aparentemente confortável. Tão quieto e silencioso que quase esqueço de todo o alvoroço que deixamos do lado de fora. Somos recebidos por um senhor, simpático e caloroso; quando chegamos ele estava entretido com uma tela de vidro, fixa na parede oposta, na qual vídeos são reproduzidos, como no Departamento. Mas agora me parece que conversar conosco lhe é mais interessante, pois ele não para de falar. Não que conversar com ele não seja interessante, mas estou cansada e, já que as circunstâncias nos obrigaram a passar a noite na capital, pretendo aproveitar cada segundo que tenho para dormir. Nada altruísta, eu sei.

Peter paga por um quarto com duas camas. Ele está sendo muito bom para mim. "Cara me ensinou a ser um cavalheiro", ele me diz. Tantas coisas aconteceram enquanto eu estive fora; nem imagino o quanto as pessoas, os lugares, tudo deve estar diferente. No caso de Peter, as coisas mudaram para melhor. Sinto que estou tendo muita sorte em tudo isso, como se alguém estivesse preparando tudo para mim. Como se meus pais estivessem, de alguma maneira que não posso explicar, me ajudando de longe. Esses pensamentos fazem com que eu me sinta mais próxima deles, mesmo sabendo que isso não é possível.

O quarto simples me traz à memória a minha casa na Abnegação. Me surpreende que, mesmo em meio a tanta confusão, eu ainda tenha tempo para sentir o luto. Estou cansada e preciso dormir.

Peter parece estar meio assustado com tudo; vejo ele ligando para alguém. Ele explica que teve problemas e que só poderá voltar para Milwaukee na próxima noite. Deve ser o seu supervisor. Ele passa a maior parte do tempo andando de um lado para o outro do quarto enquanto conversa comigo, inquieto, agitado. Não acho que o fato de que saída da cidade esteja repleta de guardas a minha procura está o preocupando. Ele está assim porque qualquer pessoa também estaria. Não é todo dia que você está andando por aí e ocasionalmente esbarra em uma pessoa que já morreu. As vezes ele simplesmente pára de andar e me encara com um sorriso carregado de incredulidade; como quem toma a consciência no meio de um sonho maluco e se pergunta "que merda é essa?!". Eu apenas fico sorrindo e continuo a falar de seja-lá-o-que-estamos-falando e o sono não ajuda na minha concentração.

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