Capítulo seis - Tris

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Amanheceu e eu me encontro apoiada em um galho da árvore em que subi na minha fuga. Parece que dormi aqui, mas não lembro de ter decidido isso. Aquela simulação exigiu muito esforço físico e mental da minha parte. Não imaginava que uma simulação me desafiaria de tal maneira. Desconsiderando os interesses sombrios do Departamento, diria que até foi divertido. Tenho que ir para a cidade. Preciso chegar logo em Chicago. A ansiedade não cabe dentro de mim, o que me dá a impressão de que vou explodir enquanto caminho em direção à grande cidade de Nova York. Tenho que me conter e andar com cuidado, pois eles ainda devem estar procurando por mim. Afinal, eu custei muito caro para eles e agora eles me perderam.

*

Tento ser o mais discreta possível ao me aproximar do perímetro urbano. Não identifico o momento exato em que entrei na metrópole, pois não há um muro, não há nada que impeça ninguém de sair ou entrar, nada delimitando os arredores da Capital. Estou impressionada com o que vejo. Por incrível que pareça, existem prédios mais altos que o Eixo aqui. Já estou caminhando a bastante tempo e, desde muito longe, já era possível vê-los, envolvidos pelo ar poluído. Eles são enormes e parecem espelhos que tornam a cidade mais bonita do que qualquer lugar que eu já tenha visto. Não consigo contar o número de prédios como esse na parte da cidade onde estou. Os carros estão por toda a parte, eles são bonitos e brilhantes e são diferentes uns dos outros. A rua está cheia de pessoas com roupas que eu nunca nem imaginei existirem. Umas são engraçadas, como os sapatos de uma mulher que tinham uma ponta afiada e um tipo de elevação de uns quinze centímetros na parte de trás. Outras são diferentes e me deixam perplexa. É tudo muito diferente aqui. Tudo que está fora dos muros da cidade na qual eu cresci ainda me surpreende.

Tento me esconder ao ver um carro diferente. Ele tem uma luz vermelha que gira na parte superior e anda fazendo um barulho a cada quatro segundos, mas o que me assusta são os dois seguranças do Departamento que estão dentro dele. Estão me procurando. Entro em um lugar que não faço a menor idéia do que seja. Vejo um cartaz que diz "Conferência Nacional de Contabilidade". As palavras não fazem o menor sentido para mim, mas aqui estarei escondida e segura, por enquanto. Há muitas pessoas aqui. Elas estão sentadas assistindo um homem falar sobre um assunto que me é totalmente desconhecido, mas tento prestar atenção. Estou nervosa e preciso me distrair com alguma coisa.

Não sei quanto tempo se passa, mas a reunião é encerrada e as pessoas se levantam para ir embora. Não sei o que fazer em seguida e fico ali, parada. É quando vejo a pessoa que menos esperava ver: Peter. Ele me olha com uma cara de espanto. Suas sobrancelhas sobem tanto que quase tocam o seu cabelo que está maior do que antes.

- Beatrice?! Você não deveria estar...

- Morta? Sim, eu deveria! Mas não estou! - ele está muito assustado, mas é discreto.

- Eu lembro de ter visto o seu corpo um dia após a sua morte. Eu sei quem você é, mas não me lembro de nada o que aconteceu antes daquele dia. Eu tomei o soro da memória. Quatro disse que eu queria me tornar uma pessoa melhor. Mas não estou maluco! Você morreu! - sua última frase sai como um grito e eu faço um gesto para que ele se contenha.

- Vem aqui, Peter. Vou te contar o que aconteceu. - eu o levo para um lugar onde não há ninguém, mesmo sem saber se posso fazer isso. Eu lhe explico tudo o que aconteceu e ele tem dificuldade em acreditar, assim como eu, mas aqui estou. Eu sou a prova viva de que tudo é verdade.

- Mas você está bem? Tenho que tirar você da cidade o quanto antes.

- Estou. - respondo com sinceridade. - O que você está fazendo aqui em Nova York, Peter?

- Eu estou morando em Milwaukee, e trabalho em um escritório de contabilidade. Por isso vim aqui para a conferência nacional. Estou de carro e posso te levar para Chicago, mas antes você precisa comer. Só lembro de você morta, mas, certamente, você não estava tão magra assim. - ele sorri.

Peter é uma pessoa totalmente diferente. Começando por não me chamar de Careta. Mas ele nem sabe que me chamava assim. Agora ele é o cara que vai me levar para o meu lugar. Não sei o que me mantém de pé, pois tenho a sensação de estar flutuando. Estou viva... Estou viva...

- Vamos! Estou faminto também, Careta. - ele solta uma gargalhada.

- Então você sabe que me chamava assim?! - dou gargalhadas após perguntar. Estou explodindo de felicidade. Não por encontrar Peter, mas por poder reencontrar Tobias.

- Sim, Careta! Cara me contou tudo. Ela me ensinou tudo sobre a vida. Tudo o que eu esqueci e tudo que eu precisava melhorar.

- A escolha de recomeçar deve ter sido muito difícil. Estou orgulhosa de você. - minhas palavras o fazem sorrir.

- Vamos embora, Tris Prior.

Saímos com cautela, conferindo se há alguém que possa estar me procurando. Entro no carro dele que é muito confortável e quente. Estamos quase na Primavera, mas ainda está frio. Ele para em um tipo de estabelecimento e compra hambúrgueres. Não sabia o quanto eu estava faminta até dar a primeira mordida. Nunca comi algo tão bom. Tudo agora parece bom. Vou ver Tobias. Como será que ele irá reagir? Será que ele pode ter me perdoado? Esse questionamento me faz sentir um frio na barriga que faz tudo desmoronar dentro de mim. Estava feliz e confiante, mas agora estou preocupada. A minha escolha de entrar no laboratório foi, em parte, altruísta. Porém, levando em consideração as promessas que fiz para Tobias, foi uma escolha totalmente egoísta. Nunca foi minha intenção deixá-lo, mas eu estava totalmente ciente do risco que aquela decisão carregava. Ele conseguiu me perdoar?

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