9°- Limbo

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Aquela mulher era portadora de dois olhos tão brancos quanto sua pele pálida, o que dava um grande destaque aos seus lábios vermelhos, seus cabelos, negros como às sombras, escondiam em parte um par de pequenos chifres. Apesar de sua estranha aparência, de alguma forma ou motivo desconhecido, eu me senti atraído por ela, sentia meu sangue gélido aquecer em minhas veias pela primeira vez desde que cheguei naquele lugar, aquela mulher me lembrou por um momento das cultuadas ninfas da mitologia grega, uma fada sem asas e com dons de cura, no geral uma espécie de divindade. Seja como for, eu me sentia cada vez mais e mais impulsionado à falar com ela.

- Ei, moça você.. pode.. digo, quem... ?

Tentei falar o mais alto possível mas eu não fazia idéia do que falar, e além disso, minhas forças estavam no limite. A moça fitou seus brancos olhos em mim e em seguida começou a se aproximar, senti os músculos do meu corpo se contraírem e em seguida enrijecerem me deixando completamente estático, sentindo que à qualquer momento meu corpo poderia entrar em colapso. Por um momento eu me arrependi amargamente por tê-la chamado, e se ela fosse como aquela criatura ? Eu não sabia onde eu estava, não sabia quem ela era ou mesmo o que ela era, não tinha noção de com o que eu estava lidando, não poderia me dar ao luxo de correr riscos afinal eu ja havia passado por maus bocados, mas agora era tarde de mais.

A moça se aproximou lentamente, caminhava de maneira cuidadosa e delicada, como se estivesse pisando em uma ponte de vidro fino sobre um precipício, ela era, de forma estranha, encantadora e misteriosa. Quando chegou bem perto, tirou o capuz, de modo que eu pude ver melhor as feições de seu rosto, seus cabelos mantinham um perfeito corte na altura dos ombros, seus lábios de um tom vermelho vibrante eram a única cor notável que eu havia visto naquele lugar, eram tão vermelhos quanto o sangue que escorria da minha perna. Não parecia de forma alguma ameaçadora, além de seus olhos que pareciam vasculhar os limites da minha alma a única coisa fora do comum eram seus chifres, mas não incomum o suficiente para eu temê-la. Ela me encarou por um tempo, tempo o suficiente para eu conseguir me recompor e tentar soltar a primeira das centenas de perguntas que perambulavam os campos sombrios da minha mente.

- Claro que sim... - disse ela calmamente com sua voz aveludada e doce enquanto me olhava. Com a boca ainda aberta eu tremulei os lábios cortando as palavras que nem se quer eu havia pronunciado.

*Como ela descobriu o que eu ia perguntar ?!*

- Mas antes de te ajudar, me diga, o que faz sozinho e ferido na margem desse rio ?

Tal qual feitiço lançado capaz de hipnotizar suas vítimas, digno das histórias de fantasia, sua leve voz tomou conta de minha mente, fazendo com que eu sentisse a necessidade de responder cada pergunta imposta por aquela mulher.

- Eu.. não sei, eu estava no meu quarto quando "ela" apareceu, estava escuro, eu entrei em uma pequena porta e.. quando me dei conta já não estava mais em casa. - tentei explicar, gastando minhas últimas forças na vã esperança de conter as desesperadas lágrimas que lutavam contra a minha vontade.

- E quem seria "ela" pra você ?- perguntou enquanto deslizava a mão em seus cabelos escuros, pondo uma mecha solta por trás da orelha direita.

Nessa hora eu percebi, que não fazia idéia do porquê de isso estar acontecendo, a pressão até agora foi tanta que eu não tive tempo o suficiente para pensar ou mesmo supor a razão de tudo.

- Eu não... eu não sei !!

- Venha comigo.- falou, estendendo sua mão pálida e delicada à altura de meus olhos.

Me levantei com dificuldade, a dor do corte em minha perna volta e meia se mostrava presente, latejando de acordo com os passos que eu dava, me senti tonto novamente e após poucos minutos de caminhada estava exausto.

- Se apoie em mim ...- disse ela, pondo meu braço esquerdo em torno de seu pescoço. Dona de uma pele gelada, era como se eu estivesse me apoiando em um cadáver ambulante, me sentia desconfortável tocando sua pele, mas não estava em condições de reclamar de coisa alguma -... A propósito, qual o seu nome criança ?

- Me chamo Charlie, Charlie Miller, e faz o favor de não me chamar de criança tá legal ?!

- Tudo bem então, Charlie Miller - Disse ela enquanto soltava um leve riso.

- Mas enquanto a você.. quer dizer, qual o seu nome ?- Devolvi a pergunta enquanto a olhava fixamente.

- Eu.. não me lembro ...

Ela parou suas palavras no ar e ficou pensativa, observá-la era como ver um pirata que se esqueceu do local onde enterrou seu tesouro, perdido, sem mapa e sem qualquer esperança de encontrá-lo novamente. Passado alguns segundos, retomou as palavras e continuou.

- Sabe Charlie Miller, eu não costumo ver muitas almas por aqui, na verdade estou até surpresa por ainda saber falar..- Disse enquanto sorria -.. então.. tipo.. há muito tempo eu não pronuncio meu nome, se é que eu posso dizer que a palavra tempo é válida nesse lugar.

- Almas ?- perguntei confuso, sem saber se aquilo era apenas modo de falar, enquanto me apoiava desajeitosamente sobre sua nuca.

- Sim, você realmente não sabe o que está acontecendo não é ? Mas não tem importância, eu vou te explicar tudo quando chegarmos em casa.

- Casa ?- indaguei espantado.

- Vai me dizer que não sabe o que é uma casa também ?!- Retrucou em tom irônico.

Eu assenti com a cabeça, finalizando por hora a conversa, sentia o ar de meus pulmões se esvaindo mais e mais a cada palavra que eu falava. A falta de ar me causava breves alucinações e assim foi, até que chegamos à casa da qual a misteriosa mulher havia falado.

Era uma casa consideravemente pequena e apesar de ter uma aparência antiga e sombria digna de um livro de terror, ela tinha o seu charme antiquado, suas paredes eram feitas de madeira de Pinheiros escuros com pequenos sulcos que lembravam veias saltadas em um corpo estendido sem vida, seu telhado era muito simples, feito com tábuas de coloração um pouco mais clara do que as paredes e o chão interno da casa era feito de pedras dispostas de maneira irregular ao longo do pequeno espaço, era uma verdadeira casa camponesa no mais simples do estilo medieval.

- Chegamos !- exclamou, com sua bela voz.

- Eu preciso saber ..- tentei dizer ofegante, sentindo o ar gélido do local perfurando minha garganta fazendo uma visita mais do que forçada aos meus pulmões -.. Onde nós estamos exatamente.. digo.. essa floresta, os corvos...

- No que apelidamos carinhosamente de "LIMBO" meu bem.- Respondeu sorridente enquanto me via apagar eu seus braços.

...

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⏰ Última atualização: Oct 21, 2021 ⏰

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