Sonho destruído

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Ana havia aceitado a proposta de casamento de Ryan há menos de duas horas atrás. O estrangeiro de olhos azuis e sorriso encantador conseguiu lhe tirar da depressão e dar um novo sentido para sua vida, por isso ela não pensou duas vezes antes de dizer sim. Porém, a felicidade em seus olhos deu lugar a um semblante incrédulo com o que ele acabara de lhe dizer.

— Eu sei que parece que eu estou brincando, mas eu precisava te falar antes de te mostrar... eu... não quero que se assuste.

— Eu não me assusto com facilidade. — Disse ela olhando para seu amado com desconfiança.

Ryan se levantou do sofá, retirando a jaqueta e jogando a peça no chão, então ele se virou para Ana e disse: — Não surta, pois eu não vou te fazer mal. — Seus olhos, antes azuis, ficaram vermelhos. Um vermelho-sangue arrepiante. Seu rosto perfeito transfigurou-se num rosto horrendo, com pelos exageradamente grandes, assim como seus dentes e suas mãos, que também cresceram de forma absurda. Suas unhas bem feitas deram lugar a garras afiadas.

Ana conseguiu perceber a familiaridade com um lobo naquela transformação. Mesmo com todo receio do que poderia acontecer, ela se mantinha firme. Apenas fitava Ryan esperando que a demonstração cessasse.

Aos poucos a Fera foi voltando ao normal, tornando-se homem novamente. Ele estava ofegante, se recuperando dessa transformação, que sempre exigia um esforço físico enorme dele. Mas sua condição lhe trazia grandes benefícios, como uma recuperação muito rápida também.

Ana sentou em seu sofá e baixou a cabeça, lágrimas saíram de seus olhos, que ela fechou como se tebtasse lembrar de algo. Então ela olha para Ryan e começa a falar.

— Há oito anos minha vida mudou de ponta cabeça. Eu era advogada e trabalhava como promotora, tinha um caso de assassinato que estava deixando o pessoal do escritório sem saída. A gente sabia quem era o assassino, mas não tinha como provar.

— Espero que essa história seja mais interessante do que o que eu acabei de te mostrar — Disse Ryan tentando descontrair.

— Eu vou chegar lá. — Ana sorriu. — Era sexta-feira e eu ia viajar com meu marido e minha filha para nossa casa em Arraial do Cabo, mas tinha ficado depois do horário e resolvi ir no sábado de manhã.

Aquela informação era completamente nova para o Ryan. Ana nunca comentou sobre outro casamento ou filhos.

— Era por volta de 6 horas da manhã quando eu cheguei. Entrei com o carro e logo percebi que a porta da sala estava aberta, só que o Carlos, meu marido, não acordadava essa hora. — Havia um pesar melancólico, quase que fúnebre na voz de Ana. Lágrimas caíam timidamente dos seus olhos. — Eu lembro do sangue no sofá. Foi a primeira coisa que eu vi antes de perceber meu marido morto no chão da cozinha.

Ryan começava a entender onde Ana queria chegar. — Meu amor...

Ela o interrompeu e pediu que a deixasse falar até o final.

— Eu senti um desespero tão grande quando lembrei que a minha filha Lívia estava no segundo andar. — A mulher fazia pausas para respirar. — Eu subi as escadas muito rápido, mas... não fui tão rápida quanto eu queria. Quando eu cheguei no quarto da minha filha vi uma criatura saindo pela janela. — As lágrimas já não paravam de escorrer pelos seus olhos, foi quando Ana retirou de trás de si uma arma.

Ryan observou o objeto nas mãos de Ana. — Por que a arma? Vai atirar em mim? — Então ele se levantou, porém rapidamente foi atingido na perna. — Ana! — Gritou Ryan pelo nome dela antes de cair no chão.

— Meu nome é Maria Lúcia, meu amor, mas os caçadores me conhecem por Malu.

Ryan sentia sua perna queimar. Era uma dor aguda. Dor essa que balas normais não causavam.

— Caçadores? — Perguntou ele ofegante.

— O lobisomem que matou minha família foi pego quando fugiu pela janela do quarto da minha filha. Eu vi quando eles atiraram na sua cabeça. — Malu se levantou e atirou no braço de Ryan fazendo o homem urrar de dor. Ele já estava no chão e foi rastejando até a parede.

— Ana, por favor. — Ryan já não tinha mais forças.

— Os caçadores depois me mostraram o homem por trás da fera. Era o suspeito que eu investigava... o mesmo que a procuradoria não conseguia provas para acusar.

— Nem todos são maus, Ana.

— É Malu, meu amor. — Ela foi andando para perto de Ryan e abaixou na sua frente. — Quando eu abdiquei da minha vida ganhei uma nova identidade. Ana, como você me conheceu. Mas dentro da organização eu ainda sou Maria Lúcia.

Ryan só via ódio nos olhos da mulher que ele amou por três anos. Ele tentava se transformar, mas a prata misturada ao acônito, poderosa planta venenosa que era fatal para os lobisomens, deixava ele cada vez mais fraco. Sem o tratamento adequado, ele morreria logo.

— Nada do que a gente viveu conta para você? — Perguntou Ryan.

— Eu te amo, mas eu supero. Sabe o que eu não supero, Ryan? Minha menina jogada no chão daquele quarto, seu rosto desfigurado, a perna esquerda dilacerada. Minha filha tinha apenas 6 anos, Ryan. Eu sonho com essa imagem toda noite há 8 anos.

Uma lágrima escorreu pelo rosto de Ryan e antes que o homem pudesse dizer qualquer coisa que a fizesse repensar, ele fosse executado por Mallu com o tiro fatal na cabeça.

A mulher se ajoelhou e chorou copiosamente em frente ao noivo morto. Um misto de emoções tomava conta dela. Ryan levou três meses para quebrar o gelo que Malu construiu em torno de si após a morte de sua família. Sua primeira reação foi buscar junto organização de caçadores indícios de que ele fosse um licantropo, porém não achou nada. Só então ela cedeu aos encantos do homem moreno de olhos azuis que quase todos os dias insistia em lhe pagar um café. Namoraram por três anos, até que Ryan lhe pediu em casamento. E nesse mesmo dia ele havia decidido contar a ela o seu maior segredo. O que Ryan não imaginava é que Malu já conhecia a história dos lobisomens e que, inclusive, ela os caçava.

O celular de Malu tocou tirando a mulher daquele transe. Ela atendeu rapidamente quando viu que era Erica, sua amiga e superiora dentro da organização de caçadores.

— Então, ele fez o pedido? — disse a mulher do outro lado da linha.

— Fez.

— E aí? — Insistiu Erica.

— Eu disse sim. — Respondeu Malu sem emoção na voz, deixando a amiga preocupada.

— Você não está muito alegre para quem vai se casar.

— Não vai haver casamento.

Erica mudou o tom de voz. — O que houve?

— Preciso de uma equipe de limpeza no meu apartamento.

— O que houve, Malu? — Insistiu Érica.

— Ryan era um lobisomem. Eu tive que matar ele.

Alguns segundos de silêncio do outro lado da linha, até que finalmente Erica falou: — Não sai daí. Nós estamos indo.

Malu amou Ryan por três anos, mas nunca pôde esquecer a visão de seu marido e sua filha mortos. E essa visão aterrorizante a perseguia todos os dias, fazendo com que Malu jurasse caçar todos os licantropos e nunca deixar que um deles saísse vivo de sua frente, nem que isso custasse sua própria vida.

Por: Bárbara Coelho

Contos para se enfeitiçar: porque a magia vive em nósOnde histórias criam vida. Descubra agora