Deckér

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  Coloquei ela nesse cômodo que parecia um escritório.
–Vai tira a venda.
Disse.
Ela calmamente foi tirando, olhando em volta.
–É aqui eu você vai ficar.
Ela me olhou franzido a sobrancelha com cara de confusa.
–Ué porque?Hein?Porque só eu subi?Porque tá todo mundo lá embaixo e eu tenho que ficar aqui em cima?Eu quero ficar com eles também.Ou tem varias pessoas que precisam de remédios específicos em outra sala, deixa eu ficar com eles.Porque eu tenho que estar em uma separada de todo mundo?
–Primeiro, você fala demais.Menos.Segundo, você faz perguntas demais.E terceiro, eu não tenho que te responder nada.Você está aqui simplesmente porque a gente manda e você obedece.É só isso que você precisa saber.
Ela revirou os olhos.
–Você é um pé no saco.
–E você é chata.
–Já usou essa, tá precisando melhor só sabe ofender usando "chata".
  No que eu fui me meter?Era mais fácil ter matado ela quando tive a oportunidade.
–Você tá me tirando do sério!Senta aí.
  Fiz sinal pra ela sentar no sofá.
–Tá achando que isso aqui é o que garota?Hãn?Um hotel?Que você tá na posição de exigir coisas?Que acha que pode escolher onde que ir ou ficar?Você não tá entendendo como funciona as coisas, só porque te dei carta branca uma vez não quer dizer que eu vou dar outra vez ou que os outros vão dar.
  Então garota você faz o que eu disse quando eu disser.Você não fala se não falarem com você.Garota, você é minha responsabilidade, tudo que você fizer vai respingar em mim, se tu fizer alguma merda, beleza você até que vai se ferrar.Mas quem vai se fuder de verdade sou eu, porque eu fui a pessoa que não quis te matar quando deveria.E eu não vou me ferrar por causa de uma pirralha que se acha super durona e inteligente.Estamos entendidos?
  Ela pareceu ficar triste.
–S-sim entendi.
  Ela falou com um nó na garganta e mechendo nos dedos das mãos.
–O que eu mandar você faz entendeu?
–Cla-
-E olha pra mim quando eu estiver falando.
–Desculpa.
  Ela levantou a cabeça pra me olhar nos olhos, e ela estava quase chorando, tava com um olhos lacrimejando e um pouco vermelhos.
  Acho que peguei muito pesado com ela, me arrependi de falar tudo isso depois.
–De novo.O que eu mandar você faz.Entendeu?
–Claro.
  Ela falou com voz de choro.
–Então repete.
–O que você disser é uma ordem.
–Ótimo.
  Me levantei e vi ela rapidamente enxugando as lágrimas
–Eu vou lá em baixo ver se precisam de algum tipo de ajuda.Mais tarde eu volto.
  Ela apenas acenou com a cabeça.
  Saí e tranquei a porta.Me deu vontade de voltar para pedir desculpas por ter sido tão duro com ela, mas acabei não voltando.
  Eles já tinham colocado os reféns para trabalhar.Que o nosso plano era cavar um túnel  para escapar do banco, que a muitos anos atrás já tinha sido começado mas estava inacabado.
  Então quase todos estavam cavando o túnel porque tinha muito trabalho pela frente.
–Ei, e a garota imortal?
  Ray chega atrás de mim.
–É...ela ta lá...
–Nossa mas já se arrependeu?Da tempo ainda Deckér, leva ela num quartinho, bota uma venda pra ela não ver o que você vai fazer, e só puxa o gatilho logo.
–Para Ray.Não vou fazer isso.
–Cê quer que eu faça?
–Não ninguém vai fazer nada com ela.
–Tudo bem...
–Precisam de ajuda por aqui?
–Não, tá tudo sob controle, vai lá ser babá se precisar de algo eu te cham-Não, na verdade, distribuí o jantar pra todos.
–Ta, Claro.
  Distribui o jantar para todos, o que demorou um pouco, e subi com duas refeições, uma pra mim e outra pra Maya.
  Cheguei no escritório onde ela tava, destranquei a porta e ela tava dormindo no sofá, estava muito encolhida, parecia estar com frio.Então deixei os jantares em cima da mesa e fui descer de novo pra falar com a Tess pra ver se tinha cobertores, mas acabamos nos esbarrando lá em cima.
–Tess, oi, sabe se tem cobertas sobrando?
–Hmm...Deve ter umas 5 sobrando mais ou menos, eu guardei ali.
Ela fala apontando pra uma porta no corredor.
–Tem uns 3 sacos de dormir também, e travesseiros.
–Ótimo, obrigado.
–E como tá a menina?
–Ela tá bem eu acho, tá dormindo agora.
–Cara olha só, eu sei que é seu jeito ser todo ogrão, bruto e grosso.Mas pega leve com ela, é só uma criança, ela tá assustada, ela tenta disfarçar mas ela ta apavorada.Aquelas pessoas lá em baixo também estão apavoradas mas eles estão lá todos juntos, estão conversamos, um está confortando o outro.Ela não, ela tá ali trancada naquela sala sozinha, Deckér, tem noção de quanto ela deve estar com medo?
Ficou um silêncio por um tempo.
–Só...só pega leve tá?
E a Tess continuou andando pra onde estava indo, e sim, ela tinha toda razão.Ela tava se fazendo de durona pra tentar disfarçar o fato dela estar apavorada.
Mas bom, fui até a sala onde a Tess disse que estava os cobertores e peguei dois cobertores e dois travesseiros e voltei até a sala onde a Maya estava.
coloquei uma das cobertas em cima da escrivaninha junto com os dois travesseiros.E a outra coberta eu coloquei na Maya.
Sentei na poltrona que tinha ali, peguei a refeição pra comer.
Pouco tempo depois a Maya acordou, estava abrindo os olhos bem devagar.
–Cacete que cheiro bom.
–Aqui ó, o seu jantar.
Falei entregando pra ela.
Ela começou a comer muito rápido, como se não comece a um mês.
–Calma garota, a comida não vai escapar.
–Eu não como nada tem 3 dias cara, eu tô morrendo de fome.
Aquilo me deixou assustado.
–E porque?
–Porque quando você não tem comida, não da para comer.
–E porque você não tinha comida?
–Porque a minha mãe pegou todo o dinheiro que eu tinha conseguido e que estava guardado, então obviamente sem dinheiro não tenho como comprar comida.Ou também porque ela acha mais importante comprar uma garrafa de vodka e cocaína ou invés de comida.
Agora está tudo explicado o porque da Maya ser desse jeito.
–Sua mãe é desempregada?
–É prostituta.E das burras ainda, que transa com o cara e pede pra pagar depois do sexo, então ela da pros clientes à noite toda, na nossa casa, ela acaba pegando no sono e eles fogem de manhã bem cedo sem pagar.
Ela tinha terminado de comer e eu estava com a refeição pela metade.
–Toma.
Falei dando-a refeição a ela.
–O que?
–Toma aqui.
Eu falo insistindo.
–Não, eu não quero que você sinta pena de mim.
–Eu não to com pena, eu to cheio.Eu comi dois sanduíches tem 2 horas.
Eu não tinha comido não, na verdade eu tava com muita fome.
–Então eu estou te oferendo, não por pena, mas porque se você não comer eu também não vou e isso vai pro lixo.Eu não to com pena de você Maya.
Eu tava sim, com muita.
–Tabom...já que você não vai comer eu quero.
–Pode pegar.
  Ela pegou e começou a comer.
–Porque você não era pra estar aqui.
  Ela fez uma cara de confusa, realmente acho que me expressei mal, falar isso do nada é esquisito.
–Nossa mas você também?Mas eu sei já, minha mãe faz questão de me lembrar todos os dias.
  Ela deu um sorrisinho mexendo com o garfo na comida
–Sabe?"Maya você foi um erro", "Não era pra você existir" só essas coisas que faz você se amar a cada dia.
  Falou num tom de deboche.
–Você perguntou o porquê de você estar aqui em cima separada de todo mundo.Esse é o motivo, porque Maya, todas as pessoas que estão aqui agora, literalmente todas, a gente sabia que ia estar aqui, sendo funcionários ou clientes, a gente vem planejando esse assalto a muitos anos, o que você tem de vida a gente tem de anos planejando esse assalto.Então a gente estudou todas as pessoas que estão aqui.Mas você foi um imprevisto, e piorou mais ainda que você é uma criança.
–Eu não sou uma criança.
Ela interrompe.
–É sim.
Ela fala fazendo bico.
–E sobre antes...Não foi aquilo que eu quis dizer, talvez eu tenha sido um pouco grosso com você.Não foi a intenção.
Ela deu uma risadinha.
–"Um pouco grosso" ta bom então kk, coitadas das pessoas que te viram sendo muito grosso.
–Porque veio aqui hein?Não vejo muita coisa pra uma menina de 14 anos fazer num banco.
–Tava frio hoje...
Ela falou abaixando a cabeça.
–Sim...e...?O que isso tem a ver?
–Fugi de casa.
–Nossa como eu odeio dramas de adolescentes...
Ela levanta a cabeça franzindo a sobrancelha.E eu continuo.
–Vocês acham que é o fim do mundo porque a mamãe não deixou pintar o cabelo de verde, surtam, fogem de casa...Você, caramba Maya você aparentava ser inteligente, você prefere estar aqui no frio sendo refém de um assalto do que estar em casa?Sério?
–É.Sério.Sim Deckér, prefiro estar aqui do que estar na minha casa onde era o lugar que abusavam de mim sexualmente toda semana.
  Nessa hora meu estômago embrulhou.
–Eu fico feliz que você tenha tido os problema de um adolescente normal, tipo "Que saco minha mãe não deixa eu botar um piercing, quero morrerrrr" Porque meu sonho era passar por esse tipo de problema.Meu sonho era ter uma mãe que se importasse e não deixasse eu pintar meu cabelo de verde, porque a minha mãe...Eu posso chegar em casa grávida, de cabeça raspada, com um golfinho tatuado na cara, e dois piercing no peito que ela não vai se importar.Então Deckér desculpa se a minha solução dos meus "dramas de adolescente" não foram inteligentes pra você.Não foram boas pra mim também.
  E ela começou a chorar.
–Lógico Deckér que eu preferia estar em casa com a minha família, tomando um chocolate quente em baixo das cobertas e vendo um filme.É claro que eu queria, mas eu não tenho isso.O que eu tenho é um pai que sabe lá Deus onde está.Uma mãe alcoólatra, drogada e prostituta, que leva os clientes pra nossa casa, que transam com ela, e que acordam no meio da noite, vão no meu quarto e abusam de mim.Deckér caramba, em uma hora você cuidou mais de mim do que a minha mãe, você viu que eu tava com frio e trouxe uma coberta, trouxe comida pra mim...e porra, você é um
assaltante que tá me fazendo de refém!Eu só-
  Ela começa a chorar muito mais.
Eu tava péssimo, ela era só uma garotinha, e já tinha passado o inferno.Eu só queria sair da li e meter uma bala cara da mãe dela.
–Maya...eu-Eu sinto muito.
–Me-me desculpa eu me exaltei.Como que você ia saber né...
Ela fala limpado as lágrimas.
–Vem cá.
  Puxei ela pra um abraço.E ela desabou em lágrimas.
–Calma garota, vai ficar tudo bem.
–Deckér ela sabe, ela já viu acontecendo varias vezes e nunca fez nada.
Ela falava chorando muito e soluçando.
–Eu já tentei me matar 4 vezes, e 3 das vezes ela me viu indo fazer e não falou nada, não impediu, nã-Meu Deus ela é minha mãe!
  Ela chorava tanto que me deu até vontade de chorar também, ela estava em prantos, dava pra ver que ela estava tão desesperada, e parecia que ela nunca tinha recebido um abraço na vida.
–A garotinha...
  Ela foi se acalmando.
–Não fala pra ninguém que me viu desse jeito.Venho criando uma reputação de durona a anos.Falou limpando as lágrimas saindo do abraço.
–Vou usar isso como chantagem.
–Babaca.
Ela fala sorrindo.
–Eu não posso imaginar do que é passar por isso.Maya eu sinto muito mesmo.Eu não consigo imaginar o seu desespero.Mas eu prometo, vai ficar tudo bem.
–Obrigada Deckér mas eu e você sabemos que não vai.
–Vai sim.E maya você nunca tentou ir na polícia?
–Claro que já, mas a minha mãe aquela desgraçada me coloca como loca, fala que eu to em tratamento psiquiátrico, mostra os cortes que eu fiz no meu pulso pra me matar como "defesa" falando que eu não tava nada bem, que eu tentei tirar minha vida varias vezes, por isso o tratamento psiquiátrico, que eu não falava nada com nada.E daí eu tentava falar o meu nome a rua em que a gente morava, e daí ela usava isso contra também tipo "tá vendo policial?O nome dela nem é Maya, me desculpa por tomar o tempo de vocês, ela está totalmente fora de si."E então eu desisti.
–E você não tem outros parece pra quem você possa morar?Pai?Tios?Avós?
–Minha mãe nunca falou da mãe dela, não sei nem se tão vivos, se sabem da minha existência...E meu pai...Ele me abandonou...Eu o amava muito, e acho que ele foi a única pessoa no mundo que me amou.Eu morava com ele, fazíamos tudo juntos.Um dia ele me levou na casa da minha mãe, e me deixou lá e nunca mais voltou.
  Quando ela falou isso eu gelei, pois eu tinha feito algo muito parecido com a minha filha a muitos anos atrás.
–Eu sei que não foi e não é fácil pra você, mas pode acreditar que não foi e também não é fácil pro seu pai também.Por experiência própria.
–Experiência própria?Como assim?
  Esse assunto eu não falo pra ninguém, mas se eu não falasse de uma vez, Maya iria ficar enchendo, então lembram lá no início que eu falei que eu tive um "imprevisto" durante uns anos?Esse imprevisto era minha filha.

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