Os Seus Botões

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Regina estava desolada. Ao ver o carro de Antônio cantar pneu estacionamento afora, a mulher andou até o seu carro e chorou copiosamente sentada no banco do motorista. Ela chorou por frustração, por raiva, por culpa e pelo desejo que nutria com tanta força pelo galã. Seus olhos estavam tão vermelhos que quem a visse poderia jurar que ela fumou um daqueles cigarros mágicos ou que foi vítima de uma grave conjuntivite.


A atriz passou dez minutos dentro daquele carro afogando suas mágoas e sabendo que não podia continuar com aquela loucura, estava tudo caminhando tão bem antes. Eles estavam evitando qualquer contato, ela continuava a mostrar para todos que aquela situação não a afetava e assim conseguia até fingir para o marido que sua vida estava dentro da normalidade como antes de começarem as gravações de Vale Tudo. Três batidas na janela do carona fizeram com que a mulher desse um salto do banco para olhar a figura de Daniel Filho sendo molhado pela chuva que caía, então rapidamente abriu a porta para o amigo que se sentou e tirou os óculos para secá-los na barra da blusa.



— O que foi? - Regina perguntou após pegar um lenço de papel na bolsa e soar o nariz. — Veio sem carro hoje?


— Também. - Daniel respondeu após secar os óculos e o colocar de volta no rosto. — Mas estou te vendo há algum tempo aqui, você não é de chorar por qualquer coisa, o que foi? - viu Regina disfarçar. — E não venha me dizer que não tem acontecido nada porquê além de eu ser seu ex marido, te conheço há anos.



Regina respirou fundo e tirou os óculos prendendo-os na gola da blusa. Jogou a bolsa para o banco de trás e ligou o carro de modo impaciente, arrastando os pneus pelo chão molhado e indo embora com Daniel dali. Conforme dirigia pelas ruas da zona sul, a atriz conversava com o homem como se ela falasse de frente ao espelho. Nada por ele foi dito e sequer ousou a interromper, apenas ficou ali escutando-a como há anos atrás ela foi capaz de escutá-lo. O carro finalmente parou em frente a um prédio muito bonito na rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, e Regina tirou a chave da ignição descansando a cabeça no volante.



— Agora você entende o meu medo, Dani?


— Eu entendo sim, já passei por uma situação parecida. - ele desceu o tapa sol do banco do carona para ajeitar o cabelo pelo espelho que ali havia. — Você sabe bem o que isso pode causar, Regina. O prognóstico de qualquer envolvimento que comece pelo adultério é o fracasso. - ele desceu o vidro e acendeu um cigarro. — Sabe também que a atual conjuntura não é favorável com isso. Você é mãe de três filhos que estão cada vez mais sabidos, tem um contrato de milhões de cruzeiros e tem uma vida a tocar... Você já fez quarenta, acha que tem idade e pique para aguentar dois homens completamente opostos, uma vida pública e filhos?


— Se tive pique para te aguentar, eu aguento qualquer um, Daniel. - o olhou. — Por que você está dizendo isso agora? Soou bem machista.


— Não foi essa minha intenção, não me veja mal, Regininha. - tragou o fumo. — Só que eu não estou vendo saída para você agora além de mandar o Fagundes se explodir. Te apostar foi vacilo. - o rapaz boa pinta jogou a fumaça do cigarro para fora. — Isso não está te fazendo bem, isso está te fazendo perder as rédeas da situação e por mais que você como uma boa aquariana goste de viver no mundo da Lua, colocar os pés no chão é essencial, nossa posição pede isso.


— Eu sei, eu sei, mas isso está soando tão louco e tão tentador que minha cabeça dá uma volta de trezentos e sessenta a cada vez que eu fecho os olhos.


— Já chegou a trocar os nomes? - deu um sorriso irônico.


— Impossível, o nome do Del é Antonio. - os dois caíram na gargalhada e Regina segurou com as duas mãos e mão esquerda de Daniel. — Obrigada por isso. Obrigada por me escutar, por não me apedrejar...


— Não por isso. - ele beijou as mãos da amiga após jogar o cigarro fora. — Sempre que precisar sabe que eu moro ainda no mesmo lugar. - ele apontou para o prédio causando uma grande risada em Regina. — Quer subir? Eu te preparo algo.


— Não vai dar, tenho que ler os textos de amanhã - ela enfiou a chave de volta da ignição. — Obrigada por isso, Dani. Eu te amo.


— Eu também te amo, Regina.



Ele sorriu abertamente e se preparou para abrir a porta do carro quando a voz feminina soou tão melodiosa quando a orquestra de Vila Lobos. Ao se virar, Daniel foi praticamente atacado pelos lábios vorazes de uma Regina que entre outras coisas, procurava voltar ao seu próprio eixo, mesmo que de forma errônea. Os dentes se batiam e os lábios demoraram a achar o tom que soasse agradável para os dois. Coitado de Daniel Filho, ele havia ficado tão assustado que todos os seus objetos caíram sobre seus pés e seu único objetivo foi segurar a nuca feminina e roçar sua língua na dela enquanto tinha seus braços apertados pelos dedos da mulher.



— Você é foda. - ele disse após soltar alguns beijos no pescoço da ex mulher. — Sua casa é longe, sabia que essa chuvarada pode voltar a qualquer momento? Se continuar aqui não vai voltar para casa.


— Você que é foda, ainda sabe muito bem como me desmontar. Seria bom ficar aqui, me acalmar, mas não posso passar a noite fora. - ela segurou em seu pescoço selando seus lábios pela última vez. — Eu senti sua falta, Daniel.


— Eu também senti a sua, Regina. - saiu do carro e ela deu partida para sua casa.



Regina partiu com seu carro rumo a sua casa na Barra da Tijuca e devido à chuva intensa que ainda caía por alguns pontos da cidade, demorou mais de uma hora para atravessar a cidade. Quando finalmente encostou seu carro na garagem e viu o carro de Del estacionado ao lado, desligou-o e descansou a cabeça ao volante se perguntando o que estava fazendo da vida.


Não soube responder.


Estava trocando o certo pelo duvidoso, o bom pelo ruim, o silêncio pelo barulho sem sequer se preocupar como afetaria todos ao seu redor. Beijar Daniel Filho foi um erro e ela reconhecia isso. Se declarar e se deixar envolver por Antônio Fagundes foi um erro pior ainda. Seus sentimentos estavam confusos, sua cabeça estava confusa e carregava a certeza de que as rédeas de sua vida já não estavam em suas mãos.


Regina colocou seus óculos na face, pegou seus pertences e saiu do carro. Antes de se encaminhar para o interior da casa, descansou a mão sobre o capô do carro do marido. Morno. Não tinha muito tempo que ele havia chego. Suspirou mais uma vez e continuou seu caminhar, mas foi interrompida pelo corpinho de João Ricardo que reconhecia a quilômetros de distância o ronco do motor de seu carro.



— Mamãe, você demorou!


— Demorei, meu amor. Me desculpa. - beijou a testa de João. — Como foi seu dia na escola?


— Eu estou aprendendo a multiplicar!


— Já? Você não está na segunda série? - entrou em casa pela cozinha. — Oi, Rita.


— Oi, dona Regina.


— Estou, mamãe. - João se sentou no chão. — E na semana que vem, na aula de Português, vou aprender os verbos.


— Quero ver seus cadernos depois. - sorriu para o filho. — Rita, cadê o Del?


— Deve estar no quarto. - fechou a geladeira. — Chegou não tem muito tempo.


— Vou falar com ele. - tirou as sandálias. — Daqui a pouco a gente vê televisão, filho.



João sorriu para Regina e ela foi caminhando casa adentro cumprimentando seus filhos em voz alta. Ao entrar no quarto, o vazio. Del não estava lá. Ela revirou os olhos e dedicou seu tempo tomar um banho para relaxar. A água quente escorreu por seu corpo trazendo o relaxamento momentâneo e a clareza de pensamentos, estava tão inserida naquele momento que não ouviu Del entrar no quarto e se sentar em seu lado da cama.



— Você acabou saindo da Globo primeiro que eu, por quê chegou tarde em casa? - perguntou ao ver a esposa sair do banheiro.


— O Daniel estava sem carro e como estava chovendo muito por lá, acabei levando ele em casa. - deu de ombros. — Chegou tem muito tempo? - foi até o armário.


— Meia hora antes de você. - tirou o relógio que ainda estava em seu pulso e o colocou na mesa de cabeceira.


— Del, eu te devo desculpas. - Regina disse após se vestir.


— Pelo quê?


— Por ter te xingado, não foi certo.


— Eu exagerei também, me excedi. - a olhou. — Me desculpe.


— Eu só quero que você saiba que eu não faria nada para te magoar, não de propósito. - Regina se sentou na ponta da cama e abaixou a cabeça.


— Regina, tem alguma coisa que você queira me contar? - Del perguntou e ela negou. — Tem certeza?


— Tenho. - deu um sorriso, ou quase isso.


— Vem cá. - abriu os braços para a esposa que se aninhou. — Eu só quero que você saiba que seja lá o que for que esteja te incomodando, eu vou te ajudar, ok?


— Eu sei que vai.



Del Rangel acarinhou os cabelos de Regina Duarte e expirou o ar de seus pulmões com força. Não sabia exatamente o quê, mas tinha algo incomodando sua mulher.



                                          *******



Antônio acelerou o carro com tanto desespero que quase bateu em outro carro ao avançar sobre o sinal vermelho duas quadras depois da emissora. Ele estava completamente desnorteado com tudo que se sucedeu em único dia. Pela manhã, o deleite. Pela noite, o total e pleno desespero. Seu maior desejo naquele momento era bater com o carro no primeiro poste e clamar ao todo-poderoso que levasse sua mísera vida embora por tanto remorso que estava sentindo.


O pobre homem tentava equilibrar a direção do carro com o controle dos soluços e o tragar os cigarros que ele fumava sem nenhum intervalo. Sem saber como, conseguiu chegar em seu prédio são e salvo e no meio do estacionamento ele afogou suas mágoas que se acumulavam desde as turbulências com Clarisse por longos minutos até pegou no sono ali mesmo abraçado com sua bolsa.


Pela manhã, o ator acordou pior do que estava na noite anterior. Suas olheiras estavam profundas, seu pescoço doía e percebeu que estava sua blusa estava toda úmida devido à chuva que o molhou durante alguma parte da madrugada. Ele estava derrotado. Sem saber como ele conseguiu chegar ao elevador, subir dez andares e pisar dentro de seu apartamento. Ao entrar, claridade que atingia o apartamento serviu de um despertador mesmo que forçado para o homem que praticamente se arrastava até o chuveiro.


Não se sabe como, mas algumas horas mais tarde, Antônio caminhava pelos corredores da Globo mostrando ser uma fortaleza sem fim embora estivesse se sentindo péssimo por dentro. Dor de cabeça, misturada e dores no corpo e uma febre de trinta e nove graus faziam com que o ator pensasse que o seu pedido ao todo-poderoso para ser levado dessa para melhor fosse ser atendido a qualquer momento.


Antes de entrar em seu camarim, ergueu o olhar para a porta da frente e viu o nome da mulher que o colocou em seu devido lugar na noite anterior e sentiu sua cabeça latejar, mas não soube distinguir se era apenas a dor ou o peso de sua consciência. Empurrou a porta do cômodo, deixou sua bolsa em cima do sofá e a passos cambaleantes conseguiu chegar ao banheiro para lavar o rosto.


Dor desgraçada, frio insuportável.


Antônio sentiu algo apertar seu pescoço antes e ao tatear a área, puxou o fio dourado de seu cordão. O suor molhava sua blusa e seu rosto, a tontura tornou-se ainda maior quando viu a porta do camarim se abrir e Regina entrar com os olhos marejados.



Por que você fez isso comigo?


— Me perdoa. - tudo girava, mas a imagem dela permanecia imutável.


Por que você me feriu desse jeito? - a voz feminina estava chorosa e ela aos poucos se afastava.


— Não! - ele cambaleou e segurou na sustentação da arara pensando que segurava um dos braços da mulher. — Você não pode ir, você tem que me ouvir.



Até que tudo ficou preto. Antônio perdeu a consciência e levou ao chão seu corpo e as araras que carregavam os figurinos de Ivan Meireles. Renata Sorrah não havia percebido o amigo muito bem quando se cruzaram alguns minutos antes por isso deixou Lilia, Cássia, Daniel e mais alguns colegas na sala de caracterização e foi até seu encontro. Conforme andava pelo amplo corredor, viu Dennis Carvalho chegar com sua prancheta na mão e quando pensou em cumprimentar o amigo, um estrondo a fez dar um salto para trás.


Eram as araras caindo.


Os dois arregalaram os olhos e a mulher correu para o camarim de Antônio para ver o havia acontecido. Um horror, seu amigo convulsionava entre as roupas espalhadas pelo chão.



— Fafá! - como uma desvairada, Renata começou a empurrar tudo o que estava em seu caminho. — Pelo amor de Deus, Antônio, o que aconteceu?



Coitada, ela nem sabia o que fazer vendo o amigo daquela forma. Fagundes tinha as mãos enrijecidas, os dentes trincados, os olhos reviravam como nunca e seu corpo todo tremia.



 Antônio? Antônio, acorde, meu bem.- a voz suave, agora era leve como o cantar de um sabiá. — Você vai se atrasar.


— Me perdoa por favor, eu não quis magoar você. - ele segurou no braço da mulher olhando em seus olhos.


 Está tudo bem, nada mais importa agora. - ela acarinhou a face dele e deitou ao seu lado. — Eu não vou mais fugir.


— Antônio, acorda! - Renata dizia enquanto acudia pelos braços o homem que estava caído no chão.


— Caralho! - Dennis entrou no camarim tremendo tanto quanto Renata tremia.


— Porra, Dennis ele está delirando. Vai chamar um médico!



Regina Duarte não havia acordado cem por cento, mas nada como uma boa noite de sono não pudesse amenizar. Decidida a manter-se afastada de Antônio Fagundes a todo custo, a atriz entrou nos estúdios de Vale Tudo como uma rainha. O olhar erguido de quem não tinha nada a temer, expressão serena e isso foi perceptível por Cássia, Lilia e Daniel. Parada na porta da sala de caracterização, a mulher conversava animadamente com os amigos, por mais que ainda nem sequer passasse das oito da manhã até que o barulho de algo muito pesado caindo no chão fizesse todos se achegarem as portas.


A partir daí tudo ficou confuso. Eram gritos de socorro, xingamentos, pessoas se perguntando o que havia ocorrido e somente algo a fez reagir: Renata Sorrah gritando por Antônio Fagundes.


Regina deixou tudo o que carrega cair no chão enquanto Dennis Carvalho passava por ela pedindo o apoio dos socorristas, ela quase corria para chegar ao cômodo que naquele momento pareceu ser mais distante que inferno, mas, na verdade, a atriz talvez até quisesse que fosse o inferno, pois o choque que a fez estagnar quando chegou na porta do camarim foi forte demais. Antônio tremia e falava coisas desconexas nos braços da mulher que em seu único momento de lucidez, empurrou Renata, virou o corpo de Antônio de lado e mesmo tendo o risco de ter o dedo machucado, o enfiou dentro da boca masculina.



— Lilia! Daniel! Cássia! Socorro! - foi se acalmando ao perceber que o estado passava. — Vai ficar tudo bem, a ajuda já vai chegar. - ela deslizou a mão pela cabeça do homem. — Vai ficar tudo bem, eu prometo.


— Regina... - ele balbuciava em tons baixos como se sentisse a presença da mulher ali. — Eu gosto tanto da Regina, faz ela me perdoar.


— Eu te perdoo, eu te perdoo. - ela beijou os cabelos masculinos enquanto lágrimas caíam de seus olhos. — Vai ficar tudo bem.



Os socorristas chegaram com tanta agilidade que Regina só percebeu que não estava mais com o homem nos braços quando foi aparada por Cássia enquanto Sorrah estava sendo por Lilia. Daniel, que chegou poucos instantes após levarem a maca, percebeu o desespero estampado nos olhos de Regina que somente foi capaz de tirá-la dali e levá-la para tomar um ar.



— Dani, foi horrível. - ela soluçava de desespero, coitada. — Eu nunca pensei que pudesse ver ele daquela forma.


— Vai ficar tudo bem, ele é um cara forte. - afagava as costas da amiga. — Ele vai sair dessa.



Antônio Fagundes dava entrada as pressas na Clínica São Vicente às nove e três da manhã com um tubo de ar preso na face. Após uma bateria de exames foi apontado que a febre intensa foi decorrente da chuva pega pelo ator na madrugada e que fez uma péssima junção ao estresse que resultaram nas dores por todo seu corpo. A convulsão foi o transbordar de um corpo e de uma cabeça que clamaram por socorro.


Dennis Carvalho e o próprio Gilberto Braga estavam na sala de espera a cerca de duas horas enquanto os médicos normalizavam a situação do galã convalescente. Por volta das onze e meia da manhã, o médico responsável foi ao encontro dos gigantes da televisão para trazer as boas novas: Antônio estava fora de perigo. Nos estúdios Globo, a tensão pairava no ar, Renata Sorrah não conseguia se acalmar de jeito nenhum e sequer conseguia dar suas falas em cena, o que fez Ricardo Waddington parar as gravações por tempo indeterminado.


Lilia e Cássia não saíram do lado de Regina em nenhum momento, a mulher estava em um estado quase vegetativo enquanto revivia em eterno looping o momento que viu Antônio no chão tremendo dos pés a cabeça e balbuciando seu nome no auge de seus delírios. As amigas se olhavam hora ou outra com um grande ponto de interrogação, o silêncio de Regina estava tão alto quanto uma bateria de escola de samba desfilando na Marquês de Sapucaí.



— Regininha, você precisa reagir. - Cássia se aproximou e deitou entre as pernas da amiga. — Vai ficar tudo bem.


— O galã desquitado é forte como um touro, ele vai sair dessa melhor do que entrou. - Lilia juntava e repuxava os lábios em uma tentativa de tirar a tensão do ar.


— Vocês tinham que ver... ele estava tão frágil, tão indefeso. - finalmente ela falou alguma coisa. — Me partiu o coração vê-lo daquela forma.  - Regina contorcia os dedos das mãos em aflição ao reviver o caos de horas atrás. — Eu quero, eu preciso ver ele, sabe? Ver que ele vai ficar bem, que ele está bem... Para onde ele foi?


— Leonor falou que levaram ele para a São Vicente, mas o Denis até agora não deu notícias. - Cássia falou após esticar o corpo no chão do camarim da amiga.


— Mãe? - Gabriela apareceu só com a cabeça na porta do camarim de Regina. — Por que você está chorando?


— O que você está fazendo aqui? - ela secou as lágrimas quando a filha entrou e se sentou ao seu lado. — Não era para você e André estarem a caminho se São Paulo?


— É, mas aquilo está uma chatice. Meu pai é muito careta. - ela fez um movimento com a boca e deitou onde anteriormente Cássia estava. — O que aconteceu para tudo estar parado assim?



Regina olhou para Lilia, que olhou para Cássia, que fingiu que nem era com ela. Quem estava se debulhando em lágrimas era Regina, ela que se virasse.



— É que o Antônio Fagundes precisou ser hospitalizado, ele desmaiou aqui e está todo mundo preocupado. - a atriz disse acarinhando os cabelos claros da filha. — Eu não quero nem lembrar, Gabi.


— Puxa, mãe! Que chato, ele é um cara tão legal. - Gabriela brincava com a barra da blusa. — Vamos dar umas flores para ele, que tal?



Cássia olhou para Lilia que olhou para o espelho fingindo que não era com ela. E não era mesmo.


— Claro, meu amor, mas para isso a gente vai precisar saber quando ele vai poder receber visitas.


— Ele está bem! Ele acordou!



Ricardo e Renata corriam pelos corredores dando a boa nova e todos se aglomeravam pelas portas, afim de conseguir associar o que era falado. Ao entenderem que se tratava do estado de Fagundes, assovios, palmas e abraços eram dados em comemoração e pelo alívio de saber que o tão querido colega estava agora fora de perigo.


Regina abraçou Gabriela e sussurrou em seu ouvido sobre ela ser um talismã de sorte e que a amava mais que tudo no mundo, Cássia e Lilia deram um high five e somente piscaram para Regina que deu um sorriso tão iluminado que parecia ser o próprio Sol.


Ela estava mais que feliz.



                                        *******



Rio de Janeiro, 02/04/1988. Sexta-Feira.



— Pelo amor de Deus, esse hospital é tão caro como pode ter uma comida assim?



Antônio Fagundes estava sentado na cama com uma bandeja em seu colo reclamando enquanto passava o garfo sobre o que deveria ser arroz. Estava impedido de fazer grandes esforços e tinha em sua mão direita um acesso de soro e medicamentos. E como odiava ficar parado, arranjava qualquer desculpa para se manter de pé.



— Você vai comer, rapaz. - a mulher segurou a boca do ator e enfiou-lhe o garfo com comida quase que goela abaixo.


— Mãe, que isso? - Antônio começou a tossir desesperado vendo a mãe o olhando com uma expressão de tédio. — Você vai me matar algum dia, dona Lídia.


— Você é igual ao seu pai, grande e bobo. - a senhora tirou a bandeja da maca do filho e colocou na mesa ao lado.


— Quando eu vou sair daqui? - se levantou e arrastou a torre que lhe servia o soro até o banheiro.


— Aquele mocinho que trabalha com você, eu esqueci o nome...


— O Dennis?


— Sim, esse mesmo. - Lídia se sentou em uma poltrona ao lado da cama do filho e cruzou as pernas. — Ele falou que pelos médicos você só vai embora depois de amanhã. - cruzou as pernas. — Por mim, você ia direto para São Paulo, sem mais ficar por aqui.


— Mamãe, nós já falamos sobre isso. - Antônio saiu do banheiro tampando sua traseira porque com aquelas roupas tudo ficava de fora. — Eu não vou voltar agora, eu trabalho aqui.


— Então eu vou ficar com você. - Lídia soltou seu melhor sorriso convencido, que por sinal era idêntico ao do filho.


— Dona Lídia, você é fo...


— Com licença - após dar três batidas na porta, a imagem da mulher morena apareceu na pequena fresta. — Posso entrar?


— Ave Maria, mas é a Viúva Porcina! - a mãe de Fagundes quase gritou.



Regina só soube rir e Antônio abaixou a cabeça balançando-a em negação. A atriz entrou por completo no quarto e foi direto dar um abraço na moça que se apresentava eufórica por estar em sua presença. Lídia Fagundes tecia elogios a atriz enquanto seu filho, que começava a sentir uma sensação estranhíssima em seu peito, deu a volta arrastando a torre que levava seus medicamentos e se deitou no leito.


Lídia Fagundes, ao perceber o estado do filho, pediu um instante a Regina e saiu a procura de algum médico deixando os dois a sós. A atriz, meio que sem jeito, estava muito mais tranquila ao ver o homem em um estado melhor do que o dia anterior e ele, que não sabia distinguir o que sentia, mantinha seu olhar ao teto fazendo os exercícios de respiração passados pelo psiquiatra que acompanhava seu caso.



— Gabriela pediu para te entregar. - Regina colocou o vaso de flores na mesa. — Ela ficou sabendo que você estava assim e só não veio porque eu não deixei.


— Ela é uma querida - Antônio disse depois de alguns instantes em silêncio. — Com quantos anos ela está? Da última vez que eu a vi, ela estava tão pequenina.


— Vai fazer quatorze daqui uns dias. - ajeitou os óculos de sol em sua cabeça.


— Nossa, o tempo passou muito rápido - olhou para as flores. — Olha, eu tenho que te...


— Não, não fale nada. - ela se aproximou e acarinhou os cabelos grisalhos dando um sorriso sem mostrar os dentes. — Você precisa descansar.


— Mas eu quero. - ele ajeitou sua postura e com a mão esquerda puxou o tecido do vestido da atriz como se pedisse para ela se aproximar, o que ela fez sem hesitar. — E eu quero que você me perdoe. - segurou na mão que não acarinhava seus cabelos. — Eu não gosto de ficar brigado com ninguém. Não foi justo o que eu te fiz, eu fui um moleque com aquela aposta ridícula. - mordeu o lábio inferior. — Me perdoa?


— Nada mais importa agora, já passou. - deslizou os dedos sobre a face do ator e finalizou ao acarinhar seus lábios.


— Não, não passou. - ele a olhou de forma tão intensa que parecia que todo o seu corpo fosse entrar em combustão. — Eu quero pagar pelo o que te fiz passar e vou fazer o que puder para isso. - se sentou fazendo uma careta, aquele maldito aperto no peito não passava. — Por mais que você não me perdoe.



O desejo entre os dois estava ali, palpável, tangível e tão cristalino quanto os mares caribenhos. Regina se afastou ajeitando as alças finas do longo vestido fugindo de um olhar que lhe devorava, rasgava e a reconstruía de tal forma que nem sabia como alguém poderia lhe olhar assim. Antônio desceu o olhar pelo corpo da atriz e quase babou ao notar que ela não usava sutiã e sua única saída foi coçar o queixo. Com a bolsa sobre os ombros, Regina sem saber o que fazer, não teve saída além de procurar uma forma de se despedir. Ao se aproximar para dar um abraço no ator, teve sua cintura envolvida e seu seio segurado por duas mãos fortes.



— Antônio, pelo amor de Deus, vão nos pegar. - ela sussurrava com tanto desespero que chegava ser cômico.


— Eu só vou te largar se você me der um beijo e disser que me perdoa. - tomando cuidado com o acesso em sua mão, Antônio deu um sorriso. — Foi uma puta sacanagem você vir me ver sem sutiã, quer me deixar louco?



Ele a segurou mais uma vez e beijou o pescoço alvo de forma mais intensa do que aquela do camarim dias atrás. Regina, quase desfalecendo em seus braços, não teve outra saída e desejo além de beijar os lábios com tanta veracidade a maca arranhou pelo chão emitindo um som que seria irritante se os dois não estivessem tão ocupados. A atriz havia se esquecido que o homem que beijava estava convalescente e o beijava com tanta força, que em meio as carícias jogou a bolsa que carregava em um lugar qualquer e tinha o vestido erguido. Para conter a euforia masculina, desceu uma das mãos, tocou no acesso e arregalou os olhos.



— Antônio, por favor, olha onde nós estamos... - ela tentou se afastar quando sentiu o dedo malandro deslizar pela auréola do seu seio de forma tão certeira que tirou dela um novo suspiro. — Olha o seu estado, por favor.


— Que se foda como eu estou, eu quero você agora. - Antônio sussurrou.


— Não é assim que se fala. - conseguindo se afastar, ela estava tentando não focar o olhar para onde estava tentada, a ereção já era notável por baixo das vestes hospitalares do ator. — Sua mãe está aqui, está todo mundo preocupado com você.


— Por que você foge tanto? - bufou após cruzar os braços.


— Eu não estou fugindo porquê eu não quero mais fugir. - tornou a se aproximar colocando as mãos nos dois lados da face do ator. — Mas eu não quero ser responsável pelo retardo da sua recuperação. - se afastou.


— Já não estou gostando disso, eu não gosto de perder uma discussão. - o ator voltou a deitar na cama de uma forma que a sua protuberância não ficasse a mostra. — Como estão as coisas no estúdio?


— Está tudo bem, as cenas que precisam ser feitas com você estão sendo adiadas e a morte do Rubinho está chegando. - Regina disse por detrás da porta do banheiro enquanto a água da pia caía em cima de seus pulsos com o propósito de abafar seu calor interno. — Ocasionalmente, a ida a Búzios também.


— Que bom, como está a Sorrah? - cruzou os braços.


— Está bem. -  atriz saiu do banheiro e foi em direção a sua bolsa. — Preocupadíssima com você, mas bem.


— Renata é uma querida, eu a adoro. - Antônio olhou a bolsa de soro e soltou o ar de maneira impaciente. — Quando eu sair daqui vou estar tão hidratado que vou poder hidratar todo o mundo.


— Não seja assim. - Regina saiu do banheiro e pegou sua bolsa do chão. — Parece uma criança birrenta quando não ganha o brinquedo favorito dos pais. - riu se sentando no sofá do outro lado da sala cruzando as pernas e olhando a vista da janela. Antônio riu. — O que foi?


— Você está excitada, Regina? - passou a mão nos cabelos.


— Eu? - ela ajeitou a roupa e colocou a bolsa em cima das pernas. — Por quê?


— Porque você além de estar evitando me olhar, está com o bico do peito ereto.


— Como você é indiscreto, sabia? Não precisava falar. - os dois riram juntos quando a porta se abriu com Dennis Carvalho, Lídia e o médico de plantão. — Bom, agora que você está com companhia, eu já posso ir embora.


— Mas já? Tão cedo.- Lídia se aproximou da mulher.


— Que nada, eu tenho que fazer umas coisas ainda hoje. Mas quero ver a senhora de novo, viu? - sorriu.


— Vai ser um prazer.


— Espero que você se recupere rápido, o elenco sente a sua falta. - Regina se aproximou do leito de Antônio e segurou em sua mão.


— Se eu pudesse já estaria lá. - a atriz revirou os olhos e todos riram. — Agradeça a Gabriela pelas flores, são muito bonitas.


— Pode deixar.



Regina se afastou e enquanto o médico se aproximava com o estetoscópio para examinar o impaciente ator, puxou Dennis Carvalho para fora da sala.



— Que foi, Regininha?


— Dennis, ele está abatido. - cruzou os braços. — Parece que perdeu peso de ontem para hoje. O que aconteceu? - viu o homem abaixar a cabeça. — É tão ruim assim o quadro dele?


— Na verdade, não. - Dennis se sentou em um banco de madeira e a atriz se sentou ao seu lado. — Ele teve uma crise nervosa, os médicos disseram que foi acúmulo de estresse. A separação da Clarisse, a diminuição da frequência de visita dos filhos... Enfim. - deu de ombros.


— E a convulsão?


— A febre alta pode causar convulsão e alucinação em alguns casos. O médico disse que ele falou ter pegado chuva na noite anterior, por isso ficou do jeito que estava. - ajeitou os cabelos. — Posso te perguntar uma coisa?


— Claro.


— Desde quando vocês têm um caso? - Dennis cruzou os braços.


— Como? - Regina se fez de desentendida.


— Eu fui com ele na ambulância, Regininha. O Fafá alucinava chamando seu nome e falando que era para você perdoar ele.


— Dennis, quando eu souber o quê nós temos, te aviso. - a atriz ficou de pé. — Mas acho que primeiro tenho que conversar com ele sobre isso. - ajeitou a bolsa.


— Tudo bem, mas saiba que eu nunca vi meu amigo tão fissurado em uma mulher como eu o vejo por você. - enfiou as mãos nos bolsos. — Espero que saiba o que está fazendo.


— Eu sei o que faço. - Regina piscou e saiu.



Dois dias depois Antônio Fagundes saía caminhando da Clínica São Vicente de braços dados com dona Lídia Fagundes que estava mais que feliz com a recuperação do amado filho. Chegando em casa a surpresa maior estava por vir, seus três filhos estavam lá junto de Clarisse e alguns poucos amigos. O pobre homem faltou chorar de felicidade! Tinha quase um mês que ele não via as crianças que correram para os braços do pai e o abraçaram com tanta força e carinho que faltou deixá-lo sem ar. Clarisse foi ao encontro do ex marido e deu-lhe alguns tapas por deixá-la tão preocupada, em seguida se abraçaram como os grandes amigos que ainda eram e trocaram palavras de afeto ao pé do ouvido.



— Eu quase morri de preocupação. - desfez o abraço e olhou em seus olhos. — Não faz mais isso comigo.


— Desculpa. - Antônio sorriu. — Prometo não fazer.



Na emissora não diferiu, o ator foi recebido com uma festa preparada por todo o elenco de Vale Tudo e Renata Sorrah, que não teve tempo de ver o amigo no hospital, praticamente pulou em seus braços caindo no choro por vê-lo bem e saudável. Os demais cumprimentavam o ator e Regina, que havia escolhido por ficar distante, olhava todo o seu transitar entre os bastidores, encostada em uma das vigas de sustentação dos cenários.



— Que cara é essa, Regina? - Lilia havia sido tão sorrateira que a atriz quase pulou de susto. — Tem quanto tempo que você não dá uma foda?


— Credo, Lilia! - Regina revirou os olhos. — Tudo se resume a sexo para você?


— Não basicamente, mas você não está mais com aquele astral de sempre, sabe?


— Não é para menos. - deu de ombros e olhou o copo em sua mão. — O Del não me toca desde que viu aquela cena


— Também pudera não é, Regininha? Todo mundo viu a forma que você e o galã desquitado estavam aquele dia, toda aquela tensão sexual, todo mundo percebeu.


— É, todo mundo percebeu... - Cássia se apoiou em Lilia.


— Todo mundo mesmo. - Sorrah, que chegou de surpresa, sussurrou no ouvido da intérprete de Raquel. — Quer um conselho de boba? - Regina assentiu rápido, estava ficando aflita com todo aquele papo. — Dá um pouco de atenção para o teu homem, não troca o certo pelo duvidoso.


— Foi justamente isso que eu falei para ela!



Lilia quase gritou o que ocasionou um mundaréu de olhares para as quatro mulheres e só restou a atriz dar um aceno simpático fugindo do olhar de fulminante de uma Regina Furiosa Duarte. Nessa hora, Antônio, que caçava a atriz com o olhar, teve a retribuição que queria e deu uma piscadela discreta. A atriz deu um sorriso simples que não fugiu do olhar de Cássia Kiss.



— Vai ser a mesma coisa que pedir para ela abrir as pernas para o cara. Olha a cara de trouxa dela.


— Vai se foder, vai. - a atriz resmungou recebendo a risada das três amigas.


— Todos felizes e contentes? - Dennis perguntou pelo microfone da direção recebendo um uníssono "sim" em resposta. — Então de volta ao trabalho que temos prazo a cumprir. - todos soltaram o típico barulho de tristeza e em seguida riram indo cada um para as suas posições.



                                                    *******



Rio de Janeiro, 16/04/1988. Sábado.



— Mamãe, a senhora vai viajar? - João se sentou na cama da mãe.


— Vou. - Regina disse enquanto pegava alguns pertences em seu armário.


— Você vai viajar e não vai levar a gente?


— Eu estou indo viajar a trabalho, meu amor. Vou ficar dois dias fora.


— Me leva, mamãe, prometo me comportar.


— Não dá, João. Não dá mesmo. Mas a gente vai viajar nas férias, ok? - a atriz soltou uma piscadela.


— O que é isso? - a criança segurou um pacote.


— São absorventes.


— Parecem as fraldas que eu usava quando era bebê. - a atriz riu achando graça do raciocínio do filho. — Por que a senhora usas esses absorventes, mamãe?


— Porque as mocinhas precisam usar, João, quando você for mais velho eu explico melhor. - Regina foi a suíte de seu quarto para pegar alguns objetos de higiene pessoal e quando voltou, viu seu caçula brincando com seu sutiã. — João, tira isso da cabeça agora! Minhas roupas não são brinquedos.


— Olha, mamãe, eu sou um alienígena. - a criança havia colocado o sutiã da mãe de uma forma que o bojo ficasse como duas antenas em sua cabeça e começou a pular na ampla cama em que ela dividia com Del. — Olha, mamãe eu estou igual aquele filme E.T.


— João, desce dessa cama agora! - a mulher faltou gritar.


— Vem me pegar então.



O menino João Ricardo pulou da cama de Regina para o corredor da casa com tanta rapidez que foi difícil para a atriz conseguir associar o que havia de fato ocorrido. Ela olhou para o alto e fez uma das expressões mais conhecidas de Porcina, de franzir o nariz e a boca quando algo lhe desagradava. Partiu pela casa a procura do filho que nessa altura já havia passado pela cozinha resultando em uma enorme zona com as empregadas, quase derrubado os materiais escolares de Gabriela que estudava na mesa da sala, passado por Del que fumava um charuto no quintal e parado na área da piscina. Coitada de Regina, a atriz estava pronta para sair, havia feito de tudo um pouco antes de partir para Búzios e agora tinha de dar uma de maratonista atrás do filho que resolveu brincar de pega.



— João, em nome de tudo que é mais sagrado, me devolva esse sutiã. - a mulher tinha chegado do outro lado da piscina e toda a casa havia sido atraída pelo caos causado pela criança de sete anos. — Eu tenho que ir trabalhar, João, por favor.


— Você sempre tem que ir trabalhar. - e foi ali que o barulho feito pelos cacos do coração sendo espatifado no chão pôde ser escutados nos quatro cantos do Brasil. — Eu fiquei te esperando ir me colocar para dormir anteontem, mas você não foi porque estava trabalhando...  - o menino se sentou na ponta da espreguiçadeira e tirou o sutiã da mãe da cabeça.



Os olhos de Regina encheram-se de lágrimas com tanta rapidez quando pôde notar, elas já banhavam sua face da mesma forma que banhava a face do pequeno João Gomez. A atriz se aproximou e se ajoelhou na frente do filho beijando todas as partes que podia daquele pequenino corpo que era tão seu quanto um dia se tornaria do mundo. Ele secou as lágrimas da mãe e beijou a ponta de seu nariz para depois ela fazer o mesmo com ele. Os dois sorriram. Ele pulou nos braços da mãe enquanto ela o pegava no colo e se encaminhava para dentro da casa, Del a chamou e foi a distração perfeita que André precisava para empurrar os dois na piscina. João se esbaldava enquanto Regina, que tentava se situar do que ocorria, segurava os óculos que flutuavam e voltava a superfície fulminando os demais.



— Vocês me pagam! - nadou até a borda da piscina e saiu. — Eu ia sair com essa roupa. - pegou a toalha que André lhe estendeu.


— Ia, dona Regina. - o rapaz deu alguns passos para trás com receio do que a mãe poderia fazer.



Após aquele momento de distração, a atriz voltou para seu quarto tirando toda a roupa e se entregando a uma chuveirada que ela pensou ser breve, mas notou o quanto demorava quando percebeu que era olhada da porta do banheiro. Regina abaixou a cabeça já cansada da possível discussão que poderia surgir quando o homem começou a despir-se para se juntar a ela dentro do box.


Eles se olharam de cima a baixo como se estivessem se conhecendo novamente. Quando o queixo da mulher foi tocado para fazer com que ela olhasse nos olhos do marido, foi impossível não lembrar das vezes que foi tocada dessa mesma forma pelo colega de elenco e ela fechou os olhos sentindo o coração bater tão descompassado que parecia que sairia pela boca a qualquer momento. Del sorriu quando as unhas curtas da esposa apertaram-lhe os braços quando os corpos foram colados e beijou sua testa. Regina pensou em se afastar do toque e recusar a aproximação do marido, mas uma voz conhecida praticamente berrou em sua cabeça.


"Dá um pouco de atenção para o teu homem."


Ela sustentou o olhar e se lembrou porque tinha aceitado e se permitido envolver-se com Del Rangel, ele sabia a hora certa de agir, como deveria agir e, então, fez sua escolha: descansou as mãos nos ombros de Del e ele a ergueu no colo. Os dois se olharam, se beijaram, se tocaram e se amaram.


Ou um deles amou.


Já na central Globo de Produções, todos aguardavam a chegada de Regina para partirem rumo a Búzios. Ela não estava atrasada, porém, poderia se atrasar se demorasse mais dez minutos. Antônio Fagundes conversava com Nathália Timberg próximo as vans que se encarregariam de levar os atores a base do Santos Dumont quando a atriz passou tão depressa pelos dois que uma leve rusga de preocupação surgiu na testa do galã. Muito astuta, a atriz veterana seguiu o olhar do ator e soltou uma breve risada tentando contê-la com a mão sobre a boca, banhada em uma infinita delicadeza.



— Oh, então era isso? – Timberg enlaçou os braços de Fagundes.


— O quê, minha querida? – piscando algumas vezes, voltou sua atenção a mulher.


— Era ela quem estava lhe trazendo dores de cabeça no início das gravações não era?


— Era, sim. – abaixou cabeça.


— E pelo que vejo, não são só dores que a doce namoradinha está trazendo, certo? – Fagundes somente soltou um sorriso ladeado confirmando as suspeitas de Nathália. — Você tem certeza do que está fazendo?


— Sinceramente? – a veterana assentiu. — Não, não sei.


— Então faça uma coisa, não aja enquanto ainda restarem dúvidas aqui. – com o indicador, tocou o coração do ator. — E nem aqui. – tocou em sua têmpora. — Mas saiba dos riscos. Ela é uma moça comprometida, tem família, filhos... Tem certeza que é isso que quer, rapaz?



Enquanto isso...



— Boa tarde, meninas! – Regina apareceu na sala de caracterização bufando de cansaço.


— Sagrado seja! – Cássia se levantou a abraçou a amiga que estava completamente alheia a tudo. — Finalmente!


— O que foi? – alternou o olhar entre as duas figuras. — Perdi alguma coisa?


— Ela está assim porquê você transou. – Lilia disse enquanto lixava as unhas, sentada em uma cadeira qualquer. — Ninguém mais aguentava aquele mau-humor do cão.


— Eu acho que estou entrando na menopausa, sabia? – se sentou onde Cássia estava. — Um calor. – se abanou.


— Acho que não. Você tem o quê, quarenta e um? – Regina assentiu. — A menopausa só começa a dar sinais por volta dos quarenta e sete.. por aí.


— Ah, é? Desde quando você é ginecologista? – Regina cruzou os braços recebendo um dedo do meio em troca. — Mas sim, Cássia, eu transei.


— Graças a Deus! – a intérprete de Leila ergueu as mãos aos céus e foi em direção a porta, mas não sem antes sussurrar no ouvido da amiga. — Se comporte em Búzios, viu mocinha?



Regina só pôde rir.


Minutos mais tarde, todo o elenco estava sendo encaminhado até as vans os levariam ao aeroporto e Renata Sorrah deu o braço a Antônio para sussurrar algo que deveria ser muito engraçado, pois o fez rir. Regina via toda aquela interação com uma das sobrancelhas arqueadas e o cigarro na ponta dos lábios. Intimidades demais para o ver dela.



— Toma, usa os meus. – Daniel Filho lhe estendeu seus óculos escuros.


— Ué, por quê? – se olhou no vidro da van. — Não estou nem com olheiras.


— Verdade, mas está fuzilando aqueles dois ali com os olhos. – apontou Antônio e Renata com o queixo.


— Estou dando bandeira, né? – fez uma careta.


— Bastante. – cruzou os braços. — Resolveu suas pendências?


— Quase todas. – piscou para o homem e entrou na van.



                                                   *******



Búzios, 18/04/1988. Segunda-Feira.


Fazia dois dias que o elenco estava reunido na Ilha Rasa a fim de gravar os capítulos 21, 22 e 23 da novela, porém o mau tempo dificultava cada vez mais com que as externas ficassem do jeito que Gilberto, Aguinaldo e Leonor esperavam.


Aliás, aquele dia também era o aniversário de Antônio Fagundes.


O elenco estava hospedado no Hotel Nas Rocas, completamente custeado pela Rede Globo. Com a ideia de Dennis Carvalho, o elenco se juntou para comemorar a chegada dos trinta e nove anos de Antônio Fagundes na beira da piscina, mas começou a chover e o elenco se juntou no bar. O galã estava radiante e completamente disposto, dissipando as dúvidas dos colegas sobre seu estado de saúde e comemorava junto deles com bebidas, risadas eufóricas e grandes histórias contadas aos berros.


Regina Duarte estava desconfortável. Não que não fosse completamente adepta a comemorações, mas olhar para Antônio Fagundes lhe incomodava. Lhe incomodava, pois ele a deixava desconfortável, lhe tirava de sua zona de conforto, lhe inseria nas maiores turbulências emocionais e despertava em seu coração, impulsos que ela mesma desconhecia. De longe, o admirava enquanto fumava de modo descompensado e vendo o que aquilo poderia ocasionar, Daniel Filho se aproximou.



— Ei, não vai se juntar a gente?


— Não estou muito disposta.


— Não se transa festa nesse tempo mesmo. – deu de ombros, pegou seu cigarro e o tragou. — Mas é só isso que te deixa indisposta?


— Estou sentindo falta das crianças. – ajeitou o casaco no corpo.


— O Rangel está cuidando delas direito, você sabe. – estendeu o cigarro.


— Pode ficar. – se levantou. — Vou deitar um pouco. Boa noite.


— Boa.



Com a ajuda do serviço de hotelaria, Regina Duarte foi levada ao bangalô que estava hospedada e tomou um longo banho de banheira enquanto refletia como estava levando sua vida nos últimos meses. Ela não chorou e se nem permitiu ficar entristecida, só estava altamente reflexiva e temerosa com que a sua vida poderia se tornar enquanto penteava os cabelos na frente do espelho do banheiro em completo silêncio,  só era escutado o barulho da chuva caindo no chão as ondas batendo nas pedras da Ilha Rasa, onde ficava o hotel.


Antônio Fagundes conversava com Reginaldo Faria e Carlos Alberto Ricceli quando olhou para os lados e não achou Regina. Pedindo licença aos colegas, se aproximou de Dennis Carvalho e o puxou para o canto.



— Onde ela está?


— Ela quem? – riu para Adriano Reys.


— Você sabe quem. – afundou o cigarro em um cinzeiro qualquer.


— O Daniel falou que ela estava se sentindo indisposta e foi deitar. – o olhou. — Por quê?


— Cobre a minha retaguarda?


— Como assim? – Dennis franziu as sobrancelhas.


— Vou dar uma volta. – entonou um pouco do que o amigo bebia. — Me deseje sorte. – o devolveu o copo.


— Boa sorte.



Regina estava na sacada do bangalô olhando a chuva enquanto se mantinha aquecida no roupão que usava quando batidas na porta a despertaram de seu momento de reflexão. Ao, abrir, a surpresa: Antônio Fagundes estava encostado na soleira da porta com os braços cruzados. Ela arregalou os olhos, deu espaço para que o homem entrasse e voltou para onde estava sentada. O homem entrou de vez, fechou a porta passando o trinco e tirou seu maço de cigarros do bolso enquanto seguia os passos dados a mulher.



— O que aconteceu para você não ficar na comemoração? – tirou seu isqueiro e acendeu o cigarro. — Está todo mundo lá.


— Estive um pouco indisposta, nada muito alarmante. – ela olhava o mar agitado pelo mau tempo.


— Olhe para mim enquanto eu falo com você, Regina. – Antônio foi até a mureta de madeira. — Você se arrependeu de ter me beijado?


— Não exatamente, me arrependi de ter beijado você enquanto casada. – Regina deu mais um trago em seu cigarro descansando-o no cinzeiro na mesa ao lado de onde estava sentada.


— É por isso que você está afastada de mim desde sábado? Você nem me deu parabéns.


— Também. – tragou o cigarro.


— Então me diz tudo, eu quero ouvir. Tentar entender, sei lá. – Regina permaneceu em silêncio. — Você não vai responder, não é? Pois bem. – jogou seu cigarro longe. — Boa noite.


— Por mais que eu queira, não consigo resistir a você, Antônio. – Regina se levantou e a passos lentos, caminhou até o interior do bangalô atrás do homem que já estava com a mão na maçaneta da porta. — Eu luto contra como eu me sinto ao seu lado por mais de dez anos e quanto mais eu luto contra, mais eu me sinto tentada a querer você.



Ela respirou fundo e se sentou na ponta da cama vendo a chuva cair com cada vez mais intensidade enquanto o ele ficou parado por quase dois minutos naquela posição. Cada um ali lutava com seus monstros internos e com todos os prós e contras de manterem qualquer tipo de relação extraconjugal. Antônio se virou, se aproximou da cabeceira da cama vendo o corpo da mulher mexer a cada puxada de ar e se perguntou o porquê de estar ali mesmo sabendo a resposta: também se sentia atraído por ela.


Respondendo ao desejo de seu corpo, o ator se aproximou da atriz e se ajoelhou entre as pernas expostas pela brecha do roupão. Eles se olharam tão profundamente que ambos os corações erraram as batidas e com medo de seu próprio impulso, Regina quebrou o contato virando para o lado fechando os olhos e comprimindo os lábios. Antônio tocou-a sobre as pernas e em seguida no queixo para fazer ela novamente olhar para ele enquanto o nó do roupão que usava era desfeito.



— Não, Antônio, por favor. – Regina comprimiu os lábios.


— Lembra que na quinta-feira a gente estava programando tudo o que faria aqui? Dormir junto, dar um passeio, andar de buggy pela armação... – enquanto falava, Antônio terminava de desfazer o nó do roupão. — Você falou que me acordaria com café na cama. – beijou seu pescoço e mordeu sua orelha. — Esqueceu?


— Não. – suspirou.


— Eu quero você, Regina Duarte. – sussurrava enquanto beijava todo o rosto da mulher. — Eu estou aqui porque quero você. – as mãos habilidosas se enfiaram por dentro do roupão e deslizaram pelos quadris até que descansaram na cintura feminina. — Você está tão cheirosa. – beijou o canto de sua boca. — Olha nos meus olhos. – ela o olhou. — Diz que você não me quer e eu vou embora.


— Não posso. – ela disse, mas não houve voz, eram apenas seus lábios se mexendo.


— Por quê? – ele perguntou da mesma forma.


— Porque eu quero você.



As bocas se aproximaram e se alguém pedisse para eles para dizerem quem encostou os lábios primeiro não saberiam dizer. O beijo foi tomando mais urgência e Antônio teve a blusa tirada por uma Regina sedenta pelo corpo daquele homem, ele não ficava atrás já que nessa altura já estava beijar todo o colo da atriz até tomar os seios pela boca.


Um gemido rouco e intenso vindo de Regina rompeu o ar.


Antônio sorriu vitorioso enquanto prendia nos dentes o seio da mulher que agora segurava sua nuca implorando por mais contato. Os beijos desciam pela barriga, pelo ventre e quando as pernas dela foram abertas, outro sorriso vitorioso foi solto pelo galã. Ele cheirou as partes internas das coxas, beijou-as e mordeu o lábio antes de fazer o que os dois ansiavam.


Um trovão cortou o ar no mesmo momento que Fagundes passou a língua quente por toda a extensão do sexo de Regina que não aguentando o oceano de sensações que aquela língua passou a lhe causar, ela deitou na cama e envolveu as coxas no pescoço dele. Para o galã, era um deleite estar provando daquele gosto que em nenhum momento da vida provou em nenhuma outra mulher. Ansiando para ter o homem dentro si, ela o puxou para beijar os lábios já vermelhos ficando ainda mais excitada por sentir seu gosto na boca dele, os dois afundaram na cama de casal enquanto qualquer vestígio de roupa estava sendo espalhado ao redor do cômodo que servia de palco para testemunhar o sexo que faziam. O membro de Antônio foi engolido pela boca de Regina que o chupava como se estivesse degustando o melhor sorvete e como ela fez com ele instantes antes, teve a cabeça segurada por um homem embebido pelo prazer, o que claramente agradou a agradou, pois, estava se sentindo completamente dominada por aquele homem que extraía de si a libertina que guardava com tanta força dentro em seu interior.


O galã puxou sua musa entre os braços e em meio aos beijos fervorosos que trocavam, se ajoelhou fazendo com que ela também se ajoelhasse e apoiasse as mãos na cabeceira da cama. Regina foi penetrada devagar enquanto tinha sua cintura segurada por mãos que lhe incendiavam e Antônio só sabia sorrir, pois a mulher era quente, ardente e por detrás da suavidade de seu rosto escondia uma mulher extremamente atraente. As estocadas se tornaram ágeis, a cama começou a ranger e dos céus uma chuva torrencial abafava os gemidos de duas pessoas que concretizavam suas próprias conquistas.


Ela o tinha pela primeira vez fora dos sonhos.
Ele conquistava o que muitos desejavam.


A mudança na posição partiu dela que de deixou de lado na cama e o puxou. Ele ergueu sua perna e novamente a penetrou enquanto a via sorrir. Desgraçada é a mulher que sorri durante o ato sexual e desgraçado é o homem que se deleita com isso. As estocadas se tornaram mais urgentes, mais ágeis, mais desejosas e quando Antônio sentiu o contrair da mulher que possuía, puxou seus cabelos.



— Diz que você é minha.


— Eu sou sua até quando você não me quiser mais.



E em meio ao oceano de desejos, gemidos e rangeres da cama, os dois gozaram juntos.

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