7°- Sem volta

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Quando começou a escurecer, a chuva que cristalizava a grama do quintal estava mais forte e agressiva do que antes, eu comi o pouco do macarrão que havia sobrado, fui até meu quarto e comecei a ler um livro com a luz fraca da lanterna de companhia, esperando que o sono viesse bater à minha porta.

Não tinha notícias sobre meus pais, nem sobre quando a energia iria voltar, não tinha notícias sobre nada, estava de pés e mãos atadas dentro daquela casa.

Eu tinha pegado uma faca modestamente grande e afiada que tinha na prateleira em cima da pia, sabia que muito provavelmente não serviria pra nada mas ao menos agora eu tinha algo com o que tentar me defender.

Tudo ficou quieto por um longo período de tempo, só se podia ouvir o barulho da chuva a cair do lado de fora, meu relógio marcava 23:48hrs, perto da meia noite. Era dia de lua-nova então tudo era uma infinita e ligeiramente misteriosa escuridão, minhas únicas fontes luminosas eram minha lanterna e trovões que vota e meia ricocheteavam no céu clareando assim meu quarto.

00:32hrs, já era tarde, nada de anormal havia acontecido, achei melhor tentar dormir um pouco, apaguei a lanterna deixando que os feixes de luz a cortar o céu fossem a única coisa visível durante o resto da noite. Me deitei mas o sono não veio, então fiquei apenas olhando a janela por um bom tempo até que um barulho leve toca meus ouvidos, eu estremeci ao notar a pequena porta ao meu lado se movendo.

- Já chega... para, por favor - falei em tom quase inaudível.

Ela foi se abrindo levemente, fazendo questão de deixar pairando sobre o ar seu ranger falhado e ameaçador. Ao se abrir por completo uma pequena sequência de raios clareou de maneira acanhada o meu quarto e então eu a vi novamente, não só seus pés, dessa vez eu a via completamente, bem próxima a mim, enorme e curvada, saindo da porta e se escondendo em meio a escuridão, deixando sua silhueta à mostra. Não sabia o que ela era, mas tinha cabelos longos e era magra, trajava um vestido branco encardido, aparentemente velho e seus olhos amarelos brilhavam a uma altura próxima ao teto.

A porta permaneceu aberta e aquela criatura se mantinha imóvel no canto do meu quarto, seus olhos brilhantes me encaravam firmemente, estavam fitados em mim, aparentemente esperando alguma coisa, talvez um movimento meu, eu não sei.

Peguei a lanterna e a faca que estavam ao meu alcance bem lentamente, sem tirar os olhos daquela aberração, não podia ficar parado, não dessa vez, quando as alcancei eu desci da cama e à toda velocidade entrei pela pequena porta na esperança de encontrar uma escada que me levasse ao sótão, fechei a porta e quando me virei me dei conta de que não estava mais em minha casa.

- Onde eu tô ?!- falei baixo perplexo enquanto lágrimas de desespero escorriam pelos meus olhos.

A porta que há pouco eu tinha fechado já não existia mais, tudo à minha volta eram árvores, uma leve neblina e corvos que observavam atentamente meus movimentos desesperados, eu estava aterrorizado com tudo aquilo. Saí correndo sem direção a procura de uma casa ou alguém que podesse me ajudar, mas parecia que eu estava correndo em círculos, todos os lugares e árvores que eu passava eram iguais, mas eu não tinha escolha.

Me mantive a correr até minhas pernas não aguentarem mais e fraquejarem, foi aí que eu caí e bati a cabeça contra uma árvore sentindo por milésimos de segundos, a dor aguda latejar em minha mente, em seguida sinto minha consciência me abandonando lentamente enquanto um leve apito ressoa em meus ouvidos.

Não sei por quanto tempo fiquei inconsciente mas quando acordei minha cabeça doía muito, o sangue gelado me escorria pelo rosto e uma ferida levemente aberta adicionava sentido à dor por mim sentida. O céu daquele lugar era escuro, não se via sinal de lua ou estrelas, eu só tinha poucas horas de luz à minha disposição, as baterias reservas haviam ficado no quarto, estava perdido e assustado, não sabia o que fazer ou pra onde ir.

Me levantei com um pouco de dificuldade, olhei para todos os lados, tentando decidir por onde seguir, mas simplesmente não tinha para onde ir. Segui na direção em que eu havia corrido até agora, o coração disparado de medo chacoalhava meu corpo a cada batida, eu dei poucos passo às frente mas não aguentava mais.

- E...eu preciso de ajuda - Disse ao soluços caindo de joelhos na terra úmida daquele lugar - do que adianta Charlie, você é fraco, mal consegue se manter em suas próprias pernas, encare, você tá sozinho...

Sabia que não tinha saída, sabia que aquilo não era um sonho, sentia que ali era onde eu cairia, e não me levantaria nunca mais.

- Eu não consigo, nem sei do que eu estou fugindo ou onde eu estou, do que adianta ser forte quando se sabe que não têm saída ?!- Eu chorava profundamente enquanto jogava ao vento sombrio daquele lugar meus sentimentos de angústia e medo.

Me sentia louco, talvez eu realmente estivesse, um louco nunca têm noção de sua própria loucura. Minha cabeça doía ainda mais do que antes, eu pressionava com uma das mãos o ferimento e sentia o líquido vermelho e gélido escorrendo pelos dedos.

- Chega... Eu não aguento mais, não têm saída desse lug...

Parei perplexo quando me peguei a deslizar os dedos pela lâmina da faca em minhas mãos, talvez... talvez eu tenha encontrado uma saída, uma saída que me custaria caro...

Na escuridão " O Medo À Espreita "Onde histórias criam vida. Descubra agora