Um ano

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Lua teve alta no dia de Natal. Estávamos muito felizes quando a levamos para casa depois de os médicos eliminarem oficialmente qualquer possibilidade de dano cerebral. No caminho da cidade para ilha, depois de todas as bençãos, agora sim, a gente fez daquele um Natal de verdade. Sarah passaria dois dias conosco antes de se juntar à banda em Londres e continuar a turnê no trecho europeu. Eu me recusava a ficar triste desde já com sua partida, pois não era nem para ele estar em casa.

Na noite de Natal, sentamos em volta da árvore e ajudamos Lua a abrir os presentes. Deixei por último o presente que Sarah tinha mandado pelo correio. Quando finalmente a pegamos, Sarah olhou ansiosa enquanto eu rasgava a fita adesiva e retirava do pacote uma quantidade generosa de plástico bolha.

Na caixa, havia um pequeno violão de madeira em pé sobre uma base cilíndrica. A parte de baixo era aberta, e dava para guardar objetos dentro dela, havia uma abelha pintada à mão. Sarah pegou o presente e girou a corda na base. O instrumento começou a girar tocando uma canção que eu não reconheci.

- Tenho um amigo que faz caixas de musica personalizadas. Encomendei uma para a Lua. A abelha é para representar nosso primeiro halloween juntas.

Emocionada, prestei atenção na música, embora ainda não a reconhecesse.

- Que musica é essa? É linda.

- É a melodia de uma canção que estou compondo. Deu para programar na caixinha, mas ainda estou trabalhando na letra.

- Incrível. É o melhor presente que poderia ter dado a ela.

- É só para ela sentir minha presença quando eu não estiver perto. - Sarah olhou para Lua, que estava hipnotizada com o violão girando e girando. Depois de um tempo, ela disse. - O que você da para alguém que nunca vai poder recompensar por tudo o que ela te ensinou, tudo o que te deu?

- Acho que assumir a responsabilidade de ser a mãe dela e um presente bem grande.

Ela beijou a cabeça de Lua.

- Eu que ganhei esse presente.

Sorrindo para as duas, fiz uma pergunta que rodava na minha cabeça desde que ela chegou.

- O que mudou?

- Como assim?

- Antes de começar a turnê, você parecia não ter certeza de qual seria seu papel na vida dela. O que mudou?

Ela olhou para a caixinha de música por um tempo, depois para mim.

- Minhas dúvidas nunca tiveram a ver com ela. Eu só não sabia se seria digna do amor da Lua. Não queria desapontar alguém tão importante para mim. Mas ficar longe me fez perceber que ela já havia se tornado parte da minha vida. Deixando de lado meu medo de não ser suficiente, ela já era minha filha de todas as maneiras que realmente importavam. Eu só não sabia como expressar que a amava, eu sou péssima quando o assunto é me abrir. Ficar longe me ajudou a enxergar tudo isso com mais clareza.

Mais cedo, eu havia explicado minha constatação sobre a hora em que ela mandou a mensagem. Sarah se recusou a assumir a responsabilidade por ter salvado a vida de Lua, insistindo que eu era a única responsável por isso. Eu ainda não havia abordado o assunto da mensagem.

Deitei a cabeça em seu ombro, grata por tê-la em casa conosco, mesmo que só por dois dias.

- Eu te amo, Sarah, eu estava obcecada pelo fato de você ainda não ter falado que me amava. Coloquei importância demais no fato de você dizer isso. E, quando finalmente disse naquela mensagem não me surpreendeu porque, bem no fundo, eu já sabia. Você me ensinou que amor não tem a ver com palavras. É uma série de atitudes. Você mostrou seu amor por mim no jeito de olhar, em como me trata e, acima de tudo, em como ama minha filha como se fosse sua...

Entre tapas e beijos - SarietteOnde histórias criam vida. Descubra agora