Márcio
Da sacada do apartamento eu encarava as luzes da cidade à minha frente, embora não as enxergasse realmente. Minha mente estava absorta. Ingeri mais um grande gole do meu uísque preferido e observei, pela milésima vez, a rua movimentada lá embaixo. Bebi mais um pouco do uísque quando, subitamente, o toque do telefone arrancou-me dos meus pensamentos. Quem poderia ser uma hora daquelas?
xxx: Boa noite. Márcio é você? - a voz do outro lado da linha era feminina e hesitante. Embora me parecesse familiar, não consegui distinguir de quem se tratava.
Márcio: Eu mesmo. Quem fala? - indaguei, com a firmeza que já fazia parte do meu tom de voz devido ao hábito de falar nas audiências, mas ao invés de uma resposta, ouvi o som da ligação sendo encerrada. Fiquei tentando puxar pela memoria algo que me fizesse identificar a voz. Já saí com inúmeras mulheres, porém o resquício de familiaridade com aquela em questão, me remetia aos constantes pesadelos que tinha. Precisava me comunicar urgente com Virgílio. Nossa última conversa não me trouxe nenhum esclarecimento e o fato da chamada ter sido feita de um número restrito me intrigou.
Ainda fiquei minutos na esperança que o telefone tocasse novamente, mas esses minutos se transformaram em horas e nada. Resolvi tomar um banho e me concentrar nas coisas que tinha que fazer. A noite passada tinha sido maravilhosa. Eu e Pérola rimos muito das bobas mentiras que acabamos inventando um para o outro e chegamos a conclusão de que ficamos constrangidos sem motivos quando nos encontramos no elevador mais cedo. Aproveitamos o resto da noite da melhor forma possível: muito sexo e mais sexo. Não sei onde isso irá parar. Não fizemos nenhum tipo de acordo. Nada ficou claro sobre o que aconteceu, mas entendemos que seguimos a nossa vontade naquele momento.
Pérola parece ser uma mulher bem resolvida e não tem vergonha quanto a isso. O que me deixa aliviado e ao mesmo tempo desapontado, mas por hora talvez seja melhor assim.
Durante o transcorrer da noite, eu não consegui mais afastar sua imagem do meu pensamento. A todo o momento minha mente projetava a curva dos seus seios firmes e pequenos, sua falsa fragilidade irresistível, sua pele aveludada. Ah, o que eu não daria para tocar aquela pele agora!
Na manhã de segunda-feira, cedo já estava me dirigindo para o fórum. Estava tendo um pouco de resistência em um caso de aparente assassinato seguido de tentativa de suicídio. Nessas horas me pego pensando no que se passa na cabeça de um ser para agir dessa forma tão extremista. Amor por certo não deve ser, porque ceifar a vida de quem se diz amar para mim tem tudo a ver com ódio e egoísmo, e esses sentimentos passam longe do amor.
Já estou há alguns minutos absorto no processo quando sou despertado pela vibração do aparelho em meu bolso. É um hábito que tenho sempre que saio de casa, afinal meu trabalho exige essa discrição. Em um julgamento o som permitido é o das vozes, nunca de um celular.
Márcio: Bom dia, pai! - já atendo com um sorriso no rosto. Sr. Gustavo desperta sempre um sorriso em mim.
Gustavo: Bom dia, filho. - sua voz por mais que tentasse disfarçar, parecia preocupada me deixando em estado de alerta. - Está ocupado?
Márcio: Não. - menti - Aconteceu alguma coisa?
Gustavo: Não sei ao certo. - hesitou - Mas...
Márcio: Fala!
Gustavo: Acabei de receber umas fotografias e preciso que as veja.
Márcio: Que tipo de fotografias? - seu tom mostrava uma possível gravidade no que elas significavam.
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