O homem que me Enganou

Capítulo 1 - Ana

Ana

— Não esquece, Júlia! Esse pedido é com recheio de morango, mas sem morangos naturais!

— Eu já entendi, Maria Ana! Pode ir tranquila que nada vai sair fora do esperado. Relaxa!

Revirei os olhos ao ouvi-la me chamar pelo meu nome composto mais uma vez, mesmo sabendo que eu odiava quando me chamavam assim. Apesar disso, não rebati. Preferi respirar fundo, sentindo a tensão tomar conta dos meus músculos.

Eu estava numa rotina puxada de trabalho já havia alguns dias e isso estava me matando. Para completar, uma semana atrás mainha acabou torcendo o tornozelo, ao descer os dois degraus da calçada rapidamente na frente de casa, na tentativa de ajudar a mim e Guga, meu outro ajudante, a colocar um bolo de casamento dentro da van da confeitaria.

Isso a rendeu uma entorse do tornozelo que, de acordo com o médico, por sorte foi de grau um, o que significa que ela só precisaria ficar de repouso por alguns dias, colocando um pouco de gelo para reduzir o inchaço por não mais do que vinte minutos; o uso de uma meia elástica para compressão, evitando o edema, e ficar com o pé elevado acima da cintura.

Obviamente, não foi uma atividade muito fácil, uma vez que eu nunca vi alguém mais teimosa do que a minha mãe. A mulher queria se levantar o tempo todo utilizando-se de alguma desculpa esfarrapada, especialmente quando o horário de tomar seu sagrado cafezinho se aproximava.

Com a correria da confeitaria, quase não podia me dividir entre atender os pedidos e manter um olho atento nela, mas, graças a Deus, tive a ajuda da minha irmã Júlia, que, às vezes, servia para alguma coisa além de me atormentar; e o Guga, que vez ou outra, dava um pulinho aqui em casa para vigiá-la por mim.

Meu pai, agora aos sessenta e cinco anos, era outro que me ajudava demais! Desde que se aposentou, passava a maior parte do dia na rua, conversando com seus amigos de infância que se encontravam na venda do Seu Tota para bater um papo e jogar dominó, mas desde que mainha torceu o tornozelo, permanecia mais em casa, a fim de impedi-la de fazer alguma extravagância.

Dona Tereza, é claro, achava a atenção exagerada e desnecessária — palavras dela —, mas sua saúde vinha em primeiro lugar e as recomendações médicas seriam cumpridas, ela gostasse ou não. Aos cinquenta e oito anos, não dava para brincar com coisa séria por pura birra.

— Pode ir tranquila, Ana. Quando terminar a torta da senhora Magda, ajudo a Júlia com esse outro pedido — Guto me garantiu, deixando-me mais aliviada.

Não é que eu não confie na minha irmã. Ela é ótima e por muito tempo foi minha única ajudante na cozinha, mas sei que seu talento está mais voltado para publicidade do que para cozinhar. Como marketeira da Bella Doceira, ela é a melhor, não há dúvidas disso. Mas quando envolve a cozinha e, mais especificamente, meus bolos... Ah! Fico muito chata por ser tão perfeccionista. Quero tudo da melhor forma, para não dar motivos para os clientes falarem nada além de elogios.

Quando se trata do ramo alimentício, boca a boca é muito mais forte do que qualquer campanha publicitária, e um feedback negativo seria extremamente perigoso para a saúde e sucesso do meu negócio. Especialmente agora, que precisei fazer um empréstimo para comprar alguns equipamentos mais profissionais para a cozinha, assim como para trocar a van, já que a antiga ficava mais na oficina do que me ajudava com as entregas.

— Por favor! Vai me ajudar muito se fizer isso. Sabe como ela é... — cochichei, fazendo um movimento discreto de cabeça para indicar minha irmã, para quem ele já olhava sorrindo.

Não precisava ficar muito atento para notar o interesse que Guto nutria por Júlia. Os olhos dele chegavam a se iluminar, acompanhando o sorriso, toda vez que eles se encaravam, mas minha irmã era muito casca grossa para admitir, ou burra demais para perceber os sentimentos dele por ela.