Vinte Anos Blue

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Os dias se passaram depressa depois daquele curto diálogo no camarim. Regina e Antônio embora conhecidos de anos, não se estendiam muito a assuntos por detrás das câmeras além do necessário, afinal a tensão daquele momento não deixou de incomodar ambos. Por outro lado, o entrosamento do casal na frente das câmeras estava a todo o vapor, como se nada tivesse acontecido. Que, na verdade, nada aconteceu, além de claro, uma situação mirabolante na cabeça da doce namoradinha do Brasil. Dennis Carvalho quase soltava rojões quando os via em cena mesmo que fossem curtas ou com outros atores.


Cláudio Corrêa e Castro, Fábio Villa Verde e Renata Sorrah estavam dando show de atuação assim como Glória Pires e Carlos Alberto Riccelli que juntos tinham uma química absurda dentro e fora das câmeras, como amigos de longa data. Com a construção das cenas com todo o elenco, a estrutura de Vale Tudo ganhava cada vez mais força e credibilidade pelos corredores da emissora carioca que apostava com a diversidade de temas e histórias paralelas como a de Cecília e Laís, interpretadas por Cristina Prochaska e Lala Deheinzelin, que davam vida a um casal homossexual na trama de Aguinaldo Silva, Gilberto Braga e Leonor Bassères.


A vida de Regina e Del gradualmente voltavam aos eixos, sempre arranjando brechas para um momento a dois como o casal que eram. Gabriela já não tocava mais no assunto atuação, mas a mãe sempre a via com textos na mão ou soltando comentários sobre a capacidade de seus colegas de televisão. Antônio, por outro lado, sempre estava sozinho. Com os filhos de férias no estrangeiro, ele dedicava o tempo livre para colocar em dia seus textos e prazeres pessoais como assistir uma boa peca de Teatro ou apenas caminhar pela orla da praia vermelha com seu tradicional cigarro entre os dedos.


Rio de Janeiro, 02/02/1988. Terça-feira.


O início de fevereiro chegou como uma flecha e logo as gravações teriam um intervalo para o carnaval carioca, que normalmente não ocorria, mas como a novela só tinha sua estreia prevista para maio foi resolvido que uma pequena pausa seria plausível para os ajustes que seriam feitos em cima da edição e do roteiro.


Uma externa noturna estava marcada com Stephan Nercessian, Regina e Antônio, mas devido ao mau tempo aquele dia só foi possível gravar a cena que se passava em uma churrascaria em que marcava o primeiro encontro com Raquel e Ivan.



— Regininha, Fagundes? Venham aqui que eu queria combinar uma coisa com vocês. - Ricardo Waddington os chamou com uma prancheta nas mãos. — A Raquel está muito nervosa com o roubo da carteira e como Ivan a recuperou dos trombadinhas, ela aceitou um convite dele para jantar. Eu preciso que aja dos dois muito comprometimento e que todas as nuances do texto sejam respeitadas até o final, tudo bem? Essa cena vai marcar o início do relacionamento da Raquel e do Ivan. - os dois assentiram logo após as coordenadas do diretor. — Todos em suas posições... claquete, luz, câmera e... valendo!


"Aí eu fui despedido no primeiro dia." - dizia Ivan enquanto se servia de um refrigerante. — "Um aluguel que eu não quero nem lembrar, comprei um carro que ainda não entregaram... como é que eu vou falar pro meu filho, pro meu pai, pra minha ex mulher, que eu tô numa situação dessas?" - ele descansou os cotovelos na mesa e alternava o olhar para a mulher e para atrás das câmeras como o recomendado. — "Deixei um empregão em São Paulo e com a minha idade do dia pra noite no olho da rua..., mas eu tenho fé que a reposta de amanhã..." - as mãos foram abertas e o olhar levemente inclinado para os céus. — "Vai ser positiva."


"E a sua ex mulher faz o quê?" - Raquel enfiava o garfo no prato com a comida.


— Corta. Troca de claquete. – Ricardo aguardou o tempo de pernas cruzadas. — Gravando.


"Mas eu não entendi porquê cê não levou o menino preso." - Raquel falava enquanto tentava mastigar a comida — "Se você viu ele receber a carteira, conseguiu recuperar e tudo. Era flagrante!"


"Um menorzinho que o outro ainda, Raquel. Tinha o quê? Uns doze anos, quase a idade do meu filho. Mas eu não sei o nível de marginalidade dele, levar ele pra onde? Fazer pós graduação de marginalidade aos doze, treze anos?" - Fagundes alternava o olhar para a comida no prato e em Regina que brilhava na interpretação de Raquel.


"Mas ele solto também por aí roubando carteira... solto nessa idade, daqui há pouco tá matando."


"É, o país não tem jeito." - Ivan apoiou o queixo nas mãos.


"Meu pai sempre dizia que o país não tem jeito porque a gente se acostumou a encarar isso como fato natural." - Raquel segurava um copo de refrigerante enquanto esbanjava sua indignação, Regina seguia fielmente o roteiro escrito.


"Eu não tô muito seguro se o que eu fiz foi bom ou se foi mal." - ele desfez a postura adquirindo um olhar mais sério. — "Eu sei que não levei o garoto pra cadeia porque eu olhei bem no olho dele e não tive coragem."


"Foi muita ingenuidade minha achar que iam fazer investigação, tentar recuperar a minha carteira nesse caos que a gente tá vivendo." – a ingenuidade de Raquel era encantadora. — "Mas eu queria tanto acreditar em alguma coisa, ter alguma esperança de melhora, o quê é que vai ser da gente se todo mundo aceita como fato consumado que o país não tem jeito?"


"É, lendo a primeira página do jornal todos os dias você vê que não tem jeito mesmo. Olha, eu sou um bom profissional, tive uma ótima formação e se você me perguntar agora que medidas eu deveria tomar agora pra melhorar a situação... eu não sei."


"Ah! Uma medida eu sei que eu tomava." - com convicção, Raquel Accioli afirmou.


"Qual?"


"Fazer uma campanha, sei lá, alguma coisa pra tentar colocar na cabeça das pessoas uma mentalidade mais de trabalho."



Fagundes apoiou o rosto nas mãos enquanto olhava Regina dar seu texto com o mesmo olhar do camarim, o mesmo olhar que ela outrora não soube lidar. O que causou na atriz uma lentidão nas palavras e o mesmo nervosismo que a estremeceu por dentro naquele dia, mas agora haviam câmeras e um diretor muito exigente para deixar o ritmo da cena cair, portanto, não houve alternativa a não ser continuar. A única coisa que poderia fazer era ajeitar as roupas de Raquel e continuar dando o texto.



"Que eu vejo todo mundo assim super preocupado com sobrevivência. Tá certo, sobrevivência é importante mas... sei lá, todo mundo muito preocupado em conseguir um emprego, quer dizer o quê um emprego?" - trazendo seus trejeitos para Raquel, Regina começou a esfregar as mãos em sinal de nervosismo com aquela situação que já estava começando a lhe perturbar. — "É raro encontrar uma pessoa assim com vontade de arregaçar as mangas, de trabalhar, de produzir... você não acha?"


"Eu acho que eu queira te encontrar de novo."



Mesmo sendo aquelas palavras já sendo decoradas e sabidas pela atriz que seriam faladas, escutar isso da voz do homem a fez transpirar cada vez mais e no seu interior, ela só se praguejava em saber que aquilo poderia ser um péssimo sinal para o seu rendimento. Ela também se lembrou da frase dita por ele aquele dia.


"Você, Raquel. Eu quero você"



"Você quer me encontrar outra vez?" - alheio a todo o alvoroço que causava no interior na colega de cena, Antônio dava vida a Ivan Meireles seguindo o texto conforme as instruções do Ricardo.


"É que eu tô com uns problemas aí com a minha filha, ela andou se ligando com gente que não devia e..." - coitada, a atriz se atropelava nas palavras fazendo Ricardo, da cadeira de direção, querer soltar rojões de felicidade por tamanha técnica, mal sabia ele que aquele nervosismo era o da própria Regina. — "E inclusive veio de Foz aqui pro Rio sem a minha autorização, mas quando eu resolver esses problemas... É claro que eu quero te encontrar de novo, tenho vontade." – a atriz fugia a todo tempo dos olhares que tanto lhe incomodavam. — "Eu vou resolver rapidinho esse problema com a minha filha sem dúvida nenhuma. Ela é tão criançona, super imatura assim, sabe? Ela diz que vai ser rica! Ela fantasia muito as coisas que fica vendo em revista, novela. Ela sonha em entrar para um mundo que ela vai ter que continuar vendo mesmo em novela e revista."


— E corta! Incrível, galera. Regininha, o agitar das mãos foi fabuloso. Antônio, a hora que você apoiou o rosto na mão foi incrível, era disso que eu estava falando.



Ricardo dizia enquanto se encaminhava em direção aos dois que continuaram sentados. Antônio passou rapidamente o olhar pela colega de cena que recebia encabulada os elogios que vinham e segurou sua mão dando um sorriso de apoio seguido de um "parabéns" que só fez com que a mulher deixasse seus pensamentos mais confusos que o normal. Banhada em orgulho de seu trabalho e seu equilíbrio em cena, Regina agradecia a confiança em seu trabalho e de mansinho fugiu para o banheiro mais próximo daquela churrascaria e se encarou em frente ao espelho.



— Que tipo e profissional é você hein, Regina? Vai se deixar perder o equilíbrio assim a troco de nada? - ela sussurrava as palavras para si mesma com o propósito de se acalmar e começou a andar por dentro do cômodo com agilidade.



Batidas na porta a despertaram de seus devaneios e a atriz respirou fundo antes de abrir e quando abriu teve a surpresa: Del Rangel estava ali para buscar a esposa com amplo sorriso.



— Del? – a atriz saiu do banheiro e fechou a poeta. — O que você está fazendo aqui?


— Vim te buscar. – colocou uma das mãos no bolso. — Não posso?


— Não, não é isso. É que eu fiquei surpresa. – forçou um sorriso. — E feliz de você ter vindo.


— Que tal jantarmos fora hoje? – Del perguntou enquanto caminhavam. — Tem um novo restaurante no Leblon e eu queria ir.


— Ele teve boas recomendações? – tentando se manter interessada, Regina mandou para escanteio as aflições que atormentavam aquela sua mente.


— Eu não sei, ele é muito novo e eu queria ir.


— Ricardo, estou dispensada? - perguntou enquanto se aproximava do diretor.


— Oi, Regininha, está sim, pode ir. - cumprimentou Rangel com um aperto de mão. — Bom descanso.


— Para você também. - pegou suas bolsas, e deu os textos na mão do esposo. — Eu vou trocar de roupa no trailer, me espera no carro?


— Claro.



Regina Duarte caminhou até o trailer do elenco e quando abriu a porta, viu Antônio Fagundes se preparando para sair. Os dois se olharam de cima a baixo, ele deu brecha para que ela passasse e saiu deixando-a sozinha dentro do cômodo. O cheiro do perfume masculino impregnava o ar e causava um tremor no corpo da mulher que não sabia o que fazer. De frente ao espelho, Regina se despediu do figurino de Raquel, colocou seu jeans, a blusa e calçou os tênis e se jogou na cadeira por alguns instantes.



— Eu não posso colocar tudo a perder, não posso. - tirou da bolsa um cigarro e acendeu. — O que eu vou fazer?



Horas mais tarde, Antônio caminhava lado a lado com Nathália Timberg sentido o estacionamento da Globo conversando amenidades. A mais velha falava sobre as experiências de vida e trabalhos passados enquanto homem escutava como uma criança deitada na cama vendo a mãe contar histórias de ninar com os olhos brilhando. Quando tocaram no assunto "entrosamento entre colegas", uma luz acendeu em sua cabeça.



— Você já teve algum colega de elenco com quem já tivesse trabalhado uma vez e depois tenha percebido uma certa barreira quando foram trabalhar de novo? – a olhou. — Como se ele estivesse te evitando?


— Oh, sim! É claro que já. - Interessada em ajudar o amigo, ela perguntou. — Isso está acontecendo com você agora?


— Não sei... quero dizer, acredito que sim. Na frente das câmeras é tudo legal, temos uma transa boa em cena, mas detrás das câmeras é como se ela me evitasse a todo o custo, como se eu fosse um monstro, sabe? Eu não sei o que fazer para quebrar o gelo. – ele dizia enquanto caminhavam até o carro de Nathália. — Às vezes eu penso ser coisa da minha cabeça, às vezes eu tenho a impressão que todos ao nosso redor vêem esse clima pesado.


— Fafá, essas coisas podem se agravar com o tempo e prejudicar o rendimento do seu trabalho. Como você bem disse, pode ser coisa da sua cabeça. Mas se não for? Você vai deixar que seu trabalho seja comprometido pela falta de diálogo? - a atriz tirou da bolsa a chave de seu automóvel e enfiou-o na porta. — Olha, eu não quero saber com quem você está tendo esses problemas, não me é pertinente, mas resolva. Se for um mal-entendido, vocês ajeitam e seguem a vida, mas se não for, achem uma forma desse trabalho ser o menos maçante possível.



Antônio sabia que Nathália estava coberta de razão, mas como ganhar coragem e perguntar a Regina o que estava lhe incomodando? Se ela interpretasse errado e o tratasse com verdadeira rispidez? Ele nunca gostou de trabalhar com colegas que não se desse bem.



— Vamos ter duas semanas de folga, tenta pensar com bastante empenho e vai chegar a uma conclusão. – Timberg entrou no carro e olhou o amigo que gradualmente se afastava. — Agora vai para casa. Relaxa, descanse, coloque seus textos em dia. Você vai saber o que fazer.



A veterana deu partida no carro deixando o estacionamento e um Antônio com a cabeça cada vez mais confusa para trás, ele estendeu a manga da blusa vendo as horas que o relógio exibia.


                                                         20:53


Com umas pastas em mãos, ele virou as costas indo para o próprio carro, sabia muito bem aonde ir para relaxar. O Charbon Rouge era um restaurante dividido em vários ambientes onde cada um dos que ali frequentavam poderiam contemplar de um bom vinho, acompanhado de uma boa massa e em dias sortudos como aquela sexta-feira, uma boa música em tom ambiente apenas para não deixar que o tintilar das taças ou que os garfos batendo no fundo dos pratos fossem escutados.


Antônio Fagundes era um profundo admirador do local especialmente depois das nove da noite, já que era o tempo que o restaurante ficava parcialmente vazio, e no fim dos anos oitenta, as pessoas preferiam em uma sexta-feira à noite, frequentar uma boate com música agitadas e com bastante bebidas alcoólicas. Usando roupas despojadas, o homem deixou de lado suas preocupações e se deslocou até o bairro da Lagoa onde o restaurante era localizado. Como um cliente já conhecido, o galã esbanjava simpatia ao cumprimentar todos os funcionários por quem passava até que chegou ao bar que estava relativamente cheio e sentou ao lado de uma mulher.



— Com licença, este lugar não está ocupado, certo? - ele estendeu a mão para o empregado de bar.


— Não, mas se estivesse agora não estaria mais porquê você já sentou. - a moça, que segurava uma taça de champanhe, disse após um curto gole.


— Me desculpe se ofendi você, mas se incomodo posso mudar de lugar. - o empregado de bar chegou até ao ator. — Conhaque puro, por favor.


— Mesmo? Você promete que vai sair?  - a mulher até então misteriosa, tirou da bolsa um pequeno espelho para retocar o batom que usava e Antônio não pode deixar de cobiçar a boca da até então estranha. —  É sério mesmo que você não lembra de mim?


— Eu deveria lembrar? - confuso, o homem não sabia onde colocar a cara.


— Você me colocou para dentro quando estreou "Cyrano de Bergerac" em São Paulo, na época eu não tinha idade para entrar. - ela estendeu a mão ao ator. — Me chamo Mara. Mara Carvalho.


— Caramba, é mesmo! Que memória ruim a minha. Me desculpe por isso, Mara. - galanteador como sempre, o homem estendeu a mão para cumprimentar a mulher com um grande sorriso no rosto. — Mas crianças não deveriam estar fora da cama a uma hora dessas, não? Podem acontecer coisas muito chatas.


— Essa é a sua melhor cantada, Fagundes? - a moça apenas arqueou a sobrancelha — Pensei que fosse melhor nisso.


— Se você ainda quiser que eu fique do seu lado, talvez eu pense em alguma cantada melhor até o fim da noite. - molhou o lábio inferior antes de beber um pouco de seu conhaque.



Na zona oeste do Rio de Janeiro, Regina alternava o olhar para o espelho que mostrava o corpo envolto por um roupão e a cama que dividia com o marido com dois exemplares de roupas. Desde que havia dado a vida a Porcina, a morena havia aprendido que alguns exageros na vida poderiam ser bem vindos, mas com a pouca ajuda que estava tendo do marido naquela noite, ela o despachou para fora do quarto e escolheu usar um blazer com ombreiras em tom bege, uma calça preta com mocassins brancos nos pés enquanto nos dedos estavam alguns anéis e seus inseparáveis óculos também na coloração bege no rosto.


Ao chegar na sala, passou por Gabriela que estava lendo um livro, André estava com fones no toca fitas com os olhos fechados e nem ao menos ligou para a mãe e João, que ao contrário dos irmãos, foi o único a correr para os seus braços para enchê-la de beijos e abraços. Naquele momento, a atriz quase deixou com que o marido saísse sozinho para ficar curtindo a companhia de suas crianças.



— Não espera a mamãe, ok? - Regina disse enquanto bagunçava os cabelos de seu mais novo. — Eu vou demorar um pouco, mas passo no seu quarto quando chegar.


— Promete, mamãe?


— Prometo.


— Promete quanto? - o menino cruzou os braços e olhou para a mãe com uma expressão desafiadora.


— Quanto? Hum! Deixa eu ver... - coçou o queixo de uma maneira teatral para convencer o filho. — O tamanho dos aviões que a gente anda quando vai ver a tia Tereza está bom para você?


— Sim! - o pequeno João comemorou e pulou de novo dos braços da mãe onde recebeu um mundaréu de beijos.


— Querida, vamos? - Del apontou na porta não deixando de ver a imagem que tinha da esposa com o enteado e soltando um sorrido ladeado. — Eu já liguei o carro.


— Claro, vamos. Cuidem-se, crianças. Não façam nada que eu não faria. - deu mais um beijo na testa do filho e se levantou. — Ei amor, eu dirijo hoje.



Dirigindo o carro do marido, Regina seguia as coordenadas dadas por ele até chegar ao Leblon, onde a fachada do restaurante indicava uma enorme fila e uma pequena confusão para entrar. Os dois, desanimados com o possível desfecho da noite, resolveram então darem umas voltas por alguns lugares até que a atriz resolveu estacionar em frente a um restaurante muito bem ambientado na Lagoa, que por sinal estava muito vazio para uma sexta-feira.


Ao saírem do carro, o casal caminhou de mãos dadas até a entrada do estabelecimento trocando pequenos chamegos e sorrisos como se por naquele momento nenhum problema conjugal os incomodasse.


Ao entrarem, como figuras públicas que eram, foram automaticamente encaminhados uma das melhores mesas que se localizava entre o bar e uma parede de vidro com aspectos futuristas que dava a vista para a lagoa Rodrigo de Freitas completamente iluminada. O céu limpo de nuvens e banhados em estrelas estavam prontos para acarinhar a noite do casal.



— Você nunca tinha me falado desse lugar, é muito aconchegante. - após pedir a entrada, Del olhou a esposa.


— Foram poucas às vezes eu vim até aqui. A comida é boa, não é cheio e não nos tratam com todos aqueles paparicos como nos restaurantes que a gente vai em São Paulo. - Regina disse enquanto bebia a taça com água. — Claro que eu não estou reclamando, mas é que às vezes eu não queria ser famosa. - pensou em voz alta logo após um tempo sendo observada aos olhos atentos do marido. — Eu queria criar meus filhos em paz. Conseguir andar pela praia, ir a reuniões da escola... Essas coisas de que mães normais fazem.


— Você não precisa se culpar a todo o tempo por não estar sempre aos pés das crianças, isso é normal porque você é uma mulher que não está casada com o pai deles e de qualquer forma teria de estar trabalhando fora para sustentá-los. - acarinhou as mãos da esposa e sorriu. — Não é fácil ser artista, mas não é fácil ser qualquer outra coisa no país que a gente está vivendo agora. Pelos menos com o seu trabalho você consegue dar as crianças algum conforto. - deu de ombros. — Imagina você sendo uma operária ou faxineira? Trabalharia o triplo e mesmo que quisesse, não teria tempo para eles.


— Por que eu não te conheci antes, hein? - Regina sussurrou enquanto secava as lágrimas com o canto dos dedos. — Eu te amo, obrigada por isso.


— Agora vai secar limpar esse rosto antes que pensem que a namoradinha do Brasil está tomando um fora em um jantar programado pelo marido. - Del Rangel brincou com a esposa e riu junto dela. — Eu também te amo.



Antes de Regina se levantar, passou o olhar pelo ambiente procura do banheiro até que começou a prestar a atenção em vozes e gestos vindos de um ponto específico do bar.


Ela não podia acreditar no que estava vendo, ela não queria acreditar no que estava vivendo, ela não queria ver o que estava vendo, Antônio estava na companhia de uma garota que tinha a aparência de ser filha dele aos risos e sorrisos como se fossem amigos de longa data. Sendo a boa atriz que era, saiu à francesa indo em direção ao banheiro que por desgraça, tinha de passar por eles para chegar.



— Eu atirei pedra na cruz, não é possível. - murmurou.



No banheiro, ela foi reconhecida por duas senhorinhas que a elogiaram por Porcina e por Malu, de Malu Mulher. Esbanjando simpatia mesmo que por dentro estivesse quase tendo um colapso, ela sorriu a deu autógrafos nos papéis de secar as mãos. Despedindo-se das senhoras, ela entrou em uma das cabines e ficou lá por cerca de cinco minutos. Se lembrou do marido e das palavras doces, se lembrou dos filhos, do olhar de João antes de sair de casa e quando deu por si, estava lembrando dos olhares de Antônio no camarim e na cena quando Ivan olhava descaradamente os seios de Raquel e seu baixo ventre esquentou de maneira irreconhecível.


Mas já dizia o famoso ditado popular... desgraça pouca é bobagem.


Ao sair do banheiro, a atriz deu de cara com a imagem de Fagundes que estava escorado na parede no pequeno corredor que levava ao banheiro feminino com as mãos nos bolsos da calça e o cigarro aceso entre os lábios. Os cabelos levemente grisalhos estavam penteados para trás e os olhos estavam muito diferentes do que Regina havia visto nas gravações de hoje, estavam questionadores, curiosos.



— Nós nos conhecemos há uns vinte anos e nem quando trabalhamos juntos na primeira vez você me tratou como está me tratando agora. - muito tranquilo, o intérprete de Ivan Meireles foi direto como uma flecha. — O que eu te fiz?



Por outro lado, se Regina já era uma mulher relativamente baixa, agora ela havia ficado do tamanho de uma formiga. Davi e Golias nunca havia sido traduzido tão bem como a situação em que ela se encontrava com o companheiro de cena. O que ela iria dizer? Que estava se sentindo pessoalmente confusa com os olhares que ele dava a ela dentro e fora de cena? Que ao pensar nele menos de cinco minutos atrás ela sentiu calores a arrepios estranhos onde nem em universos paralelos deveria sentir?



— Se você não gosta de mim ou eu fiz algo que não te agradou, eu preciso que você fale e não me trate como se fosse um estranho para você. – tragou o cigarro. — Está todo mundo comentando já.


— É... é qu-e eu - "fodeu". Era só isso que passava na cabeça da atriz, ela abria a boca e fechava sem nenhum som sequer sair de sua boca.


— Quer saber? - tranquilo como um cisne, Fagundes expeliu a fumaça. — Foda-se! Mas saiba diferenciar uma coisa, Raquel e Ivan vão se apaixonar, mas você está acabando com toda a consideração que eu lhe tinha.



Regina não sabia o que falar, não sabia o que pensar e até esqueceu como se mover com a intensidade com que as palavras do colega para com ela. Os olhos da morena encheram-se de lágrimas e mesmo que lutasse contra, mesmo que não quisesse, elas caíram terminando de embaçar seus olhos e consequentemente, seus óculos de grau.


Ela voltou a mesa passando por Antônio e Mara no bar de cabeça baixa e Del Rangel, vendo estado da esposa, nem deixou com que ela tocasse nos pratos, pediu a conta com a mesma agilidade com que a tomou pelos braços e a levou para o carro.



— Eu estou bêbada demais ou aquela ali é a Regina Duarte? - disse Mara ao olhar em direção as escadas que levavam a saída do restaurante.


— Você não está bêbada demais e sim, aquela é Regina. - Antônio nem se deu o trabalho de olhar para os dois, sabia que a moça estava vendo.


— Achei ela um pouco cafona, não acha? Aquelas roupas dão a ela uma cara de uma senhora de noventa anos! - Mara riu, tirando da bolsa uma carteira pronta para pagar pelo que consumiu. — Hey, a conta.


— Não, eu faço questão. - Fagundes a interrompeu não deixando com que ela tirasse os cruzeiros necessários para pagar. — Aceite isso pelo pedido de desculpas por não ter te reconhecido.


— Isso vai ser muito pouco. – a jovem arqueou a sobrancelha.


— O que mais eu posso fazer para te satisfazer? – sorriu. — Te arrastar daqui?



Completamente rendida com a atitude do homem, Mara aceitou de bom grado com que ele pagasse a conta e em seguida os dois foram embora juntos do restaurante.


Del Rangel carregava a esposa pelos braços enquanto ela não sabia nem sequer traduzir onde estava. O choro era copioso, dolorido, tão sentido que o interior do homem que a carregava contorcia-se em desespero por seu estado. Com receio com do fato de alguém vê-los no meio de um estacionamento qualquer, a atitude dele foi colocar a esposa para dentro do automóvel e dirigir o mais rápido possível para o mais longe que desse. Regina não mais chorava, todavia, a cabeça recostada no banco do carro estava virada para a vista da cidade. Nada via além da imagem de Antônio e sua posição tranquila ao falar as palavras que tanto a magoaram.


Del, por sua vez, alternava o olhar na direção do veículo e a imagem da esposa com os olhos preocupados. Ela não falava, não piscava e só se percebia que ela respirava por causa do peito que vibrava a cada puxada de ar mais profunda. O pior era que a atriz não compreendia o porquê de estar daquela forma com uma pessoa que não deveria mexer com ela na forma que mexia, não poder controlar algo que sabia estar no alcance de suas mãos, doía demais.



— Amor, está bem para falar agora? - Del havia encostado o carro na fachada da casa que moravam.



Regina só havia notado que o carro não mais se movimentava quando seu olhar focou na entrada da sua casa e percebeu a fala de Del para com ela.



— Não sei, acho que não vou estar bem para falar nunca. - virou o olhar para o volante do carro e elevou os óculos de grau a cabeça. — Eu estou me sentindo tão cansada, exausta, como se uma bigorna de uma tonelada estivesse sobre meus ombros. Eu não sei como começou, mas só quero que isso acabe. - os olhos da atriz se fecharam tentando controlar as lágrimas. — Eu tenho medo de tudo isso sair do controle e acabar me destruindo, Del. Eu não sei o que fazer.



A primeira reação do marido de Regina foi tirar o cinto de segurança e abraçar a esposa enquanto sentia as lágrimas quentes banharem sua blusa de linho.



— Eu não posso fazer nada para ajudar você? - ela negou dentro do abraço. — Será que isso não é a crise da meia-idade? – tentou descontrair.


— Já passei por isso quando fiz quarenta, Rangel. - a atriz riu entre o choro e beijou o antebraço do marido. — Amor? - afastou-se apenas para olhar nos olhos dele.


— Que foi? - ele colocou os cabelos negros atrás da orelha dela.


— Faz amor comigo. - Regina tirou os óculos da cabeça e se sentou no colo do marido descansando as pernas a cada lado do corpo dele. —  Faz eu me sentir amada, desejada, sentida...


— Regina, que isso. - ele tentava argumentar quando sentiu ela esfregar-se nele.


— Por favor, não. - ela colocou o dedo na boca dele e balançou a cabeça em negação. — Não fala nada. Só me ame.



Ali no carro com a Lua e as estrelas testemunhando, Regina e Del amaram-se mais uma vez.


                                                          *******


Rio de Janeiro, 03/02/1988. Quarta-feira.


A luz do sol invadiu a janela do quarto com tanta veracidade que às sete horas da manhã era impossível que Antônio continuasse a dormir. Ele abriu os olhos, sentou-se sobre a cama e percebeu a nudez em seu corpo se lembrando da noite que passou ao lado da jovem que atendia como Mara. Ele enrolou-se no roupão que ficava no cabide ao lado da cama e começou a andar pelo apartamento a procura daquela que passara a noite. Nenhuma presença além da dele, nenhum cheiro além do café recém passado, nenhum rastro de que havia transado com alguma mulher nos últimos dias além da lembrança. Chegando na cozinha, ele se serviu do café quando percebeu um bilhete preso na geladeira marrom.


"Obrigada pela noite e pelas bebidas, nos encontramos nas coxias da vida.
Beijos, Mara."



Antônio riu e desfilou a língua pelo lábio inferior lembrando de como a noite anterior havia começado e como havia terminado. Os olhos negros fecharam-se saboreando o gosto forte do café em sua língua e partiu para um banho.


Depois de um tempo, junto de um táxi, ele rumava ao aeroporto com destino a São Paulo onde assinaria os papéis da separação com Clarisse e a última conversa que eles tiveram soaram em seus ouvidos como o sino que badalava na Igreja da Penha.


Já na selva de pedra, o ator traçava o caminho ao bairro dos Jardins onde já era esperado da ex esposa, o advogado dela e o seu advogado onde pautariam a guarda, as posses e todos os trâmites necessários para que os dois se livrassem daquele martírio que era continuarem casados. Clarisse e Antônio mantiveram o silêncio durante toda a reunião e quando falavam era apenas o necessário para que tudo aquilo tivesse um fim menos traumático possível.


Clarisse olhou os papéis.
Segurou a caneta.
Os olhos cheios de lágrimas olharam o marido.
Ela hesitou, mas assinou.


Antônio fechou os olhos e apertou os lábios enquanto tentava se manter forte ao assinar os papéis. A guarda seria de Clarisse com finais de semana alternados para Antônio, assim como feriados e a estipulação do valor da pensão dada pelo ator para a criação dos menores. Antônio saiu do edifício junto do advogado apertando a mão dele.



— Marcos, muito obrigado por isso. - Fagundes levantou os óculos escuros e olhou nos olhos do amigo e advogado.



— Separação judicial nunca é fácil, mas você se saiu muito bem. – Marcos ajeitou a gravata do terno. — Dentro de um ano vocês já podem pedir o divórcio, e com sorte, saírem o menos lesados disso tudo. Já arrumou um apartamento novo por aqui?


— Vou, ainda não comprei nenhuma e só devo começar a procurar depois que meu trabalho no Rio acabar.


— Você sabe que as crianças não podem ficar fazendo ponte aérea para sempre, você vai ter de procurar uma moradia aqui quanto antes. - o ator prontamente concordou. — Bom, você sabe o que deve fazer, qualquer coisa é só chamar. - o homem foi até o táxi que lhe esperava.


— Antônio? - Clarisse chamou pelo ator enquanto descia as curtas escadas do prédio.


— Oi, Clarisse. - deu um sorriso afetado.


— Olha, o seu carro e algumas coisas suas ainda estão lá em casa, se você quiser pegar... estou voltando agora. - apontou seu próprio carro. — E as crianças sentem a falta do pai.


— Só as crianças? - levantou os óculos escuros de modo sugestivo.


— Para com isso, não tem graça. - acendeu um cigarro. — Vai ou não vai? – estendeu a chave do carro.


— Vou. - pegou as chaves do carro que Clarisse lhe ofereceu. — Olha, eu não vou ficar grandes temporadas aqui em São Paulo devido à novela, mas você pode me ajudar a comprar um apartamento por aqui?


— Se você não vai ficar muito tempo aqui, por quê vai comprar outro apartamento? - olhou para os dois lados antes de atravessar a rua. — Não é melhor usar o que você já tem aqui nos Jardins?


— Eu sempre esqueço daquele apartamento, sabia? - seguiu-a até o carro e andou até o lado do motorista. — Se eu te der a chave, você pede para alguém ir lá fazer uma limpeza? – destravou as portas.


— Claro, sem problemas. - Clarisse se acomodou no assento do carona. — Pelo menos você não fica longe das crianças.


— Estou pensando mesmo nisso. - ligou o carro. — Eu vou lá na sua casa, pego as coisas e o carro e deixo no apartamento dos Jardins, quando estiver voltando para o Rio, deixo as chaves com você, está bem assim?


— As suas chaves já estão comigo. - tragou o fumo. — Você não levou quando foi embora.


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Rio de Janeiro, 05/02/1988. Sexta-Feira.


Gabriela carregava uma vela acesa pelo corredor, seguida por João que segurava uma rosa vermelha, André que carregava uma bandeja de café da manhã, os três seguiam Del Rangel rumo ao quarto onde Regina dormia. Ao entrarem, a canção "Parabéns pra você" foi cantada com tanta animação que impossibilitou para a namoradinha do Brasil acordar de mau humor. João, sendo o caçula, sentou no colo da mãe onde foi recebido com um grande abraço, um beijo e um afago na cabeleira loura.



— Ah, que maravilha! - Regina batia palmas felizes enquanto todos cantavam a tradicional música. — Eu amo tanto vocês.


— Parabéns, mãe. - Gabriela sentou na ponta da cama e apontou a vela. — Faz um pedido.


— Faz um pedido legal, mas não conta porquê senão não se realiza. - André continuou dando uma piscadela cúmplice para a mãe.



Regina olhou a vela, os filhos, o marido e empregada na porta do quarto com um sorriso tão grande e iluminado que se não houvesse sol pelo resto o dia e ela continuasse sorrindo, nem faria falta. Soprou a vela banhada em expressões teatrais para em seguida olhar a bandeja que André colocava em seu colo.



— Mas nessa bandeja tem de tudo, quem vai comer isso? - ela perguntou admirada vendo a variedade de quitutes que ali estavam dispostos.


— Eu vou. - João largou a rosa na cama e se sentou ao lado da mãe.



Todos riram, é claro que ele iria ajudar a mãe a comer.



— Para você. - Del se sentou na poltrona ao lado da cama e apontou uma caixinha aveludada para esposa.



Regina segurou a caixinha com cuidado, abriu de forma vagarosa e viu que se tratava de um colar de prata com um pingente relicário circular. Ao abrir a joia, ela viu que um lado abrigava uma fotografia da época que fazia Malu Mulher e o outro lado segurava uma foto de sua adolescência com seus pais e irmãos em Campinas. Ela ergueu o olhar ao marido passando em seguida aos filhos com o coração tão inflado de amor, que a única coisa que pôde fazer foi trazer cada um para perto de si para dar um beijo e um abraço apertado.



— Abraço coletivo na dona Regina! -  André falou sendo seguido dos demais.



A mais velha nem tinha pra onde correr e a única escapatória foi abrir os braços para deixar se abraçada pela família.


Regina se levantou após tomar café da manhã na companhia dos filhos e do marido e dedicou-se a um longo banho. Não passava das onze da manhã quando pela porta da entrada a voz de Tereza Duarte invadiu os tímpanos da atriz fazendo com que ela desse um dos maiores sorrisos do mundo. Estava tão feliz! As mulheres se abraçaram por longos minutos trocando confidencias ao pé do ouvido, ao se separarem, Tereza percebeu que Regina chorava, mas não era de tristeza, era de nostalgia e felicidade.


As horas foram avançando e o jardim da casa da atriz foi se enchendo de mesas, cadeiras e enfeites para sua festa e enquanto Tereza, Gabriela, Del e Rita cuidaram da decoração, a atriz se trancou em seu escritório para pensar na vida.


Quarenta e um anos.
Quase meio século.
Era muito tempo.


Havia passado por tanta coisa, sobrevivido a tantos males, alcançado tantas conquistas que não tinha espaço em seu peito para o arrependimento. Conquistou tudo o que havia conquistado com muito trabalho, muito esforço, muita dor, mas havia sobrevivido. No dia de seu aniversário, brindava a sobrevivência.


Regina também se perguntou o que teria acontecido se tivesse feito algumas coisas de outras formas. Se perguntou qual seria o resultado, o que teria conquistado e não soube responder. Não teria como saber, não viveu as hipóteses que se passou em sua cabeça. Seus pensamentos voaram para mais longe. Voaram para Antônio e seu olhar, seu jeito meio manso, meio grosso, sua voz, sua presença e o modo em que ela ficava em sua presença. Não aguentava mais esconder o que escondia no peito, doía mentir para ela mesma, sufocava olhar para aquele homem e não contar a verdade que tanto lhe assombrava e se prometeu uma coisa, contaria a verdade mesmo que sua vida se tornasse um inferno.


Não sabia como.
Não sabia quando.
Mas faria.


As batidas na porta do escritório a despertaram de seus devaneios, era Rita avisando que as roupas que escolheu usar naquela noite já haviam chegado da lavanderia e que a noite estava caindo. Em seguida, João correu para a mãe lhe avisando que Dina ligou e que a qualquer minuto chegaria. Regina sorriu, pegou o filho no colo e beijou seus cabelos.


Não se permitiria ficar triste naquele dia.


A noite finalmente caiu fazendo com que Lilia Cabral, Lima Duarte, Daniel Filho, Cássia Kiss, Dina Sfat entre outros famosos chegassem na casa da Barra para que Regina nunca se esquecesse de que teria um grupo grande de pessoas em que pudesse se apoiar. Renata Sorrah, chegou junto de seu marido Euclydes Marinho e sua filha Mariana com uma caixa em mãos, dentro dela havia uma bolsa de grife junto de um livro de Paulo Coelho para o acervo pessoal da atriz intérprete de Raquel Accioli.


Na zona sul da cidade maravilhosa, Antônio Fagundes via o avançar das horas com um certo tédio. Havia chegado de São Paulo na tarde daquele dia e voltaria para lá daqui a dois dias e com a solidão que sentia, se perguntou o motivo de ter escolhido voltar.


E se lembrou.


Era noite do dia cinco de fevereiro, era o aniversário de Regina Duarte. Ela o havia convidado pessoalmente para a comemoração de seu aniversário, lhe entregado um papel com seu endereço e na expectativa de talvez quebrar aquela parede de gelo que havia se instaurado entre eles, o homem tinha até comprado uma pequena lembrança para dar de presente a colega de elenco.


Dennis Carvalho havia ligado para o amigo no início da noite e sua resposta foi negativa, não iria. Mas aquela sacola de bolinhas em cima da mesa de sua sala estava praticamente gritando para ser entregue a destinatária e ele continuava a ignorar aquele pedido. Como chegaria na casa da mulher e comemorar seu aniversário como se eles praticamente não tivessem cortado relações dois dias antes? Como lhe estender aquela sacola, lhe parabenizar, beber e comer de sua comida sem se sentir incomodado? Como ela o receberia após ter ouvido tudo o que ouviu dele?


A verdade era que Antônio estava pensando muito em Regina, e não gostava da sensação de uma mulher não sair de sua cabeça.


Por esta mesma sensação, o galã deu um salto do sofá, se arrumou, passou seu melhor perfume, pegou aquela maldita sacola, seus pertences e saiu do apartamento que morava. Enquanto guiava o carro, Antônio, fumava seu cigarro e ouvia músicas no toca fitas. Seus pensamentos foram longe, suas expectativas estavam altas e ele não via a hora de finalmente pôr em pratos limpos aquela situação que lhe pesava os ombros.


Dirigiu seu carro por quase uma hora e quando finalmente chegou na rua em que a atriz morava, foi atraído quase que imediatamente a parede branca e os portões de madeira escura envernizada. Desligou o automóvel, olhou o pouco movimento da entrada, mas sem deixar de notar a quantidade de carros que se amontoavam por ali. Tirou a chave da ignição, acendeu um novo cigarro, segurou a sacola e saiu do carro.


Quando finalmente pisou no caminho de pedras que levava ao interior da residência, Antônio percebeu que não havia sentido algum estar ali, que não havia como quebrar aquela parede de gelo e aquele caminho de pedras agora começou a parecer o corredor da morte de tão assombroso. Não tinha mais nada a fazer e nem a falar, por isso, virou as costas.


Contudo, sua chegada já havia sido notada.


Regina Duarte conversava com a chefe da equipe que servia os comes e bebes de sua festa quando ergueu o olhar para a entrada e viu Antônio virar as costas. Seu coração bateu forte e acelerado, suas mãos suaram e ela, na tentativa de saber o que havia acontecido para que o homem não entrasse em sua casa, deixou a mulher, Lilia e Cássia que tinham em sua direção para trás e o seguiu até o meio da rua.



— Antônio?



Ele parou ao escutar a voz tão conhecida por ele chamar, respirou fundo erguendo o olhar aos céus e virou-se para ver a imagem de Regina Duarte equilibrada em uma saia lápis preta, scarpin de salto mediano, blusa de botões com estampas de flores e os cabelos penteados de lado. As mãos estavam cruzadas na frente do corpo enquanto o olhar assustado transbordava o medo do que aquele encontro poderia resultar.


Por outro lado, Antônio parou para admirá-la pela primeira vez com outros olhos. Ela era realmente bonita. Muito bonita. Bonita como nunca havia notado antes. Seus passos foram em direção a eterna intérprete de Porcina e enquanto o cigarro descansava em seus dedos, sua única reação foi esticar uma pequena sacola de bolinhas em direção a mulher. Ela segurou, olhou para as mãos dele e abriu a sacola tirando de lá o exemplar de A falta que ela me faz, de Fernando Sabino.



— Acredito que você vai gostar, é um livro de crônicas. – coçou os cabelos, estava tenso. — Olha, me desculpa, eu não devia ter falado com você daquela forma grosseira... - ele começou a se explicar.


— Está tudo bem, não significou nada. – ela o cortou. — Eu mereci aquela grosseria.


— Não, não está nada bem. Eu fiz você chorar. – os olhos de Regina arregalaram-se — Você acha que eu não vi? Que eu não percebi? – Antônio resolveu suavizar, ser um pouco mais ameno. Já que estava no inferno que mal faria abraçar o diabo? — O quê foi que eu te fiz, Regina?



A boca da atriz secou e ela nunca havia desejado tanto um cigarro como naquela hora. Regina mordeu o lábio inferior pintado de marrom e tentou achar uma forma de explicar a ele o porquê do afastamento.


Lilia e Cássia pararam quando viram a amiga praticamente correr para o lado de fora de sua casa e se olharam. Regina era preguiçosa, não gostava de correr. Só uma coisa realmente urgente a faria sair correndo, e ainda por cima, de saltos altos.


Por isso, foram atrás.


Mas nenhuma delas contavam que veriam o estavam vendo. Antônio Fagundes estava relativamente perto da amiga, perto até demais para alguém que até onde sabiam, era um simples colega de elenco. Cássia coçou a têmpora e Lilia entonou a cerveja que estava em seu copo.


Fagundes e Duarte estavam próximos demais.
Eles se olhavam profundamente.
Conversavam baixo demais.


Não era bom sinal.

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