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Agnes 🔮

Dentro das favelas existem hierarquias, e cada posto deve ser respeitado e obedecido.

Coringa é o chefe.

O que significa que uma pessoa matar alguém, aparentemente sem motivo, é uma falta de respeito a ele.

Geralmente, quem mata por aqui acaba de um jeito pior ainda, é tipo uma punição.

E foi por isso que me assustei e senti medo.

Eu tinha ido ali justamente para falar com ele, para explicar o porquê de ter matado aquele miserável, mas quando cheguei todos já sabiam e acharam que não tinha motivos para o que fiz.

Estavam todos em volta de mim, tentando escolher qual seria meu castigo por matar um dos cidadãos daqui, eu estava com medo, encolhida, quase sem ar, tentando explicar, mas sem sucesso.

Até que ele chegou, corri até ele, parar explicar e pedir ajuda, mas meu corpo e meu coração já não aguentavam mais.

A última coisa que ouvi foi ele gritando por ajuda.

E agora ele estava bem ali, na minha frente.

Me sentei direito no sofá, olhei rapidamente para as minhas roupas sujas e meio desgastadas e senti vergonha, já que ele estava arrumado e cheiroso.

Muito cheiroso, a sala toda estava com aquele cheiro de perfume masculino.

Passei a mão pelo cabelo, enquanto ele apenas me encarava, ora colocando o cigarro na boca, ora soltando a fumaça.

- Eu... - comecei a falar - eu tenho motivos para fazer o que fiz...

Ele apenas me olhava, sem demostrar qualquer emoção, apenas esperava que eu desse alguma explicação para que ele decidisse o que fazer comigo.

- Ele era meu pai. - disse enquanto sentia algo dentro de mim começar a se movimentar rápido demais a ponto de me sentir enjoada.

- E... - respirei fundo, já sentido lágrimas sendo  formadas - ele me...

Não consigo falar, começo a chorar e coloco o rosto entre as mãos, sentindo nojo de mim mesma ao lembrar de cenas horríveis que passei por anos.

- Ele o que? - ouvi sua voz calma, porém com um leve tom de raiva.

Não respondi, as palavras não saiam.

- O que ele fez?! - dessa vez sua voz realmente saiu em um tom de raiva.

- Ele me estuprava! - soltei aos soluços - por catorze anos!

Dessa vez o encarei, para reforçar o que eu estava dizendo.

Ele se levantou puto, foi até uma mesa e bateu a mão com raiva.

- Filho da puta!

O encarei, aqui era assim.

Estupradores, pedófilos, homens que batiam na mulher, e qualquer um que cometesse coisas que fossem contra o que o chefe permitia, era digno de ódio. Então sim, era normal ele chamar meu pai de filho da puta.

E ele realmente era.

- E o que vai fazer comigo? - pergunto ainda chorando.

- Não vou fazer nada, você não errou. - respondeu mais calmo.

- Obrigada...que lugar é esse? - pergunto olhando em volta, mais tranquila.

- Boca. - respondeu se levantando e indo até a porta - pode ir então.

Fico lá, parada. Ir pra onde? Não ouso voltar pra casa.

- Escutou? - ele me olha segurando a porta entreaberta - tá liberada, vai.

- Ah...tá - me levanto e seco as lágrimas, ando lentamente, porque me sentia meio zonza ainda.

Passo pela porta e sinto outra vez aquele perfume.

- Obrigada...Coringa.

- Ou - escuto ele dizer quando já estou na porta pronta para sair.

- Oi? - olho para ele.

- Se tem pra onde ir? - ele coça a cabeça.

- Tenho sim. - minto e dou um sorriso fraco. Logo em seguida me viro e saio sem ter a mínima noção de onde ir ou ficar.

Ando por aquelas vilelas e aqueles becos, que de tão apertados me deixam com a respiração ofegante.

Eu não tenho para onde ir, nem tenho meu celular comigo.

Sai de casa tão virada que nem pensei em pegar alguma coisa.

Ando até chegar em uma lojinha, sento no degrau e me encosto na porta.

Eu estava tão cansada. De tudo.

Só queria dormir e acordar com uma vida normal, sem ter que viver assombrada por tudo que passei.

Acabo pegando no sono, até que do nada sinto um farol nos meus olhos, e ouço uma voz conhecida.

Libertina - [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora