Deckér

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Entrei no quarto e ela me encarava em silêncio, parecia estar brava.
  Ela levanta do sofá rápido e batendo os pés e vem até mim com raiva e me da um abraço forte.
–Que isso?
Falei rindo e sem entender o motivo daquilo.
–Ainda quer me ver?Ainda gosta de mim?
  Ela fala me abraçando ainda mais forte.
–O que?Claro.Porque duvidou disso?
   Tadinha, deveria ter vindo ver ela antes.
–Então porque sumiu o dia todo?
  Ela fala se afastando e me dando socos na barriga.
–Ai!Você bate com força.
–Porque não veio aqui nem pra dar um "oi"?É impossível que seu dia tenha sido tão conturbado que não dava nem pra dar um sinal de vida pra mim.
Ela fala isso ainda me socando.E realmente, não foi nada conturbado, eu podia ter ficado o dia todo aqui.
–Você pode parar de me socar?
Ela parou, deu um passo pra trás e me encarou.
–Você não sabe o quão entediante é ficar aqui nessa sala sozinha, o dia todo, sem nada pra fazer.Deckér eu to falando sério, eu vou ficar louca, e se eu ficar louca a culpa é sua.
  Eu ri porque meu Deus como é dramática.
–Qual que é a graça?
–A graça é ver você brava, você franze  sobrancelha de um jeito engraçado.A sua cara de brava em si é engraçada.
  Ela revira os olhos.
–E pare de revirar os olhos.
–Não revirei.
–Revirou.E revira toda hora.Essa sua mania é péssima, Maya.
–Ai Meu Deus.
Ela revira de novo.
–Viu?revirou de novo.
  Falo sentando em uma ponta do sofá.
–Não vai sentar?
Disse, pois ela tava parada no meio da sala com os braços cruzados.
–Não, vou ficar de pé, porque já fiquei o dia todo sentada nesse sofá.
Mereço.
–Ta bom Maya, já entendi você ficou aqui sozinha, no tédio e tá brava comigo porque eu não apareci.Desculpa.Ta bom?Pronto.Agora eu to aqui.
  A Maya ficava o tempo todo olhando pros lados e roendo as unhas.
–O que você tem?
–Nada.
Ela estava com os olhos vermelhos, com certeza antes ela tava chorando.
–Porque você tava chorando?
–Eu?
–É Maya, você.Só tem eu e você nessa sala com quem acha que eu to falando?
–Sério to bem, não tava chorando.
–Hmmm já entendi, tava com saudade mim, mas você é muito durona pra admitir.
Falo rindo.
–Nossa...o tamanho do seu ego Deckér.
  Nessa hora deu um a trovoada, não muito alta mas a Maya tomou um susto enorme.Ela arregalou os olhos e colocou a mão na boca.
–Ta chorando porque tá com medo da tempestade?Maya você tem medo de chuva?
Falo rindo.
–Nã-não claro que não ac-
–Nossa como tu mente mal.
  Eu a interrompo rindo.
–Eu não tenho medo de chuva.É pinguinhos de água caindo do céu...Quem tem medo de chuva?
Você.
–Ai Maya, eu não acredito que você tá chorando por causa que você tem medo de chuva.
Ela revira os olhos e percebe que não conseguiria me enganar e que era mais fácil admitir logo.
–"Medo" eu não tenho "medo", eu tenho pânico, Deckér, pânico.
–Porque?
–Também queria saber.
   Ela falando sentando na outra ponta do sofá.
–Sempre tive medo, mas sempre tive alguém
comigo.Por exemplo em casa, eu odeio a minha mãe, mas quando tinha tempestades eu ia lá deitar na cama dela com ela, e apesar de odiar minha mãe, tinha alguém ali comigo e eu me sentia mais segura.Entrei em pânico aqui porque além de eu ter pavor de tempestades, eu tava sozinha.Por isso me desesperei tanto.
–Mas agora tá tudo bem né?
–Ta sim.
–O que você fez hoje?
–Nada Deckér, literalmente nada.
É eu mereci isso.
–É eu já tinha que ter entendido essa parte.
–E você?
–O meu dia foi muito puxado, fiz muita coisa.
Não sei aonde.
–Tipo?
Tipo nada.
–Tipo...tipo varias coisas....Que isso aqui?
   Falo me esticando e pegando um livro que estava em cima da mesa pra tentar desviar o assunto.
–A você não sabe?Se chama livro, funciona assim, você abre ele, e dentro tem tipo, palavras...E daí você lê as palavras, e com a junção das palavras se torna uma história.É bem legal.
–Caramba Maya, como você é engraçada!
–Vou ser comediante.
–Vai morrer de fome.
  Eu e ela rimos.
–Sabe Deckér...
  Ela fala deitando no sofá e colocando os pés na minha perna.
–Eu sei que é indelicadeza pe-
–Colocar o pé em cima das pessoas?É eu também acho.
  Eu a interrompo.Eu na verdade não me importo mas aproveito qualquer oportunidade pra incomodar ela.
–Sei que é indelicadeza perguntar quanto uma pessoa ganha, ou que vai ganhar, ou quanto tem...Enfim, mas...digamos que você vai roubar muito daqui né?
Pra cacete.
–É...digamos que sim.
–Mais de um milhão?
Só 900 vezes mais.
–É.
–Nossa...hoje eu tava imaginando o que você faria com dinheiro.
–E o que você imaginou?
–Você morando sozinho e triste num chalé do lado de um vinhedo na Noruega.
Ela não tá errada.
–É...Eu com certeza faria isso.
–Mas o que você vai fazer?
–Ir morar em algum lugar frio e tranquilo...Provavelmente em um chalé, e do lado do meu vinhedo porque eu compraria um.
–Nossa cara você é um tédio mesmo.
–Por que?O que você faria se ganhasse muito dinheiro.
–Eu pesquisaria "Praias mais bonitas do mundo" no google e iria pra cada uma delas.
–Gosta muito de praias?
–Não sei nunca fui.
–Nunca foi a praia?
–Não.
–Sério?
–Eu também teria um cachorro, sempre quis ter um.E também eu compraria uma guitarra autografada pelo Axl Rose.
–Sabe tocar guitarra?
–Não.Como como vou aprender a tocar guitarra sem uma guitarra?Eu quero uma pra aprender.
–Maya, acha que a sua mãe está muito preocupada com você?
–Acho que ela nem percebeu que eu não to em casa.
Dei risada.
–Não Maya...To falando sério.
–Eu também.
Rimos.
–Então ela não vai notar quando a gente for visitar as praias do Havaí...
–Você vai me levar?
–Claro.Você não falou que eu seria "sozinho e triste" na Noruega?Então vou ser triste com companhia no Havaí.
–Por que você vai ser triste?
–Você que falou que eu seria triste.
–Eu acho que você precisa de mim.
–Eu preciso de você?E por que?
  Falo rindo.
–Porque sozinho, você é triste.Eu sou uma boa companhia.
É verdade.A Maya deixa as coisas divertidas.
–Tem razão.Eu vou viajar o mundo, conhecer cada canto.Vai comigo?
–Vamos la...
  Eu realmente queria que ela fosse comigo, pra ela sair da casa dela que é um verdadeiro inferno.
–Mas é sério Maya, você tem que sair daquela casa.Vou te tirar de lá.
–Acho que a gente deveria ir pra México.
Tanto lugar no mundo pra ir...
–Mexico não rola.
–É eu sei.
–Como assim você sabe?
–Você é procurado lá não é?
–Sou.Como sabia?
–Sou boa em palpites.
–Outro lugar para irmos?
Perguntei.
–Eu não sei, Portugal?
Não.
–Hmm...
–Cê é procurado lá também?
  Então...Sim.
–Ta então...vamos pra lugares quentes.
–Odeio lugares quentes.
–Você odeia tudo.
–Alemanha?
–É até pode ser mas nada mais que 3 semanas na alemanha.
–Eu queria ir pra lá pra morar.
–O que?Não.La tenho certeza que e lindo e tudo mais, porém não tem nada de muito interessante pra fazer.
–A gente pode ir pr-
Ela interrompe.
–JÁ SEI!França!Sempre quis conhecer lá.
–É...até poder ser, mas eu ainda voto na alemanha.
–Você é um chato.
–Ei, olha aquilo ali.
  Tinha um globo na estante de livros.
–Pronto.Ja sei como vamos escolher pra que lugar vamos primeiro.
  Levantei, peguei o globo e sentei no sofá de novo.
–Vai senta.
  Ela levanta com uma cara de confusa.
–Agora fecha o olho.
–Porque?
–Fecha Maya.
–Ta bom...
  Ela fala fechando os olhos.
Eu começo a girar o globo.
–Agora me da a sua mão.
   Ela estende a mão e eu seguro o dedo indicador dela.
–Coloca esse dedo no globo que tá na sua frente.
Ela coloca o dedo no globo que estava girando mas assim que ela coloca vai parando devagar.O dedo dela parou bem na "Alemanha" no globo, mas eu girei um pouquinho o globo pra que caísse na "França" pra ela ficar um pouquinho mais feliz.
–Nossa, é o destino!
   Finjo surpresa.
   Ela abre os olhos e lê o globo.
–Ha!Vamos para França!
Ela fala contente.
–Isso aí.Vamos para França.
  Peguei o globo e coloquei em cima da mesa na nossa frente.
–Você tem medo de que?
   Perder pessoas que eu amo.
–Nada.
–Nossa, Rambo.
–É sério não tenha nada que eu tenha pavor.
–Morte?
–Não...quando chega a hora não tem o que fazer, e eu já vivi e fiz muita coisa na minha vida, se eu morresse agora, estaria satisfeito.
–Nossa imagina eu, por exemplo.Morrer daqui um mês, que merda.Não fiz nada na minha vida, não sei andar de bicicleta, não fui à escola, não me apaixonei, nunca fui à praia...Sério eu nunca fiz nem o básico que qualquer pessoas comum já fez, imagina algo extraordinário.
Estou levemente surpreso, que realmente ela nunca tinha feito nem o básico.
–Você nunca foi pra escola?
Ela era muito inteligente pra nunca ter ido à escola.
–Não...
–Não sabe andar de bicicleta?!
–Não, Deckér.
–Caramba, a gente tem muita coisa pra fazer quando sairmos daqui.
–Você não tem medo de sei lá, ser pego?E ir pra prisão?
–Não...porque eu ganharia pena de morte se eu fosse pego, e como eu já falei não tenho medo de morrer.
–Você ganharia pena de morte?
–Bem provavelmente.
–Porque?
–Cometi muito crimes...matei muita gente.
–Muita gente?
Você nem imagina quantas.
–Muita.
–Tipo quantas?
–Não sei...Mais de 35.
Bem mais.
–Você já matou mais de 35 pessoas?35 pessoas?!
Muito mais.
–É.
–Mas porque você quis matar ou...
–Porque eu precisava matar ou porque me pagavam pra matar.
–Teve alguém que você não quis matar mas precisou?
–Não.
–Seu coração é tipo concreto né Deckér?
–É que pra mim quase todas as pessoas que eu matei são iguais, porque eu não mato crianças nem mulheres.
–E porque não?
–Não sei...princípios?
–Você acha que é uma pessoa ruim?
–Acho.
–Olha, eu não acho.
Pra alguém eu não era ruim...Isso é bom.
–Que bom que não.Acho que você deveria ir dormir ta muito tarde.
–Mas eu to muito elétrica.
–É mas eu não, vai dormir.
–Que coisa Deckér.
Ela diz revirando os olhos.
–Boa noite Maya, e para de revirar os olhos.
Falo levantando do sofá e arrumando meu saco de dormir.Ela já tinha se ajeitado no sofá, estava com a coberta e de olhos fechados já.
Deitei e fiquei olhando pro teto até dormir, o que nos demorou muito já que eu estava muito cansado.
No meio da noite eu acordo com alguém me cutucando.
–Deckér....Ei, acorda.
Era a Maya falando baixinho.
–Acorda Deckér.
–Hmmmm, o que?Que foi?O que você quer?
Falo ainda sonolento com os olhos fechados.
–To com medo...
–De que?
–A tempestade tá horrível.
–Maya deita lá, fecha o olho que você dorme.
–Nossa você é um gênio, como que eu não tinha pensando nisso antes?
  Ela fala baixo num tom de deboche.
–Maya...
–Vamos conversar, antes isso ajudou.
–Maya pelo amor de Deus, vai deitar.
Falo ainda com os olhos fechados.
  Ela bufa.
–Para de revirar os olhos.
–Você tá de olho fechado, como que você viu?
Escuto ela levantar indo em direção ao sofá e voltando pra perto de mim.Então abro levemente os olhos pra ver o que ela estava fazendo.Ela pegou o travesseiro e a coberta e colocou no chão do meu lado e deitou.
Fechei os olhos novamente porque não tava aguentando eles abertos.
–Você já se apaixonou?
  Ela perguntou.
–Maya quer dormir aqui do meu lado?Durma. Quer ficar acordada a noite toda?Fique!Não ligo, Mas pelo amor de Deus, para de falar, eu te imploro pra você ficar quieta.
Ela fez silêncio por exatos 10 segundos.
–Será que eu vou me apaixonar algum dia?
–Ta olha só, vamos jogar um jogo tá?
–Lá vem...
–Não, é sério.É assim, você vai fechar os olhos e imaginar um cenário, uma praia por exemplo, e vai imaginar algo improvável pra estar em praia...Tipo...Sei lá...Um iglu.E eu tenho que fazer perguntas sobre o local e sobre o objeto até acertar.
Acabei de inventar isso.
–Legal!Adorei.
–Pode começar vai lá. fecha os olhos e imagina.
Ela demorou um pouco pra pensar.
–Ta...Já pensei.
–Não...Maya...Você tem que pensar em todos os detalhes, por exemplo, se tiver gente no seu local você tem que pensar em todas as pessoas, qual a cor de cabelo de cada uma, quais roupas estão usando, tudo, cada detalhe.
–Ta bom.
–Fecha os olhos e imagina...
–Ta.
Ela fechou os olhos e não abriu antes de amanhecer.Sim, eu sou genial.
  Eu acordei com alguém batendo na porta.Levantei coçando os olhos e pegando a chave que estava comigo e destrancando a porta.
–Bom dia.
  Era a Tess com duas refeições na mão.
–Oi Tess.
  Falo sonolento porque era bem cedo.
–Aqui ó.
  Ela fala me entregando a comida.
–Brigado.Vou ficar aqui hoje tá?
–Mudou de ideia é?
–Tchau, Tess.
  Falo fechando a porta e escuto ela rindo.
   Eu ainda tava com muito sono pra acordar de vez e comer então voltei a dormir.
  Estava em um sono muito bom até que...
–Caramba acorda!
  Diz a Maya forçando as duas mãos nos meu ombro.
–Mas que inferno hein Maya.
  Falo esfregando os olhos.
–Você não acorda nunca!
–E você não para quieta.
–Sério você parece que tava morto, eu quase berrei no seu ouvido.
  Me levanto, sentando, e olho pro relógio, era 8:15.
–8:15 Maya?8:15?Você quer que eu levante 8:15 pra fazer o que?Hein?Caramba Maya vai dormir.
Falo deitando de novo e me cobrindo. Maya sentou do meu lado e começar a bater o pé de leve.
–Maya quer parar?
–Deckér...
  Ela diz deitando do meu lado.
–Porque você não vai comer?
  Eu ainda estava com os olhos fechados.
–Já comi.
–Come a minha comida também, vai lá vai.
–To cheia.
–Ta bom Maya, então só cala a boquinha por favor.
–Meu Deus de manhã você é mais ranzinza que o normal.
–Maya some daqui...
  Falo colocando o travesseiro na minha cara.
–Ontem eu tav-
–Não ligo.Sai.
–pensando em qu-
–Eu também to pensando em te dar um soquinho, pra te deixar desacordada por umas 5 horas.
–Porque você não destranca essa porta e eu vou lá em baixo dar um rolê e você fica aqui dormindo, em silêncio, de boas.
–Ou também você pode calar a droga da boca.
–Porque hoje você tá tão mal humorado?
–Porque eu odeio que me acordem, porque eu odeio quando eu quero dormir e alguém do meu não cala boca, porque voc-
–Ta bom, já entendi.
–Parece que não, tá falando ainda.
–Pra sua informação eu que deveria estar reclamando de você, porque você ronca, mas eu não reclamado porque eu sei que você não tem controle disso.
–Primeiro, quem veio dormir aqui do meu lado foi você, porque você quis.E segundo sim eu não tenho controle sobre isso mas você tem sobre a sua boca.
–Deckér sabe...
–Meu Deus do céu.Ta chega, levantei tá bom Maya?Ta feliz?Satisfeita?
  Falo sentando e abrindo os olhos depressa.Ela que estava deitada senta também.
–Eu venci.
–É venceu.Quer o que?Um troféu?
–Sim...banhado a ouro.
–Eu tav-
–Não!Você vai ser milionário, eu não quero banhado a ouro, eu quero feito de ouro com alguns detalhes em cristais e diamantes.
Ela fica de pé.
–Vai levanta logo.
–Que chata meu Deus.
Falo levantando.
–Você já se apaixonou?
Ela fala sentando em cima da mesa.
–Desce daí Maya.
–Para de fugir do assunto.
Ela fala descendo da mesa.
–Alguém já ganhou esse coração que é puro gelo e rochas?
Vou em direção ao banheiro, fecho a porta e ela fica atrás dela falando.
–Porque você não quer falar?Ela morreu?
Abri a porta e me virei pra pia para escovar os dentes.Ela entrou e sentou na tampa do vaso.
–Ela morreu de uma forma trágica por isso não quer falar?
Escovava os dentes fingindo que não estava ouvindo ela.
–Foi atropelada?
  Ela fala subindo e sentando na bancada da pia.
–Maya para de subir nas coisas, parece um macaco.
Falo secando o rosto e a mão na toalha, saindo do banheiro e ela me seguindo.
–Você matou ela?Ah não esqueci que você não mata nem mulheres nem crianças.
–Arruma sua coberta vai.
–Porque que você tá fugindo desse assunto?
–Que assunto?
  Falo arrumando minhas cobertas.
–Você já se apaixonou?!
  Fico em silêncio dobrando as cobertas.
  Ela bufa.
–Para de revirar os olhos...
–Como que você sabe?Você ta de costas!Tem o que?Um olho na nuca?
  Acabei dobrando a minha coberta e a dela e sentei no sofá pra comer o café da manhã.
  Ela sentou em cima da mesa na minha frente.
–Maya des-
–Não!Não vou descer, você não fala comigo eu não te obedeço.
–Já Maya, já me apaixonei.Feliz agora?
–Eu quero mais informações.
–E eu quero comer em paz.
–Como ela era?
Ela fala descendo da mesa e sentando do meu lado.
  Largo o prato em cima da mesa porque ela não ia parar até conseguir o que ela queria.
–Foi a muitos e muitos anos atrás.
–Se apaixonou uma vez só?
–Sim, só uma única vez.
–E como ela era?
–O nome dela era Erica el-
–Deckér e Erica?Nossa combina hein.
–A gente se conheceu no cinema.
–Tava passando o que?
–Amargo regresso.
–Que droga de título.
–Eu fui na última semana de cartaz do filme.Eu peguei na sessão da meia noite, e o filme tinha duração de quase 3 horas, então acabaria mais ou menos 3 da manhã.E como acabaria muito tarde e estava na última semana de cartaz tinha quase ninguém na sala do cinema.Eu e a Erica entramos na sala do cinema literalmente no mesmo instante.E os nossos lugares eram quase juntos, apenas duas cadeiras "separavam" a gente.No final do filme ela começou a chorar.E eu perguntei pra ela se estava tudo bem, mas ela chorava muito por conta do filme e eu dei um lenço a ela que estava no meu casaco.
–Ownnn, que cavalheiro.
–Ela agradeceu, e daí eu e ela voltamos a ver o filme e não trocamos mais nenhuma palavra.No final do filme não nos falamos saímos da sala de cinema, um pra cada lado.Fui comprar uma água, e estava concentrado olhando pra minha carteira, pegando o dinheiro da água, acabei esbarrando na Erica que estava com uma pipoca e derrubei toda a pipoca dela.Eu pedi desculpa e pedi pra ela ir comigo pra eu comprar outra.Comprei a pipoca pra ela e começamos a conversar, assuntos tipo "o que achou do filme?" fomos andando juntos até a saída.Me despedi dela, e no momento que ela me deu um abraço senti que ela roubou a minha carteira, mas foi de um jeito muito sútil, ela era experiente.Quando ela ela se virou pra ir embora eu roubei o colar dela, queria ver se ela iria perceber.E no instante que eu roubei ela percebeu.
–Ela te xingou?
–Não mesmo, ela riu e me devolveu a carteira, ela percebeu que eu era como ela.
–E aí?
–E aí namoramos, cometemos inúmeros crimes juntos, matamos umas pessoinhas...
–ESTILO BONNIE E CLYDE!
–Isso aí, no estilo Bonnie e Clyde.
–Nossa que incrível.
–Nos casamos em uma capelinha em Nova Orleans foi só a gente mas foi lindo.Um dia vou te levar lá também, não é um lugar que eu goste muito porque é muito agitado e barulhento, tem musicas a todo canto.Eu realmente não gosto, mas vou te levar lá porque você vai amar.
–Sim!Agora quero muito conhecer Nova Orleans,Mas como que você foi parar lá hein?Já que essa cidade é o oposto do estilo de lugares que você gosta.
–A Erica.O que a gente não faz por amor...Ela iria te adorar sabia?E você iria adorar ela.
–Tenho certeza que sim.
–Enfim, roubamos tantos lugares, tantas coisas, e fechamos a nossa vida de crimes em grande estilo, o nosso último roubo foi o museu do Louvre.
–Por que foi o último de vocês?
–Bom, foi o último mas a gente não sabia que seria o último.
–Como assim?
–A gente não tava planejando em parar, nem perto disso na verdade, a gente queria fazer isso até o último dia das nossas vidas.Mas voltamos pra casa e-
–Onde vocês moravam?
–Revello.
–Onde isso?
–É um lugarzinho bem calmo e com pouquíssimos habitantes, uma comuna na Itália.
–Meu Deus ela realmente te amava, porque tenho certeza que ela não escolheria um lugar desse pra morar.
–Voltamos pra casa e eu gostava de caminhar todo final de tarde, às vezes com a Erica ia comigo, às vezes não.Eu sempre ficava 1/2 horas caminhando, sentado em algum lugar e lendo, tomando um café.
–Cara você é velho desde o dia que você nasceu.
–Nesse dia acabou chovendo e eu voltei mais cedo pra casa.E peguei a Erica na cama com o meu melhor amigo.
–A não...
–Eu não conseguia entender aquilo que estava acontecendo, nossa vida era ótima, éramos felizes, não brigávamos, não discutíamos nunca, viajamos o mundo, o nosso amor era de cinema.
–O que você fez?
–Peguei ele, amarrei e torturei ele até a morte ali mesmo.
–A Deckér...Você a matou?
–Não Maya, nem mulheres nem crianças.
–Você a torturou então?
–Não, claro que não, nunca machucaria uma mulher, ainda mais ela, que era a pessoa que eu mais amava no mundo inteiro.Não conseguiria encostar um dedo sequer nela.
–Mas o que aconteceu?
–Eu não toquei nela mas eu acho que eu nunca gritei tanto com alguém na vida igual eu gritei aquele dia, joguei todas as roupas dela no meio na rua, que estava em pura lama, já que estava chovendo e a rua era de barro.Ela chorava muito e implorava meu perdão.Coloquei ela pra fora de casa e ela estava sem roupa nenhuma no meio da rua, e todas as roupas delas estavam ali do lado dela no chão, mas encharcadas e sujas.Ela ficou à noite toda do lado de fora sentada na porta pedindo desculpa.
–Ela tava pelada ainda?
–Tava.Ficou à noite inteira sem roupa sentada na minha porta.Na manhã seguinte encontrei com ela na porta de casa e de novo ela chorava implorado perdão, mas eu tinha arrumando todas as minhas malas e fui embora dali.
–A que droga Deckér...Sinto muito.
–É...
–Se arrepende?
–Não sei, às vezes sim, mas quando paro pra pensar, não.
–Sente falta dela?
–Sempre.Ela era o amor da minha vida.Eu nunca mais vou viver com mais ninguém o que eu vivi com ela.
–Tenho certeza que ela também não...E do seu melhor amigo?Se arrepende de ter feito aquilo?
–Não mesmo.
–E Deckér, como ela era?
–Ela é a mulher mais linda do mundo.Ela era muito alta, m-
–Mais que você?
–A claro que não, mas ela era muito alta.
–Você tem quanto de altura?
–1,91
–Cacete Deckér.E ela?
–Ela tinha 1,80 mais ou menos.
–Nossa senhora, imagina se vcs tivessem tido um filho?Ia nascer uma árvore.
–O cabelo dela era longo e um castanho bem claro, quase loiro, os olhos dela era exatamente da cor dos seus, um verde que não é nem escuro nem claro, é um verde que só você e ela tem nos olhos.As bochechas dela sempre estavam muito rosadas, ela tinha covinhas, ela também nunca usava maquiagem, mas era doida por batom vermelho e amava qualquer oportunidade pra poder usar.Ela era o meu oposto, ela amava dançar, pintar quadros, era animada, alegre, muito falante e gostava de tudo e de todos.
–Nossa, literalmente o seu oposto.
–Ela foi a pessoa mais extraordinária que eu já conheci na vida.
–Que lindo Deckér...Será que alguém vai falar assim de mim algum dia?Tipo, será que algum dia alguém vai me amar de um jeito que não posso nem imaginar?
–Claro que sim.
  Eu e a Maya passamos a tarde rindo e conversando, enfim...Eu a Maya cochilamos umas 16:00 e acordamos as 20:00 mais ou menos com alguém batendo na porta, provavelmente era a Tess com o jantar.Estava chovendo de novo, com raios e trovões, a Maya já estava roendo as unhas e olhando pros lados.
–Maya, calma...
  Falo levantando pra atender a porta.
–Calma o que?To bem, você tá aqui né?Então tá tudo bem, tá tudo ótimo, tá tu-
–Você sempre fala tanto assim ou só quando acaba acordar?
  Falo destrancado a porta.
–Oi Tess.
–Oi Deckér, aqui o jantar.
  Ela fala entregando o jantar.
–Oi Tess.
  Diz a Maya.
–Oi Maya.
–Deckér...
  A Tess fala baixinho.
–O Ray quer qu-
–Deixa que eu assumo daqui Tess, pode descer pra terminar o seu trabalho.
  Diz Ray vindo em direção a gente.
–Oi, quer que eu faça o que?
–Quero que você fique de olho nas coisas lá em baixo no meu lugar essa noite pra eu poder dormir um pouco.
–Agora?
–É.
  Eu não queria deixar a Maya sozinha agora na tempestade.
–Você se importa em dormir aqui essa noite?
–Porque?
–Você se importa ou não?
  Ele demorou pra responder.
–Não...
–Maya, essa a noite eu vou ficar lá em baixo fazendo uns trabalhos mas esse é o Ray, ele vai ficar aqui com você.
–Oi Maya, prazer.
–Oi, prazer.
Ela falou num tom baixo, meio tímida, parecia estar desconfortável, porque a Maya não fala daquele jeito.
–Você vai ficar bem?
Perguntei pra ela.
–Claro.
–Então tchau pra vocês dois.
Sai trancando a porta e indo em direção ao primeiro andar.Eu não ficava 100% confortável em deixar a Maya com o Ray, ele não gosta de crianças e já falou em matar ela varias vezes.Tomara que a Maya não seja...A Maya com ele.

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