Sábado, a massa enevoada que pairava sobre nossas cabeças encobria toda a extensão onde antes o pacífico e atraente azul se mostrava presente. Meus pais agilizavam os preparativos da viagem, estavam trabalhando em um novo projeto de arquitetura e precisavam ir até o local onde o projeto seria executado.
Eu sabia que teria de ficar sozinho durante três longos e tediosos dias, não era fácil pra mim ter de lidar com a falta de atenção dos meus pais, mesmo que parecesse divertido e tentador ficar com a casa só pra mim por quase meia semana, eu sofria do que podemos chamar de "carência".
- Porque você está assim Charlie ? São apenas três dias.
- Eu sei pai, você fala três dias como se fossem poucas horas.
- E não são ?!- retrucou o velho abrindo um sorriso exagerado por baixo da barba grisalha.
- Sua tia Mary vai vir te visitar meu bem, e se precisar de algo você pode chamar nossa vizinha Clara - finalizou minha mãe carinhosamente.
Caixas e malas dentro carro, estava tudo pronto. Como se estivessem em seu limite máximo, as nuvens jogavam suas finas gotas de chuva ao vento que por sua vez balançava ruidosamente as folhas já espalhadas pelo chão. Curvando a rua, vinha minha tia Mary carregando um de meus primos no braço e o outro puxado pela mão.
- Pode ir tranquila Bia, eu venho preparar comida e ver se ele está bem - gritou desajeitosamente à distância.
- Obrigada Mary - respondeu minha mãe e se virando pra mim, completou - não faça nada de errado em mocinho !?
Do volante meu pai acenava em despedida para mim e minha elétrica tia, que empurrando um dos meninos pra dentro, acenava fervorosamente de volta.
Quando entramos, tia Mary ligou a TV e deixou eu e meus primos assistindo enquanto ela preparava o almoço. Na televisão passava desenhos animados mas não demorou muito para que fossem interrompidos e se iniciasse o jornal.
Como de costume nos últimos meses, a jornalista começou falando dos preços que tinham aumentado mais uma vez, alertando em seguida sobre uma tempestade que se aproximava :
*- ...e sem dúvida essa vai ser uma das tempestades mais fortes já registradas nessa região, mas não deve durar muito tempo visto que os ventos...*
Minha tia, que estava assistindo da cozinha disse :
- Enchentes são muito recorrentes por aqui, quanto tempo a jornalista disse que vai durar a chuva Charlie ?
- Ela não especificou um tempo - falei enquanto apontava o controle em direção à TV mudando de canal - mas disse que não vai durar muito.
Minha tia balançou a cabeça afirmativamente e se aproximando do sofá sugeriu :
- Acho melhor você ir dormir lá em casa até seus pais chegarem, isso facilitaria também as coisas pra mim.
- Acho que sim, mas o combinado era eu ficar e cuidar da casa.
- Não creio que eles fossem se importar muito com isso Charlie, se alguma coisa acontecesse aqui sua presença não faria muita diferença, você é só uma criança.
As palavras "você é só uma criança" levantaram uma ira interna que me fez recusar se quer o pensamento de passar esses três dias na casa da tia Mary.
- Eu não vou tia, eu já sei muito bem me virar sozinho, além do mais, são apenas três dias não é ?!
Após algumas barulhentas horas, minha tia e meus primos se foram, deixando assim, um silêncio que se espalhava por toda a casa, um silêncio que vez ou outra era interrompido pelo ronco de veículos a passar lentamente na estreita rua em frente a residência ou mesmo um pequeno sabiá-laranjeira em uma árvore próxima a cantarolar sua relaxante melodia do fim de tarde.
O cinza do céu agora apresentava seus mais escuros tons enquanto a fina chuva se mantinha constante a cair do lado de fora. Eu estava lendo o livro Petrus logus de Augusto Cury, um de meus escritores preferidos até o momento, tudo corria perfeitamente bem até agora, a vizinha Clara estava com as luzes já acesas e uma música lenta e baixa podia ser ouvida vindo de sua casa. Como era linda a Clara, devia ser cinco ou seis anos mais velha do que eu, por entre suas persianas eu a observava, dançava com uma leveza de tirar o fôlego de quem a visse, balançava seus ruivos cachos que se destacavam ainda mais com seu branco vestido florido. O clima melancólico e calmo se instalava novamente em minha casa, até que um leve ranger de porta me tirou de meus devaneios. Tal barulho ecoou em meus ouvidos atraindo minha atenção para a última porta no corredor do segundo piso, a porta que dava acesso ao sótão.
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Na escuridão " O Medo À Espreita "
Terror"...Eu peguei a lanterna e a faca que estavam ao meu alcance bem lentamente, sem tirar os olhos daquela aberração, quando as alcancei eu sai correndo e entrei pela pequena porta do meu quarto na esperança de encontrar uma escada que me levasse ao só...