Maya

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  Quando ele saiu não sei o que me deu, comecei a chorar desesperadamente, ficava mexendo nos meus anéis dos dedos, e apertando a minha unha forte na mão até ficar marcada.Deitei no sofá e me encolhi porque eu estava com muito frio, e chorei, chorei muito até dormir.
  Acordei com um cheiro de comida muito bom.
Abri os olhos lentamente e o Deckér estava sentado na minha frente comendo.
Então esfregando os olhos falei.
–Cacete que cheiro bom.
–Aqui ó, o seu jantar.
  Ele falou me entregando uma refeição.Juro eu tava com tanta fome que eu comi tão rápido e com tanta vontade que parecia que eu tinha pegado pena de morte.
–Calma garota, a comida não vai escapar.
–Eu não como nada tem 3 dias cara, eu tô morrendo de fome.
Ele arqueou as sobrancelhas.
–E porque?
–Porque quando você não tem comida, não da para comer.
–E porque você não tinha comida?
–Porque a minha mãe pegou todo o dinheiro que eu tinha conseguido e que estava guardado, então obviamente sem dinheiro não tenho como comprar comida.Ou também porque ela acha mais importante comprar uma garrafa de vodka e cocaína ou invés de comida.
  Como eu adoro ter oportunidade para falar mal da minha mãe.
–Sua mãe é desempregada?
  Quem dera.
–É prostituta.E das burras ainda, que transa com o cara e pede pra pagar depois do sexo, então ela da pros clientes à noite toda, na nossa casa, ela acaba pegando no sono e eles fogem de manhã bem cedo sem pagar.
Quando me dei conta a minha comida tinha acabado, e não era pouca comida, mas cara, durou 2 minutos eu ainda tava morrendo de fome.
–Toma.
   Ele falou me entregando a refeição dele.
–O que?
–Toma aqui.
  Ele insiste.
–Não, eu não quero que você sinta pena de mim.
  Era só o que me faltava mesmo, óbvio que eu queria aquela comida, mas não queria por pena.Não tenho uma doença terminal pra que tenham pena de mim, só tive azar na parte familiar.
–Eu não to com pena, eu to cheio.Eu comi dois sanduíches tem 2 horas.
  Era mentira.Claramente.
–Então eu estou te oferendo, não por pena, mas porque se você não comer eu também não vou e isso vai pro lixo.Eu não to com pena de você Maya.
  Bom como eu tava com muita fome eu fingi que acreditei nessa mentira besta e peguei a comida.
–Tabom...já que você não vai comer eu quero.
–Pode pegar.
–Porque você não era pra estar aqui.
Que?Esse cara é louco só pode, ele fala umas coisas do nada que...Deus do céu.
–Nossa mas você também?Mas eu sei já, minha mãe faz questão de me lembrar todos os dias.
  E é claro que eu aproveitei pra fazer piadas de como a minha vida é uma droga.
–Sabe?"Maya você foi um erro", "Não era pra você existir" só essas coisas que faz você se amar a cada dia.
–Você perguntou o porquê de você estar aqui em cima separada de todo mundo.Esse é o motivo, porque Maya, todas as pessoas que estão aqui agora, literalmente todas, a gente sabia que ia estar aqui, sendo funcionários ou clientes, a gente vem planejando esse assalto a muitos anos, o que você tem de vida a gente tem de anos planejando esse assalto.Então a gente estudou todas as pessoas que estão aqui.Mas você foi um imprevisto, e piorou mais ainda que você é uma criança.
–Eu não sou uma criança.
Eu interrompo.
–É sim.E sobre antes...Não foi aquilo que eu quis dizer, talvez eu tenha sido um pouco grosso com você.Não foi a intenção.
Acho que aparentemente é assim que se fala "desculpa" no mundo dele.
–"Um pouco grosso" ta bom então kk, coitadas das pessoas que te viram sendo muito grosso.
–Porque veio aqui hein?Não vejo muita coisa pra uma menina de 14 anos fazer num banco.
–Tava frio hoje...
–Sim...e...?O que isso tem a ver?
–Fugi de casa.
–Nossa como eu odeio dramas de adolescentes...
Cara como eu odeio gente velha.Acham que tudo é drama.
–Vocês acham que é o fim do mundo porque a mamãe não deixou pintar o cabelo de verde, surtam, fogem de casa...Você, caramba Maya você aparentava ser inteligente, você prefere estar aqui no frio sendo refém de um assalto do que estar em casa?Sério?
  Meu Deus.Eu tenho cara de que foge de casa porque a mãe não deixou pintar o cabelo de verde?Não!Melhor, eu tenho cara de quer pintar o cabelo de verde, sério?Qual o problema desse cara comigo?
–É.Sério.Sim Deckér, prefiro estar aqui do que estar na minha casa onde era o lugar que abusavam de mim sexualmente toda semana.Eu fico feliz que você tenha tido os problema de um adolescente normal, tipo "Que saco minha mãe não deixa eu botar um piercing, quero morrerrrr" Porque meu sonho era passar por esse tipo de problema.Meu sonho era ter uma mãe que se importasse e não deixasse eu pintar meu cabelo de verde, porque a minha mãe...Eu posso chegar em casa grávida, de cabeça raspada, com um golfinho tatuado na cara, e dois piercing no peito que ela não vai se importar.Então Deckér desculpa se a minha solução dos meus "dramas de adolescente" não foram inteligentes pra você.Não foram boas pra mim também.
E eu não sei que diabos deu em mim que eu comecei a chorar, de novo, sério, eu nunca choro, ainda mais na frente dos outros, eu me controlo.
–Lógico Deckér que eu preferia estar em casa com a minha família, tomando um chocolate quente em baixo das cobertas e vendo um filme.É claro que eu queria, mas eu não tenho isso.O que eu tenho é um pai que sabe lá Deus onde está.Uma mãe alcoólatra, drogada e prostituta, que leva os clientes pra nossa casa, que transam com ela, e que acordam no meio da noite, vão no meu quarto e abusam de mim.Deckér caramba, em uma hora você cuidou mais de mim do que a minha mãe, você viu que eu tava com frio e trouxe uma coberta, trouxe comida pra mim...e porra, você é um
assaltante que tá me fazendo de refém!Eu só-
CACETE!!Eu não parava de chorar, na verdade eu comecei a chorar muito mais.
–Maya...eu-Eu sinto muito.
–Me-me desculpa eu me exaltei.Como que você ia saber né...
–Vem cá.
Ele me puxou pra me dar um abraço, e daí fudeu, faz bons anos que eu não ganho um abraço...Então me desesperei a chorar ainda mais.Que saco.
–Calma garota, vai ficar tudo bem.
–Deckér ela sabe, ela já viu acontecendo varias vezes e nunca fez nada.Eu já tentei me matar 4 vezes, e 3 das vezes ela me viu indo fazer e não falou nada, não impediu, nã-Meu Deus ela é minha mãe!
–A garotinha...
Ele falou me abraçando um pouco mais forte, e aquilo foi me acalmando.
–Não fala pra ninguém que me viu desse jeito.Venho criando uma reputação de durona a anos.
  Eu faço muita "piada" pra disfarçar os meus problemas né?Enfim, eu falei isso limpando as lágrimas e saindo do abraço.
–Vou usar isso como chantagem.
–Babaca.
Ele conseguiu me deixar bem num momento tão horrível.
–Eu não posso imaginar do que é passar por isso.Maya eu sinto muito mesmo.Eu não consigo imaginar o seu desespero.Mas eu prometo, vai ficar tudo bem.
–Obrigada Deckér mas eu e você sabemos que não vai.
  Ter esperança é uma coisa, mas isso era tipo acreditar que os judeus nos holocaustos entravam na câmara de gás pra tomar banho.
–Vai sim.E Maya, você nunca tentou ir na polícia?
  Ok ele tava tentando ajudar mas ele tava subestimando a minha inteligência.
–Claro que já, mas a minha mãe aquela desgraçada me coloca como loca, fala que eu to em tratamento psiquiátrico, mostra os cortes que eu fiz no meu pulso pra me matar como "defesa" falando que eu não tava nada bem, que eu tentei tirar minha vida varias vezes, por isso o tratamento psiquiátrico, que eu não falava nada com nada.E daí eu tentava falar o meu nome a rua em que a gente morava, e daí ela usava isso contra também tipo "tá vendo policial?O nome dela nem é Maya, me desculpa por tomar o tempo de vocês, ela está totalmente fora de si."E então eu desisti.
–E você não tem outros parece pra quem você possa morar?Pai?Tios?Avós?
  Sim Deckér tenho, é por isso que eu tava num banco pra me esquentar no frio.
–Minha mãe nunca falou da mãe dela, não sei nem se tão vivos, se sabem da minha existência...E meu pai...Ele me abandonou...Eu o amava muito, e acho que ele foi a única pessoa no mundo que me amou.Eu morava com ele, fazíamos tudo juntos.Um dia ele me levou na casa da minha mãe, e me deixou lá e nunca mais voltou.
Termino de comer, e coloco o pote na mesa e sento no sofá.
–Eu sei que não foi e não é fácil pra você, mas eu pode te afirmar que não foi e também não é fácil pro seu pai também.Por experiência própria.
–Experiência própria?Como assim?
Falei confusa.
  Ele da um suspiro fundo e diz:
–Eu tenho uma filha.
Por essa eu não esperava.
–O nome dela é Hannah.
Ele pareceu ficar triste falando.
–E onde a Hannah tá agora?
–Eu não sei, com a mãe dela eu acho, penso nela todo dia, só queria ver como ela está agora, como é a personalidade dela.Você me lembra ela sabia?Hannah era brava e feliz, era doce e fofa mas o ser mais teimoso que eu já vi.Assim como você.
–E porque você não tenta achar a Hannah?
–Faço isso todo dia Maya, mas quando eu me separei dela ela tinha 4 anos, hoje ela deve ter a sua idade.E eu tento todos os dias procurar por ela mas ela pode nem morar mais nessa cidade, ou nesse país.
–Sinto muito Deckér.
–Nós também éramos muito próximos porque a mãe dela, nos conhecemos em uma noite, em um bar, conversamos por 3 minutos e...
Era engraçado ele evitando falar de sexo.
–E vocês transaram.É só uma palavra Deckér.
–Eu sei mas você é uma criança.
–Tenho 14 anos pelo amor de Deus não sou uma lesada que não sabe o que é sexo.
–Bom, e daí aconteceu, só que não foi nada demais, eu não sabia nem o nome dela.
–Deckér seu galinha.
Falei sorrindo ele riu.
–O que eu quero dizer que não rolou nada, nem pegamos o número um do outro.
–Sexo casual, sim entendi.
–E meses depois ela consegue meu número, não tenho nem ideia como, mas ela conseguiu e manda uma mensagem falando que tá grávida.
–Nossa.
Falei rindo.
–Deckér poxa, camisinha é de graça cara.
–Ela falou que tava tomando pílula.
–Nossa Deckér, você tem mais de 30 anos cara, já é bem vivido, devia saber "pode ir relaxa, tô tomando pílula" é a frase mais mentirosa que existe.
–Maya você já transou?
Ele fala num tom de esporro.
–O que?Claro que não, tenho 14 anos.
–Eu nã-
–Cê tá achando que eu sou o que?
–Tá descul-
–Uma vadia?Decker sério?
–Tá, calma, desculpa.
–Volta pra sua historinha.
–Bom daí ela falou que tava grávida, eu falei que não podia ser de mim, e daí ela falou que ela foi no medico e que tava grávida de 4 meses e ela disse que nesse período de tempo só tinha transado comigo.
–No que tu foi se meter hein cara?
Falo deitando no sofá e me cobrindo até o pescoço.
–Pois é.Nos encontramos e ela falou que não queria nada de mim, só queria me avisar porque eu tinha o direito de saber, e que ela não poderia abortar porque depois dos 3 ou 4 meses de gestação por lei não era mais permitido abortar.Mas que ela iria dar pra a adoção.E eu concordei, mas fiquei ao lado dela a gestação dela toda, não como um casal, mas moramos juntos e-
  Eu interrompo.
–Hmmm "não como um casal" moraram juntos e não tiveram umas recaidinhas?
Falei sorrindo.
–Isso não é relevante.
Eu ri.
–Mas ela odiava estar grávida, ficava falando pra criança morrer ali dentro da barriga dela logo.
–Credo.
–E chegou o dia do parto, a Hannah nasceu e a Tiffany começou a assinar os papéis para bota-la para adoção, ela nem olhou pra cara da Hannah, não quis pegar ela no colo nem nada.Eu entendo que ela não queria ela mas qual é, era filha dela, saiu dela.E daí veio uma enfermeira perguntando se eu queria segurar, eu falei que sim e peguei a Hannah no colo, quando eu segurei ela parecia que eu tinha apertado um botão que tinha como função tornar aquela pessoinha tão pequena a coisa mais importante da minha vida, a coisa que eu mais amava no mundo todo.E nesse momento, com a Hannah no colo eu falei que a Tiffany não poderia dar ela pra adoção.E ela falou que a Hannah tinha sido a pior coisa que tinha acontecido na vida dela, e que ela queria se livrar dela o mais rápido o possível.
–Cara essa mulher é um monstro.
Falei assustada.
–Você nem imagina.E daí falei que até poderia ter sido um erro pra ela mas não foi pra mim é falei que eu ia criar a Hannah, e fui meio inconsequente nessa decisão.
–Ué mas porque?Era a sua filha, era o que você tinha que fazer.
–Sim eu sei, mas eu não queria ficar com a Hannah se eu não pudesse dar uma vida boa pra ela, eu não queria que tirassem ela de mim de jeito nenhum.Mas só pra você ter noção na época eu já era muito procurado em 3 países.Como eu criaria ela desse jeito?
–Nossa, agora você é procurado em quantos?
–5.
–Cara...
  Falei impressionada e dei uma risadinha.
–Mas então eu fiquei com a Hannah, e a Tiffany eu falava por mensagem 3 vezes no ano pra dizer "Feliz Natal" "Feliz ano novo" e "Feliz dia de ação de graças" e a época que eu fiquei com a Hannah foi a melhor da minha vida.Ela era tão esperta e engraçada.Eu criei ela por 4 anos, porque era nessa época que estávamos planejando esse roubo, e Ray insistia que não eu tava focado o suficiente e que a Hannah tomava demais o meu tempo, eu eu sabia que era verdade.
–Ta Deckér entendi onde isso vai dar, você abandonou a sua filha que era pessoa que você mais amava, a sua filha que era um ser inocente e inofensivo que não tinha controle algum sobre essa situação, por causa de um roubo estupido?É isso mesmo?
–É complicado Maya, meu pai que planejou esse roubo, era muito importante pra ele porque ele começou e nunca terminou, e antes dele morrer escreveu uma carta pra mim e para o Ray nos orientando a executar esse roubo.Por honra ao nome dele.
–Desculpa mas não me convenceu, com quem que você deixou a Hannah?
–Com a Tiffany.
–O que?!Deckér você deixou a sua filha com a pessoa que mais odeia ela no mundo?Cara qual é o seu problema, você tem noção o quando ela deve ter sofrido e co-
–Eu sei Maya!
  Ele interrompe com os olhos cheio de lágrimas.
–Claro que eu sei, como eu falei, eu penso nela a cada segundo.Me arrependo dessa decisão todos os dias, tanto que uma semana depois que eu a deixei com a mãe dela, eu fui até a casa da Tiffany pra pegar a Hannah de volta mas ela não tava mais lá, tentei ligar mas dava "número inexistente" procurei a Tiffany nas redes sociais mas também sempre dava "usuário não encontrado" ela literalmente tinha sumido.
–E porque você não foi na polícia.
Ele me encarou como se tivesse querendo que eu percebesse alguma coisa.
–A você é um fugitivo né.
–É né.
–Eu acho que algum dia você vai achar a Hannah.
–Um sonho.Mas você sabe que não tem a menor chance de isso acontecer.
–Sabe Deckér eu não costumo acreditar nas coisas, nem em esperança, nem em Deus, nem que coisas boas podem acontecer, que sonham se tornam realidade, eu não sou uma pessoa que tem esperança, já tive, hoje em dia...não mesmo.Mas eu acredito que você vai achar a Hannah.
Ele deu um sorrisinho.
–Porque não acredita nas coisas?
–Essa não é difícil Deckér, da uma olhada na minha vida.
–Não acredita em Deus também?
–A não mesmo, se eu acreditasse em Deus eu iria querer socar a cara dele.
Ele deu uma risada.
–Mas sério, porque que tem pessoas da minha idade que agora estão na sua casa enorme, na sala super ampla, com pais amorosos e dois cachorros, assistindo numa TV do tamanho de uma tela de cinema, conversando sobre a viagem que vão fazer pra Noruega no final do ano.E porque que tem outras pessoas que estão na rua agora quase morrendo de hipotermia?
–Mas o que Deus tem a ver com isso?
–Tem a ver que por exemplo comigo, onde tava Deus toda vez que fui abusada Deckér?Onde ele tava pra me proteger?O que eu fiz pra ele me castigar desse jeito?Eu sei que parece mas eu não sou uma pessoa ruim que merece sofrer tanto.
–Eu sei que você não é.
–Eu precisava que Deus soubesse também.
  Dou um bocejo pois estava muito cansada.
–Vai dormir garota, tá tarde.
–Você vai dormir onde?
–Aqui.
–Mas onde?Na cadeira?
–Não, vou ali no quarto do lado pegar um saco de dormir.
–Uhum.
–Tá quentinha?
–To sim.
–Ta bom então, Boa noite.
–Boa noite.
  Fechei os olhos e rapidamente dormi.
  Eu acho que nunca falei da aparência do Deckér aqui, ele era um coroa, bem conservado sabes, deve estar na casa dos 40, é um coroa bonitão sabe?Ele é tão alto que chega a ser intimidador porque eu sou super baixinha, ele deve ter 1,85/1,90 de altura, e eu tenho 1,55.
  Ele era meio fortão, mas não bombado, e tinha barba, cabelos castanhos e olho dele era azul.E a voz dele era super grossa, dava até medo.Mas eu gosto dele.

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