Ela

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Cássia e Lilia pareciam duas pilastras de tão imóveis que estavam, a imagem de Regina e Antônio proseando como se fossem extremamente íntimos perturbou a cabeça das amigas de forma tão intensa, que a única coisa que poderiam era dividir as atenções entre a festa e eles.




— Você acha que? - Lilia começou a falar alternando o dedo indicador aos dois do lado de fora.


— Eu? Hã... eu? - Cássia quase engasgou com a cerveja que bebia. — Eu não estou manjando de nada, me tira dessa.


— Então por quê você está desconversando assim hein, Leila?


— Me tira dessa, Aldeide. Eu vi a mesma coisa que você e sei a mesma coisa que você... - Lilia voltou seu olhar as plantas da casa de Regina enquanto escutava Cássia falar. — Eu sei a mesma coisa que você, não sei? EU NÃO SEI! - constatou vendo as reações da amiga.


— Cala a boca, quer que todo mundo escute, caralho? - Lilia puxou Cássia para o lado de fora da casa onde poderia ter uma visão ampla do movimento dos convidados no interior da residência e a conversa de Regina e Antônio no meio da rua. — Uma vez ela me falou sobre uma conversa que eles dois tiveram e ele a olhou de um jeito estranho, com muita intimidade, sabe? - os olhos claros de Lilia vibravam a cada fala. — E desde então eles estão estranhos um com o outro porquê a nossa amiga está fugindo do galã semi desquitado.


— Antônio e Regina? Até que fazem um casal bonito.


— Quem faz um casal bonito? - Renata Sorrah chegou com uma bolsa nos ombros próximo das colegas quando escutou o final da conversa.


— É... hã... que... - Cássia tentava fugir dos olhares furiosos de uma Lilia Cabral.


— Eu e um carinha aí, a gente tá numa transa legal sabe? - Lilia desconversou tomando a atenção de Sorrah para si. — Ele é um gatinho, Renata, nem te conto.


— Hum, é mesmo? Mas você não é casada? - a intérprete de Heleninha estreitou os olhos para Cabral. — Enfim, tomara que dê tudo certo entre vocês. - ela apontou o dedo para os dois que conversavam. — Espera... não sabia que o Fagundes viria, ele foi a São Paulo assinar os papéis da separação.



Enquanto isso, Regina estava tentando formular uma reposta rápida e convincente ao homem que lhe olhava com tanta atenção. Ela subiu rapidamente a mão fazendo uma massagem acima das ombreiras da blusa enquanto segurava o livro dado de presente com a outra mão. Por outro lado, Antônio a já não mais a olhava de forma tão direta, apenas se focava mesmo que instintivamente no decote usado pela mulher.



— Você não vai mesmo me responder o porquê de ter saído daquele restaurante chorando? Vai olhar na minha cara e dizer que não foi por causa da nossa conversa? - ele já não mais falava com um tom agressivo, muito menos autoritário, apenas um tom de um homem que gostaria de saber o que se passava na cabeça da amiga. — Regina, nós nos conhecemos há mais de quinze anos, nunca tivemos nenhuma divergência.


— Se eu te falar que eu não sei o que falar agora você vai achar que eu sou muito esquiva? - ela disse folheando as páginas do livro que por ele foi dado de presente. — É sério, eu não sei porque nosso clima pesou assim, na verdade, sei, são uns grilos meus...  - ela o olhou. — Assim que eu puder e tiver como dizer eu digo, prometo.


— Mesmo sem eu querer, causei algo entre você e seu marido? Olha não foi...


— Eu e o Del? Não, que isso, imagina... - ela o cortou e pôde perceber a respiração do colega de cena mais leve. — Eu só não sei de onde isso saiu. Eu estou passando por umas coisas aí, uns conflitos internos. - ele a olhou com uma face interrogativa. — Assim que eu puder falar eu falo, de verdade.


— Sendo bem honesto eu não sei se vou conseguir esperar. Qual é, Regina! Nós estamos juntos nessa, temos que ter uma transa legal para conseguirmos trabalhar.


— Eu sei, eu sei, acha mesmo que está sendo bom para mim? Acha que está sendo fácil? Eu não sei o que está acontecendo comigo e nem sei porquê justo com você. - fez uma careta ao perceber que falou demais.


— Espera, o que aconteceu com você que eu possa ter algum tipo de envolvimento? - desenhou-se na face de Antônio uma expressão questionadora.


— É que... Hã... - se ela ainda não sofria de gagueira passando por aqueles nervosos ao lado do amigo, tinha risco de se tornar uma gaga de primeira linha. Fora pega no pulo pela astúcia de Fagundes. — É que... eu... é...


— Não sabia que você era gaga, Regina. - levantou as sobrancelhas em uma expressão de tédio. — Quer saber? Eu vou embora. Quando quiser falar é só pedir meu número de contato para a Sorrah ou o Dennis. - ele se virou, mas não antes de soltar uma piscadela e jogar a ponta do cigarro no chão. — Meus parabéns, muitos anos de vida.


— Você não vai ficar? -  deu um passo na direção dele. — Está todo mundo lá dentro. - apontou com o polegar o interior da casa.


— Melhor não, vai que você seja obrigada dar um acesso de gagueira por não saber o que quer dizer para mim. - banhado em ironia, ele falou. — É melhor você curtir sua festa sem a minha presença, aproveite o livro.



E foi assim no meio da rua que Antônio Fagundes zarpou com o carro sobre o olhar de Regina Duarte e outras três corujas que viram tudo aquilo sem ao menos piscar, ou melhor, quatro corujas. Dina Sfat estava vendo tudo de longe com uma expressão divertidíssima na face.



— Mas como assim ele foi embora? - Cássia quase gritou.


— Eu não sabia que o clima entre eles estava tão pesado. - mesmo sem querer, Lilia externou seus pensamentos em voz alta.


— Como assim "tão pesado"? - Renata olhou para a amiga. — Aconteceu alguma coisa entre eles?


— Não exatamente. - as três voltaram a atenção para trás, quem falava era Dina, que resolveu se aproximar. — Digamos que existam coisas mal resolvidas entre os dois.


— Mal resolvidas como? - Renata perguntou.


— A Regina vai saber responder melhor do que eu. - deu de ombros enquanto se encostava no capô de um carro aleatório. — Olha ela vindo aí.



A intérprete de Raquel Accioli olhou o espaço que outrora era ocupado pelo veículo de Fagundes, passou o olhar mais uma vez sobre o livro que a ela foi dado de presente e virou as costas indo em direção ao interior de sua casa.



— Psiu! Ei! Vem aqui. - Cássia, Lilia e Sorrah chamavam atriz enquanto estavam escondidas em meios aos carros.



Regina, pega desprevenida, começou a olhar atenta em meio aos carros procurando quem lhe chamava. Vendo três figuras com as caras mais deslavadas do mundo, mais Dina com a expressão impassível, chamando-a com as mãos, ela resolveu se aproximar.



— Ei, vocês estavam me espionando? - Regina disse quando percebeu estar próxima o suficiente para que não pudesse gritar.


— Você está louca, Regininha. A Renata perdeu o isqueiro dela e me pediu para vir ajudar a procurar. - Regina olhava com uma expressão de tédio a explicação de Cássia. — Aí, quando chegamos, a Lilia já estava aqui e a gente quis fugir um pouco do barulho lá de dentro.


— É isso aí, eu não tenho culpa se você estava deixando o novo galã semi desquitado arrastar as asas de gavião para você. - Lilia disse com convicção fazendo Dina prender uma risada na garganta.


— Logo você, Regina? - Cássia continuou tão teatralmente quanto a amiga. — Uma mulher tão exemplar, tão íntegra, tão fina... Del é meu amigo, sabia?


— As duas já acabaram? - sem nenhuma outra saída, as duas assentiram juntas. —  Ótimo. Ele Separou? Separou mesmo?   



As duas amigas voltaram o olhar para Sorrah que agora havia resolvido olhar algo muito interessante em sua bolsa. Regina acompanhou o olhar das amigas cruzando os braços, mas não sem antes de acender seu cigarro que Dina Sfat lhe estendeu, estava louca de vontade de fumar.



— Porra, Renata, fala logo o que você falou para a gente. - Lilia faltou gritar.


— Ok, ok, eu falo. - a loira deixou de procurar algo na bolsa. — Pelo que eu sei, ele foi a São Paulo assinar os papéis da separação, mas eu não sabia que ele voltaria hoje. - deu de ombros. — Deve ter sido por isso que ele não ficou, ué.


— Quem não ficou, mãe?



Mariana, a filha de oito anos de Sorrah, disse por trás de Regina. As cinco mulheres quase caíram com o susto que a pequena garotinha deu e assim decidiram com o olhar voltar para dentro da casa. Quando Regina resolveu seguir os passos das três, teve se pulso segurado por Dina.



— Por que ele não ficou?


— Não quis. - tragou o cigarro e trocou a sacola de mão. — Eu insisti para ele ficar, mas ele quis ir embora.


— Você confessou? - Sfat cruzou os braços.


— Nunca! - expeliu a fumaça.


— Gina, você vive com isso a sei lá... Dez anos? Confessa de uma vez.


— Você enlouqueceu, Dina? - Regina quase gritou, mas contente-se em seguida batendo a cinza do cigarro. — Ele não pode saber nunca.


— Ele se separou, depois de quinze anos ele finalmente se separou. - ajeitou os cabelos. — Por que ficar prendendo isso aí dentro? - encostou o indicador no peito da amiga.


— Porque eu não posso perder tudo o que demorei anos para construir com o Del, eu não posso perder assim como perdi com o Dani Filho e o Daniel Gomez.


— Faça o que achar melhor, Regina. - balançou as mãos em rendição. — Mas é melhor ele saber pela sua boca do que pela boca dos outros. - Dina se preparou para entrar.


— Você contaria para ele? - Regina arregalou os olhos.


— Eu nunca te trairia e você sabe disso.



Dina e Regina se encararam profundamente e por mais que a intérprete de Raquel soubesse que a amiga não mentia, nada mais tranquilizador do que olhar nos olhos vibrantes de Dina Sfat e se sentir segura.



— Desculpa. - ergueu as mãos em rendição.


— Tudo bem. - puxou-a para um curto abraço. — Ganhou até presente dele, está com a bola lá em cima, Gina.


— Ele me deu um livro. - disse enquanto sorria. — Eu nunca vou me esquecer.


— As duas podem parar de tricotagem a voltar para a festa? - Del Rangel apareceu no portão com os braços cruzados.


— Você é um egoísta. Não aceita dividir a mulher nem um pouquinho, Rangel. - Dina falou alto e em seguida se aproximou para sussurrar no ouvido da amiga. — Vai lá com o seu banana.


— Para com isso, sua implicante. - Regina arregalou os olhos para a amiga e se aproximou do marido. — Eu perdi a noção do tempo aqui fora.


— Que sacola é essa? - Del apontou para objeto.


— Eu quem deu, algum problema? - Dina levantou as sobrancelhas enquanto se aproximava.


— Qualquer dia eu perco a mulher para você. - Del passou a mão no ombro de Regina que só sabia rir.


— Só você não percebe que nunca a teve.



Dina se vangloriou enquanto balançou a blusa em convencimento e Del Rangel deu uma generosa gargalhada, mas Regina sacou muito bem o duplo sentido da frase da amiga e abaixou a cabeça tentando esconder a vermelhidão em sua face, pois Dina estava redondamente certa.


Tereza, junto dos filhos de Regina, trouxeram o bolo enquanto cantavam pela segunda vez no dia a canção "parabéns pra você", onde dessa vez sem ser pega desprevenida, a eterna Namoradinha do Brasil pôde comemorar e cantarolar feliz mais uma vez a entrada triunfal de seus quarenta e um anos.


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São Paulo, 07/02/1988. Domingo.


De volta a São Paulo, Antônio Fagundes curtia a presença de seus filhos no parque Ibirapuera. O dia ensolarado serviu de palco para que o ator e as crianças curtissem a tarde como se ela nunca fosse acabar, como se o pai ainda fosse aquele que ficaria ao lado deles e a noite pudessem conversar junto da mãe na mesa do jantar. Porém, com o final do casamento e mudança de cidade, o encontro de pai e filhos ficaria cada vez mais complicado, ou melhor, mais raro.


Depois do parque, Antônio e os filhos desfilaram alegres por um shopping onde almoçaram e passaram em uma livraria onde poderiam assim compartilhar juntos o amor por literatura. No final do dia, as crianças foram deixadas no antigo condomínio de luxo onde Fagundes fez de sua principal residência por mais de quinze anos ao lado de Clarisse. O ex casal não prolongou o assunto além do necessário, apenas conversaram o mínimo para que pudessem fazer o melhor para seus filhos, afinal de contas eles haviam idealizado o crescimento das crianças juntos, como um casal que eram.


Voltando ao bairro dos Jardins onde Clarisse deixou tudo pronto e arrumado, Antônio se preparou para estar na presença de alguns colegas de profissão a fim de uma pequena reunião informal. A escolha da vez foi a casa de Glória Menezes e Tarcísio Meira que moravam em uma casa no Jardim Europa, um dos bairros mais nobres e luxuosos da maior cidade do Brasil.


Fagundes dirigia seu carro pela cidade quando suas lembranças deram de cara com a imagem de Regina há uns dias na comemoração de seu aniversário e se perguntou como ela estaria no agora. Dissipando esses pensamentos, percebeu que seu carro estava parado no meio da via e que haviam uma série de buzinas soando em seus ouvidos como as grandes marchinhas de carnaval dos anos cinquenta. Vestido com uma calça social marrom, uma blusa também social na cor branca sapatos de brim e um cordão simples, o galã adentrou a casa dos amigos com um sorriso tão iluminado que parecia que ele ganhou uma bolada no jogo do bicho. Banhado em humor, ele cumprimentava a todos que por ele passavam quando Tarcísio o chamou para a área externa da casa.



— Faz tanto tempo que eu não fumo um desses. - Antônio disse quando Tarcísio lhe ofereceu um charuto.  — Você fez deste mortal um homem agraciado pelos deuses.


— Conta outra, Fafá, todos nós sabemos que você é o galã que mais enche o bolso aqui. - os dois homens riram da piada do ator mais velho e se sentaram em duas cadeiras na varanda da casa. — E aí, os trabalhos estão a todo o vapor?


— Podemos dizer que sim, tirando a novela que por sinal retomamos a gravar depois de amanhã, estou de olho em um novo texto para o teatro, ele é incrível. - Fagundes falava enquanto olhava o entrosar dos colegas no da residência. — Mas primeiro eu preciso ajeitar a vida pessoal. Arrumar tempo para as gravações e você sabe como é o Teatro. É muito complicado e exige muito da gente. Agora com a separação é pior ainda, ficar longe das crianças nunca foi algo que eu manjei muito, saca?


— Por isso Glória e eu decidimos ter uma criança só, além de nossa carreira ser sempre incerta, nós precisaríamos ter um grande equilíbrio nas finanças. - Tarcísio, dentro de sua ampla elegância, bebericava um pouco de conhaque e puxava para dentro de si a fumaça do charuto. — Sem contar que somos dois grandes viciados em trabalho da porra. - os dois juntos riram da frase final.


— Tarcísio, meu bem, venha cá. - Glória, na ponta da escada que levava ao interior da residência, o chamou.


— Deixe-me ir senão a senhora me esgana. - os dois riram. — Daqui há pouco nos falamos.



Voltando a andar pela ampla casa, Fagundes focou sua atenção aos diversos discos que por ali haviam e em um armário de madeira e vidro que expunha com toda a graciosidade e delicadeza, as porcelanas que Glória preservava com tanto carinho.



— Glória é de uma elegância infinita, não? - a voz já tão reconhecida o fez soltar um breve, mas sincero sorriso. — A tenho como uma grande referência.


— Realmente. Tarcísio e Glória formam um casal incrível tanto dentro quanto fora da televisão. - ele se virou para encarar a mulher que também para ele sorria. — Não imaginei que a veria aqui, um milagre é vê-la em São Paulo. 


— Um milagre por quê? Eu sou paulista, esqueceu? - Regina riu. — Vim com a minha irmã. Ela voltou para Campinas quando eu recebi o convite da Glória. - respirou fundo fugindo do olhar de Antônio por um breve instante. — Olha, eu sei que te devo uma explicação e eu estou disposta a dar se você ainda quiser. Eu vou estar aqui até o dia das gravações em Búzios começarem.



Antônio não fez nenhum comentário maldoso ou insinuativo para com as palavras de Regina, apenas assentiu com o que ela falou estendendo-a sua carteira de cigarros sendo prontamente aceito pela atriz.



— Ei, vocês. - Dina Sfat chamou-os. — Sorriam para a minha câmera. - apontou o aparelho fotográfico.



Antônio viu Regina mudar de lugar e deslizou a mão por sua cintura fazendo pose para a máquina fotográfica de Dina que capturou o momento, deu um meio sorriso e se afastou. A atriz tragou seu cigarro ainda abraçada ao homem e nem sequer fez menção em solta-lo e ele, que ainda segurava a cintura da colega de elenco quando deu, seguido de um sorriso sacana, um leve pressionar na área fazendo com que todo o corpo da mulher esquentasse. Constrangida, Regina soltou um sorriso sem graça e deu um jeitinho de sair de perto do colega indo em direção a Dina que havia se sentado para tomar seus remédios.



— Eu ainda vou te roubar um beijo, mulher. - ele murmurou antes de ir de volta a companhia de Tarcísio.


— Você está bem? - Regina se sentou ao lado da amiga.


— Estou. - Dina assentiu. — Só não posso perder a hora dos remédios. - olhou a amiga com um sorriso sacana. — Você está vermelha.


— E-eu? Você é louca.


— Você gagueja quando mente, Regina. - revirou os olhos. — O que ele fez?


— Nada. - abaixou a cabeça. — Eu quem fiz.


— Não entendi. - Dina enrugou a testa.


— Vou confessar. Não tem mais lógica prender uma coisa que eu sei que posso perder o controle.


— Foi o maior ato de coragem que eu te vi dar. - Dina bebeu a água que estava no copo e fechou a bolsa com seus remédios. — E se ele te recriminar?


— É um risco que eu resolvi correr. - deu de ombros e bebeu a água do copo da amiga. — Só não posso continuar viver assim.


— Faça o que achar melhor.



A reunião na casa de Tarcísio e Glória prolongou-se além da madrugada e Regina ausentou-se por volta da meia-noite quando alguns amigos ainda estavam por chegar. Ao sair rumo ao exterior da casa, a atriz foi chamada por uma voz que soou longe, quase como um sussurro e ao se virar, deu de cara com Antônio vindo em sua direção com um andar tão vagaroso quanto o seu quando estava com preguiça.



— Aconteceu alguma coisa? - Regina perguntou preocupada com o estado da amiga. — A Dina está bem?


— Oh! Sim, ela está. - Antônio tirou a preocupação da colega. — Eu queria dizer a você que vou aceitar sua explicação por mais mirabolante que possa ser.


— E por quê você acha que tem algo muito secreto ou importante sobre isso? - ela continuou com uma face presunçosa e uma voz levemente arrogante.


— Acho que você se esqueceu que já trabalhamos juntos antes e que eu te conheço há anos. - ele disse se encostando no capô de um carro que por ali estava na calçada.


— Conhecer há anos não significa que sejamos grandes amigos ou que nos conhecemos a fundo, não acha? - ela mexeu em sua bolsa tirando de lá um cigarro, como uma fumante convicta ela não deixaria de aproveitar uma oportunidade de fumar.


— Ah sim, claro. Mas você há de convir que mesmo que não tenhamos tanta proximidade quanto poderíamos, já compartilhamos muitas coisas. - ele tragou seu cigarro e jogou a fumaça para cima.


— Disso eu não posso discordar. - ela afirmou com a cabeça dando ainda mais ênfase no que falara. — Olha, aqui tem o endereço e o telefone da minha casa. Se você quiser mesmo saber alguma coisa pode me ligar e combinamos. - Regina tirou de sua bolsa um bloquinho e uma caneta onde anotou tudo o que Antônio poderia saber e estendeu o papel a ele. — Agora eu tenho que ir porquê corro o risco de não conseguir um táxi.


— Um táxi? De maneira nenhuma. - Antônio segurou o pulso dela, quando escutou o que foi dito. — Vou lá dentro me despedir do pessoal e volto para te levar.


— Que isso, Antônio. - discretamente, Regina tentava desfazer o contato. — Você não precisa se preocupar...


— Sem "mas". Eu faço questão de te levar. - soltou o pulso feminino. — Eu não sou um bicho de sete cabeças, Regininha.



Ele regressou ao interior da casa dos amigos onde se despediu rapidamente de todos e voltou até onde Regina estava o aguardando. Seu carro era um Chevrolet Opala Comodoro 88 modelo quatro portas na coloração negra, que esbanjava poder e mistério enquanto Regina olhava o automóvel admirada com a beleza que exalava, com muito galanteio, o ator abriu a porta do carona para em seguida entrar no lado do motorista dando partida no veículo.



— Então, para aonde vamos? - começou a conduzir o veículo.


— Aqui mesmo nos Jardins. - disse enquanto colocava o cinto de segurança.


— Onde aqui nos Jardins?


— Jardim Paulista, Alameda Itu. - abraçou a bolsa.


— Vai me guiando porque sou péssimo para decorar o nome de rua.



Enquanto conversavam amenidades, Antônio guiava o carro com maestria, vez ou outra dava umas olhadas nem um pouco amigáveis para as pernas de Regina que estavam expostas por conta da saia jeans que usava. Por outro lado, a atriz sentia-se dentro de uma sauna ou como se fosse algum condenado a fuzilamento devido às olhadas nada sutis que lhe eram direcionadas. Chegando na rua em que o apartamento de Regina se localizava, Antônio soltou uma risada um tanto irônica.



— O que é tão engraçado? - Regina perguntou realmente interessada com um sorriso irreverente no rosto.


— Não é nada demais, eu só percebi que moro a duas quadras daqui. - Antônio respondeu.


— Sério? - a atriz arregalou os olhos de uma maneira tão intensa que parecia que seus olhos poderiam saltar e voar no vidro do carro.


— É, eu moro na José Maria Lisboa. - apontou para trás.


— Que puta coincidência. - ela riu. —  Mas veja pelo lado bom, pelo menos não vai ficar tanto tempo dirigindo até chegar. - apontou a portaria. — É ali que eu moro.


— Exatamente. - parou o carro em frente ao lugar.


— Bom, obrigada. - tirou o cinto de segurança.


— Espera. - Antônio segurou em sua mão.



O coração da atriz por muito pouco não saiu pela boca devido às galopadas intensas que ele dava e em sua nuca um filete de suor escorregou tão devagar que os pelos negros de seu braço eriçaram. Tudo isso por um único toque. Deus, Oxalá, Buda... ela fechou os olhos tão clamando por todos os santos, respirou fundo para em seguida abrir e olhar nos olhos do ator.



— O que você quer, Fagundes? - ela perguntou em um sussurro.


— Eu? Nada. Só estou estranhando o porquê de sua pressa. - desceu o olhar para o contato das mãos. — Eu te incomodo tanto assim? - perguntou ainda com a mão sobre a dela.



E novamente aquele maldito olhar do camarim estava ali fazendo ela se sentir como numa panela de água fervente e ponto de ebulição estava ali, próximo, intenso, gradativo como a chegada do ápice de uma grande orquestra sinfônica. Não tinha escolha. Sua cabeça estava tão agitada que ela não conseguia raciocinar direito. Com calor, ela prendeu seus cabelos negros em um coque mal feito deixando sem querer seu sutiã rosa a vista de um Antônio Fagundes que se divertia internamente vendo desespero da colega.



— Você sabe que nós temos que achar um jeito de burlar nossas adversidades, não sabe? - ele desceu o vidro do lado do motorista e acendeu seu cigarro tão tranquilo como um cisne.


— Ér... hã... eu... é que... - um ataque de gagueira agora só dificultava a situação da mulher que rezava para que não acontecesse nada que a fizesse perder o controle.


— Você precisa mesmo procurar um fonoaudiólogo, cara, isso vai acabar fazendo você se deitar em maus lençóis. - deu um sorriso. — Já pensou o quão cômico seria se você gaguejasse em cena?



Percebendo o estranhamento da mulher que tentava abrir a porta sem conseguir, Antônio tirou o próprio cinto de segurança, se aproximou deslizando propositalmente o braço nos seios femininos de uma Regina que mantinha os olhos fechados e a respiração profunda. Com um movimento das duas mãos, o homem puxou a porta e a alavanca que a destravava, fazendo com ela abrisse.



— Vá descansar. Amanhã por volta das duas da tarde eu apareço por aqui.



Ele não precisou falar duas vezes! Regina saltou do carro como um atleta de salto em distância. Enquanto tinha a permissão para adentrar o condomínio, escutou o carro do colega cantar pneus, quando teve a permissão tão almejada, a atriz só não correu em direção aos elevadores do prédio porquê soaria desesperador demais. Porém, como desgraça pouca é bobagem, logo ela que queria ficar sozinha, acabou esbarrando com o segurança do elevador.



— Oh, dona, está tudo bem? - o rapaz perguntou segurando os braços de Regina.


— Está. Está sim, eu só preciso subir. - desfazendo o contato do homem, ela entrou em um dos elevadores que estavam no térreo. — Com licença.


— Esses artistas - disse o rapaz estalando a língua no céu da boca.



Regina estava nervosa, desesperada para soar com mais exatidão. Jamais poderia imaginar que um dia poderia estar em uma situação como estava agora, no estado que estava e com a sua vida a ponto de dar uma volta de trezentos e sessenta graus. Ao entrar em seu apartamento, no meio do caminho em direção ao banheiro, se desfazia de sua bolsa, seus brincos, seus sapatos, sua blusa, saia e roupas íntimas, e foi direto para o chuveiro. Seu objetivo era fazer que toda aquela confusão saísse de si com a mesma intensidade que a água quente escorria pelo ralo do box.


Sem obter nenhum êxito, ela fechou os olhos e automaticamente fora atraída por todos os momentos que compartilhou junto de Antônio nos últimos tempos e começou a derramar lágrimas involuntárias. Lágrimas contidas, lágrimas silenciosas ao ponto da atriz nem sequer perceber estar chorando. O cheiro do homem invadiu o ambiente como se ele estivesse ali e ela se lembrou de tudo o que sentiu quando esteve em sua presença. O modo que ele segurou em sua cintura na casa de Glória e Tarcísio, como o braço dele roçou em seus seios quando a porta do carro foi aberta e a maneira que se sentia como um cão acuado em sua presença fizeram a mão direita da atriz escorregar por seu corpo de maneira tão vagarosa quanto o andar de uma lesma. Ela desfilou a mão por seus seios, barriga, baixo ventre e finalmente tocou seu ponto máximo de excitação.


Um gemido alto e rouco ecoou pelo banheiro.


Instintivamente, ela se ajoelhou no chão deixando com que a água quente batesse em sua cabeça. Sua mão esquerda segurou seu seio enquanto a direita se encarregava de proporcionar o máximo de prazer que poderia sentir alternando entre estocadas e leves pressões em seu clitóris. Dor e prazer. A sensação de liberdade que só um orgasmo poderia causar.


Outro gemido ecoou, agora acompanhado por um soluçar de choro.


Regina se estimulava enquanto as lembranças recentes com Fagundes passavam em sua cabeça como um filme em câmera lenta. Lágrimas e gemidos. Em uma mistura infinita de martírio e prazer no qual ela sobreviveu como a grande guerreira que era.


E o final soou como uma carta de alforria.
Um orgasmo intenso.
Misturados com as lágrimas de culpa que banhavam seu ser.


E mesmo que detestasse admitir, teria de arcar com as consequências que era estar atraída por Antônio Fagundes.


Antônio chegou em seu condomínio poucos minutos após deixar sua colega em seu prédio. Ao colocar os pés em casa, se encarregou de colocar um disco de Sinatra para reproduzir na vitrola, seus passos o levaram para o bar improvisado que tinha na sala para se servir de uma taça de vinho tinto. Chegando na sacada, ele se desfez de sua blusa e seus sapatos aproveitando um pouco da vista que tinha da selva de concreto que se chamava São Paulo. A cada gole que dava em sua bebida, seus pensamentos o levavam para cada vez mais longe, para um passado cada vez mais distante. Sua infância, adolescência, seus primeiros trabalhos como ator, seu primeiro amor, seu primeiro casamento, seu primeiro prêmio... tudo. Seus pensamentos foram tão longe que quando percebeu já passava das três da madrugada e seus olhos já estavam pesados com a mistura de bebidas de uma noite inteira e a única coisa que conseguiu fazer foi se deitar no sofá de sua sala.


Horas mais tarde, o ator foi acordado com o insistente barulho do telefone. Sua cabeça pesava tanto a ponto de nem sequer conseguir abrir os olhos para ver que horas eram, tentar movimentar seu corpo era como se fosse um eterno martírio, um esforço sobre-humano para tentar mover um mísero dedo. Com muito esforço, ele abriu os olhos e conseguiu se mover em direção ao banheiro onde colocou para fora o que quer que estivesse em seu estômago.



— Eu odeio esse caralho. - resmungou indo para debaixo do chuveiro com o propósito de tomar uma ducha fria.



Por volta de uma e quarenta e cinco da tarde, o ator desfilava pela garagem do condomínio com uma garrafa de vinho branco na mão. Ele trajava óculos escuros, uma blusa de mangas curtas, uma bermuda e os cabelos levemente grisalhos um pouco bagunçados pelo vento. Em seu carro, ele dirigia ao som de Maria Bethânia rumo ao apartamento da colega de trabalho e o que ele não conseguia entender era o porquê de estar sentindo o coração acelerado e as mãos suarem por estar indo simplesmente ver uma amiga.



" — Eu sei, eu sei, acha mesmo que está sendo bom para mim? Acha que está sendo fácil? Eu não sei o que está acontecendo comigo e nem sei porquê justo com você. " 



As palavras de Regina ecoaram em sua cabeça e ele soltou um sorriso simples por lembrar de todo o pequeno nervosismo da colega para com ele. Ao chegar na entrada do condomínio e se identificar soube que sua entrada estava autorizada desde a manhã, o que o impressionou. A cada número que o elevador indicava, o homem sentia aquele pequeno frio na barriga típico de um adolescente quando vê a garota que gosta no pátio da escola e o chegar no sétimo andar, ele se encaminhou para a porta branca de madeira que indicava em ferro o número 804. Ao tocar na porta, ele percebeu que estava aberta e entrou reconhecendo o ambiente já que era a primeira vez que ali estava.



— Regina? - fechou a porta. — Regina, você está aí?



Antônio deixou a garrafa de vinho em cima da mesa e a passos vagarosos se deslocou até a soleira da porta de correr que ligava a sala e o ambiente externo onde a amiga estava. Regina estava com um short jeans, blusa de botões azul, os cabelos estavam soltos e seu cotovelo estava apoiado no braço do sofá de couro branco que adornava o ambiente.



— Regina, não escutou eu te chamar?



Ela fechou os olhos e respirou fundo levando o cigarro aos lábios livres de qualquer pintura. Ao abri-los, sentiu as lágrimas quentes banharem seu rosto e virou a face dando de cara com Fagundes e seu maldito sorriso no rosto. O homem, assustado com o que via, foi ágil em direção a colega sentando-se ao seu lado.



— Regina, o que aconteceu?



O que ela falaria? O que ela poderia cogitar em falar em uma hora como aquela? Regina não sabia o que fazer e sequer conseguiu ter alguma reação que não fosse se entregar a um choro copioso quando Antônio a abraçou. Pego totalmente desprevenido em uma situação desesperadora, encaixou a amiga em seus braços deixando que ela se acomodasse ali como bem entendesse.



— Por quê? Por que agora? - ela balbuciava essas palavras entre os soluços. — Eu não posso aceitar isso.


— Está tudo bem, eu estou aqui.


— Não vai ficar tudo bem, não tem como ficar tudo bem.


— O que aconteceu para você estar assim, minha querida? Me dói te ver assim tão amuada. - ele a abraçou ainda mais.


— Eu estou em um beco sem saída, Antônio, eu estou sem saída. - ela se desfez do contato apoiando os cotovelos nos joelhos e afundando a face rubra pelas lágrimas nas mãos.



Vendo o estado da colega era pior que ele poderia imaginar, Antônio se levantou e começou a procurar pela cozinha no amplo apartamento onde conseguiu em meio aos grandes armários, um copo para o preencher de açúcar e água. Ao regressar e ver que ela estava na mesma posição de outrora, ele se agachou e acarinhou com a mão livre os cabelos castanhos e ela não recuou, muito pelo contrário. Achegou-se ainda mais ao toque das mãos do colega de elenco como uma gata procurando pelo carinho do dono.



— Bebe um pouco, vai se sentir melhor. - ele estendeu o copo.


— Não, eu já estou melhor. - ela riu brevemente colocando os cabelos para trás.


— Você parece minha filha Diana. - ele estendeu novamente o copo sendo dessa vez aceito pela atriz. — Sempre faz charme, mas no final sempre faz o que eu peço.


— Você me vence pelo cansaço desde a época de "Nina", Antônio, por quê diferiria agora? - ela bebeu um pouco da água e deixou o copo no braço do sofá, para em seguida, jogar o corpo para trás. — Você já teve a sensação de estar correndo em círculos? Como se estivesse dirigindo em uma estrada e visse um bloqueio e quando tentasse contornar esse bloqueio, perceber que ele era mais extenso do que sua capacidade de burlá-lo? - o olhou. — Eu estou me sentindo assim... me sentindo como uma prisioneira. Você já se sentiu assim?


— Não. Quero dizer... às vezes eu tive a impressão de que eu não conseguiria sair de algumas situações, mas ai percebia que estava assim porquê eu queria soluções rápidas e algumas coisas só se resolvem com o tempo. - ele se sentou em uma cadeira de balanço próxima do sofá e ajeitou seus curtos cabelos. — Quer conversar? Quem sabe eu não possa ajudar? Sei lá, eu estou de fora, né?


— Como você pode me ajudar se é a grande causa dos meus problemas? - Regina se levantou e andou depressa até ao pequeno bar que ficava próxima à sala de seu apartamento.


— Hã? - ele a seguiu e parou do outro lado da bancada de madeira. — Como assim eu sou a grande causa dos seus problemas?


— Como está sua situação com Clarisse? Soube que se separaram.


— Não mude de assunto, Regina. Não seja evasiva.


— Evasiva? Evasiva é o caralho! - ela ergueu o olhar para Antônio e o encarou. — Se eu estivesse sendo tão evasiva por quê eu te chamaria aqui hoje?


— Evasiva, sim! Eu quero uma explicação para essa porra porque eu não estou entendendo nada. - tirou do bolso de sua bermuda um maço de cigarros e o acendeu. — Você me destrata desde o primeiro dia de gravações, age como se eu fosse um leproso e só grava comigo porquê é obrigada. - ela abriu a boca para contestar. — E nem ouse dizer do contrário. - ela recuou e abaixou a cabeça. — Agora vem me dizer que eu sou a grande causa dos seus problemas sendo que eu nem sei que porra de problemas são esses? - um passo foi dado em direção de Regina, os olhos que queimavam de raiva.


— Antônio...


— Eu te perguntei no restaurante, você se fez de louca e saiu chorando de lá.


— Antônio...


— Na sexta-feira eu nem ia no seu aniversário e só fui por prometer ao Dennis e a Cássia. - colocou uma das mãos nos bolsos. — Eu fui porquê eu pensei que você poderia ser madura o suficiente e me falar no que estava acontecendo. E advinha só? - bateu uma palma. — Você não foi!


— Antônio, por favor... - mais uma vez ela pediu.


— Ontem eu segurei você no carro para que você pudesse me dizer o que estava acontecendo e você pareceu uma criança que ganha de presente de aniversário uma surra dos pais. - a olhava com asco enquanto era olhado com os olhos cheios de lágrimas. — Agora quem não quer ouvir sou eu. - ele partiu em passos ágeis rumo a porta da moradia.


— Eu me sinto atraída por você, Antônio. - confessou.


— O quê? - ele virou apenas o pescoço permanecendo de costas para ela.


— Eu juro que tentei não me sentir assim. Eu juro que tentei ir contra, mas eu não consigo. Não mais. - Regina apoiou as mãos na bancada do bar e fez uma espécie de alongamento pedindo a todos os santos que lhe ajudassem naquela hora. — Tudo recomeçou quando você entrou no meu camarim no primeiro dia de gravações, você me olhou de uma maneira tão íntima, tão próxima. Eu me senti completamente despida na sua frente, com um frio na barriga tão forte que pensei que fosse desmaiar a qualquer momento. - as lágrimas a essa altura já banhavam sua face refletindo o tamanho desespero de seu interior. — Agora, quando paro para avaliar, vejo que tudo isso começou antes. Quando estávamos gravando Despedida de Casado, eu ficava ansiosa e feliz a cada vez que eu te via. A cada vez que a gente se beijava em cena eu tinha a vontade de pedir que nunca mais aquilo acabasse porque eu queria continuar com você mesmo que fosse à frente das câmeras. Mas você e Clarisse pareciam estar tão felizes, tão íntimos, que seria escroto eu invadir com a minha insignificância a felicidade de vocês. - Regina passava os dedos no canto dos olhos para conter a enxurrada de lágrimas que caíam de seus olhos. — Aí nós sofremos na pele a censura da época e a novela não foi para o ar, mas logo depois soube que estaria com você em Nina. Durante todo o tempo de gravações eu invejava todas aquelas mulheres que tinham a coragem e se jogavam para você, mas eu era fraca demais, frouxa demais.


— Regina... - ele se virou por completo e tentou interrompê-la.


— Não! - estendeu a mão para ele. — Você não queria tanto que eu falasse? Então cala a boca e me escuta. - Antônio arregalou os olhos, mas não insistiu. — Eu me casei três vezes depois daquilo tudo e nas duas vezes eu não consegui levar para frente e até coloquei uma criança no mundo. E não, não me arrependo de ter o João, eu amo o meu filho. - ela saiu da área do bar foi até a sacada para acender um cigarro e voltou para a sala logo em seguida. — Até que eu conheci o Del quando fui gravar "O Cangaceiro Trapalhão" em oitenta e três. Nós casamos e sua lembrança foi ficando cada vez mais distante. Eu guardei em mim durante doze anos a lembrança do seu cheiro, da textura da sua boca e do gosto do seu beijo como uma menina que guarda em seu diário o momento que mais lhe marcou. - deu de ombros. — Até que para a minha desgraça eu fui chamada para fazer Vale Tudo e soube que você seria o Ivan Meireles da minha Raquel Accioli e tudo voltou mais forte do que eu poderia controlar. - tragou o fumo. — Por isso eu estou sendo esquiva, por isso eu fujo de você, por isso que eu vou me manter o mais afastada que eu puder... Eu não posso jogar o relacionamento que eu batalhei tanto para construir pela janela assim de uma hora para outra. - Regina andou até a poltrona que ficava próxima à televisão de sua sala e se sentou colocando uma perna por cima da outra. — É isso. Era isso que você queria saber e eu não sabia como falar. Entendeu o por quê de todo o meu afastamento?



Antônio havia ficado tão perplexo com tudo o que havia escutado que não teve outra reação além de se encostar em uma pilastra próxima e alisar o rosto tentando conter o choque que as palavras de Regina lhe causaram. Ela era bonita, linda, parecia uma pintura renascentista de tão perfeita, mas saber que ela lhe nutria uma atração sexual de anos era de um choque sem tamanho.



— Eu não sei o que dizer. – ele movia as mãos e fazia expressões completamente aleatórias. — Por quê você nunca me falou isso antes? Eu fui pego totalmente desprevenido agora.


— Você foi pego desprevenido... desprevenido...  – a atriz alisou a face tentando expulsar a tensão que sentia. — E como caralhos você acha que eu estou me sentindo?


— Ei, ei, ei... – ele levantou as mãos. — Você joga uma bomba dessas em cima de mim e espera que eu faça o quê? Me jogue nos seus braços e te jure amor eterno? – bateu as mãos nas pernas. — Ah, faça-me o favor, Regina.


— Seu babaca, eu nunca disse querer que você sentisse o mesmo, agora depois de ter dito eu me pergunto porquê eu fiz isso. – ela se levantou quando o telefone tocou. — Alô? Sim, é ela mesma. Ah sim, ótimo. No Jardim Botânico? Ok, muito obrigada. Boa tarde para você também. – desligou, respirou fundo e olhou para Antônio. — As gravações de Búzios foram adiadas, a direção preferiu respeitar a linha temporal de Raquel e Ivan. – se voltou até a cozinha.



As frases de Regina ecoavam na cabeça de Fagundes com tanta força que era impossível para ele raciocinar com clareza. Com agilidade, ele se levantou e saiu o mais depressa que pôde do apartamento de Regina e começou a apertar os botões do elevador de forma desesperada. Regina, ao voltar para a sala e não ver o homem por ali, se desesperou e começou a procurá-lo pela sala. Ao ver a porta de saída aberta, ela correu para fora a tempo de ver a imagem dele antes das portas do elevador se fecharem.



— Porra! – correu para o telefone e enquanto discava aguardava alguém atender no outro lado da linha, a atriz tentava controlar o choro.— Alô, dona Noêmia? É Regina.


— Gina, minha querida, tudo bem?


— Tudo ótimo, a Dina ainda está aí? – tragou o cigarro a afundou-o no cinzeiro.


— Quer falar com ela?


— Por favor. – a atriz fechou os olhos e quando escutou a voz de Dina do outro lado da linha, desabou. — Ele não me quis.


— Regina, o que foi?


— Ele não me quis, Dina. – as lágrimas de Regina molhavam toda sua blusa. — Ele me negou, ele me deixou aqui sozinha.


— Eu vou aí agora, não saia de casa.


                                                               ********


Rio de Janeiro, 16/02/1988. Terça-feira.


Dias depois no Rio de Janeiro, Antônio e Regina se esbarravam e se evitavam pelos corredores da Globo jogando por terra as diversas oportunidades de tentarem colocar em dia em que tudo foi jogado aos quatro ventos no apartamento da atriz em São Paulo. Antônio precisou fazer diversas coisas antes de parar para refletir o que de fato aconteceu, porém, ele sempre conseguia em algum momento do dia ver a imagem da mulher com os olhos vermelhos de choro dizendo que não conseguia conter a atração que sentia por ele. Em alguns momentos ele até se viu ligando para ela e tentando falar alguma coisa, mas o quê ele ia dizer? Ele não tinha nada para dizer.



— O que está pegando com você, Fafá? – Sorrah chegou por trás e massageou seus ombros. — Com o quê você está tão grilado? Problemas com a Clarisse?


— Antes fossem. – apontou a porta pedindo para que ela a fechasse. — Renata, eu estou cheio de problemas... Eu me enfiei numa arapuca tão intensa que eu não sei como vou conseguir sair dessa.


— Antônio, o que aconteceu? – ela se aproximou sentando-se no sofá que ele estava. — Você está me deixando preocupada.


— Renata, a Regina se declarou para mim.


— Regina? – enrugou a testa. — Que Regina?


— Duarte. – suspirou.


— Como assim? Ela não é casada?


— É... Quero dizer. – bufou. — Isso foi antes do casamento.


— Você teve um caso com a Regina antes do casamento? – Renata riu sozinha. — Que loucura, isso está mais confuso do que meu casamento com o Marcos Paulo.


— Que caso com a Regina, o quê? Está louca, Sorrah? – ele riu com a cara de alívio da amiga. — Lembra que eu te disse que eu achava que ela estava me tratando um pouco diferente? – ela assentiu. — Então, há uns dias eu estava em São Paulo e por acaso eu a encontrei em uma reunião que o Tarcísio e a Gloria fizeram. A gente começou a conversar e combinamos de nos vermos no dia seguinte na casa dela. Só que quando eu cheguei lá ela estava chorando. Eu perguntei o motivo e ela disse que era porquê se sentia atraída por mim desde os tempos de Despedida de Casado, aquela novela que não foi ao ar, lembra? – ela assentiu de novo. — Aí ela disse que está tentando lutar contra isso porquê quer preservar o casamento dela e sei lá mais o quê. Só que eu não soube o que fazer, larguei ela na casa e piquei a mula de lá.


— Eu estou muito chocada com isso. E você? Não sentiu nada com essa declaração? – acendeu um cigarro. — Vamos combinar que a Regininha é um mulherão.


— Ah! Ela é uma atriz incrível. – Renata o olhou com uma expressão de tédio. — Eu entendi o que você quis dizer e não vai colar. Tudo bem que ela é muito bonita e tudo mais... Só que eu acabei de sair de um casamento e ela frisou todas às vezes que era casada.


— Como se casamento fosse impedimento, não? – Sorrah disse como quem não queria nada com a vida. — Se ela disse é porquê está afim de provar, se você estiver também... – se levantou. — Agora deixa eu ir porquê é Heleninha Roitman que está com a vida ganha. – ela deu um beijo na testa do amigo e saiu do camarim dele.



O que ele faria?


                                                                 *******


Rio de Janeiro, 25/02/1988. Quinta-feira.


— Ele já sabe de tudo. – Regina massageava o ombro enquanto andava de um lado para o outro na sala de Lilia Cabral.


— Tudo o quê? – Cássia Kiss perguntou da cozinha.


— Tudo, oras! Eu disse a ele o que estava dentro de mim. – acendeu um cigarro. — Me declarei.


— E ele te tascou um beijo na boca dizendo que sentia o mesmo? – Lilia Cabral arregalou os olhos verdes.


— Contos de fadas são só nos livros, Lilia. – Regina voltou a andar de um lado para o outro na sala da amiga.


— E como foi?


— Foi horrível! Ele me disse umas verdades, eu disse outras e no final eu fui largada sem nenhuma resposta.


— E você queria que ele fizesse o quê, Regininha? – Cássia chegava na sala de Lilia com uma garrafa de cerveja nas mãos e estendeu os copos as amigas. — Que ele dissesse sentir o mesmo ou que te embalasse e cantasse canções de ninar para vocês dormirem de conchinha na cama que você fode com o Rangel? – abriu a garrafa de cerveja. — É claro que ele agiria assim e depois do que você falou para nós, eu acho até que ele foi bem paciente.


— Cássia... – Lilia tentou intervir.


— Não vem não, Cabral. – a cortou. — Regina, olha só, você foi e falou tudo o que estava dentro de você, certo? Te fez bem? – a intérprete de Raquel Accioli assentiu para as duas perguntas. — O que o galã desquitado vai fazer com isso já é um particular dele, não seu. – abriu uma garrafa de refrigerante para si. — Agora você tem que pensar que você já e bem grandinha para arcar com os seus atos... sejam eles bons ou ruins.


— Eu preciso marcar uma consulta com a minha analista. – externou seu pensamento em voz alta.


— E de um ebó. Conheço uma mãe de santo incrível em Vaz Lobo, se quiser eu te levo lá. – Lilia disse recebendo em troca a imagem de Regina fazendo o sinal da cruz. — Ah! Qual é! Virou intolerante agora?


— Não, longe de mim! – Regina bebeu um pouco da cerveja. — Mas não é a minha praia, isso é uma transa sua. – sentou-se na outra ponta do sofá de Lilia. — Agora me diz, qual o motivo dessa reunião aqui?



Lilia, que até então estava bem humorada e aparentemente feliz, adquiriu uma aparência cabisbaixa e melancólica. Os olhos encheram-se de lágrimas e a primeira que partiu em seu acolhimento foi Regina sendo seguida por Cássia que se sentou no chão de frente para a imagem das duas.



— O que aconteceu, Lili?


— Eu não estou conseguindo engravidar. – disse em um sussurro. — Fui no ginecologista e ele disse que meu útero não é apto para segurar uma gravidez. – deu de ombros. — Eu estou arrasada e o João parece fazer pouco caso.


— Que isso, meu amor, o João é louco por você. – Regina afagava os cabelos vermelhos e a apertou ainda mais em seu abraço.


— Ele vai sim, eu sinto isso.


— Cabral, você precisa procurar por ajuda, você não está bem. – Cássia continuou. — Do que adianta você estar na frente de todos aparentemente toda alegre e sorridente se em casa fica assim toda amuadinha? – a intérprete de Leila fez um carinho nas pernas de Lilia. — Desde quando sua mãe morreu você está cada vez mais aflita e desgostosa mesmo que não queira mostrar isso para todo mundo.


— Eu sinto tanto a falta dela...


Entregando-se a tristeza que parecia infinita, Lilia Cabral afogou-se em lágrimas doloridas devido ao turbilhão de acontecimentos que sua vida englobava. Cabendo a Regina e a Cássia, estarem ali pela amiga que tanto lhes faziam sorrir. 

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