Um Dia Memorável - Gabriel

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Tenho que correr. Não é possível que vou chegar atrasado de novo na faculdade! Eu li que para ser um bom engenheiro devo ser organizado. Com certeza já estou falhando nessa parte. Fico pensando se deveria passar uma daquelas coisas que as mulheres passam no rosto para esconder olheiras, mas acho que nada funcionaria. Por que tinha que ser no rosto?

Saio o mais rápido que posso, devo estar parecendo um retardado correndo que nem louco no meio da rua com um olho roxo, mas não posso fazer nada. A culpa é minha por ter batido o carro. Chego perto da faculdade e, pelo visto, eu não sou o único atrasado. Tento me desviar do máximo de pessoas possíveis, mas foi em vão. A única coisa que vejo é alguém caindo em cima de mim e sinto minhas costas batendo com força no chão.

— Você está bem? — pergunto reconhecendo aquele cabelo e olhos castanhos que têm me intrigado tanto ultimamente. — Alice?

— Ah, oi. Estou sim — ela diz.

Vejo que ela está extremamente desconfortável com a situação, eu também. Provavelmente ela se lembra do que aconteceu na festa, isso deixa tudo pior ainda. Fico pensando no que devo dizer agora para amenizar um pouco o clima. Nunca fiquei tão nervoso.

— Que bom, não é bom andar sem prestar atenção ao seu redor. Achei que já tinha aprendido isso — digo e, ao ver sua expressão, me arrependo no mesmo instante.

Porque eu tenho que ser tão idiota? É claro que era uma má ideia falar da festa, ela é o motivo desse clima horrível. Ela revira os olhos e eu digo:

— Não que eu esteja reclamando, mas, já que você não quer conversar, poderia sair de cima de mim por favor? Estou um pouco atrasado.

É a verdade, mas ao mesmo tempo eu não queria ter dito isso, acho que é hora de eu calar a boca, quando fico nervoso eu só falo coisas que não deveria falar.

— Sinto muito — ela diz sem fazer contato visual.

— Sem problemas, espero que nos encontremos mais vezes — digo e sorrio.

Mas que ódio! Eu não falei que era hora de calar a boca? Eu sempre faço isso, não me aguento mais. Com certeza não era hora de provocar ela. Será que agora ela sabe que estou pensando bastante nela? Espera um pouco, eu não estou pensando nela tanto assim. Ou será que estou? Paro de perder tempo com pensamentos desnecessários e com perguntas sem respostas e vou direto para minha aula.

...

As aulas acabam e eu e o Paulinho decidimos ir almoçar em um restaurante perto da faculdade, que, no caso, é onde eu trabalho, por isso quase sempre almoçamos aqui.

— Cara, você está péssimo — ele diz me olhando de cima a baixo.

— Você já disse isso hoje e eu já entendi.

— Credo, que humor horrível! Afinal, o que aconteceu com seu rosto?

Eis a pergunta. Por mais que o Paulinho seja meu melhor amigo e a pessoa mais próxima a mim, ele não sabe da minha relação com meu pai e não acho que seria sábio contar a ele. Não quero que as pessoas saibam que eu tenho um péssimo pai e também não quero que tenham pena de mim.

— Sabe como é, eu sou um cara que não aceita as coisas calado.

— Sei — diz sarcástico.

— É sério. Enfim, um homem foi tentar me assaltar, me deu um soco e eu revidei. Ele ficou com medo e fugiu.

Ele começa a rir muito e eu fico confuso. É a história perfeita!

— Ah Gabriel, vou fingir que acredito. Até parece que você, uma das pessoas mais medrosas que eu conheço, iria revidar um assalto. Você com certeza daria tudo o que tinha e até o que não tinha para o assaltante tremendo.

— Que horror Paulinho! Eu sou muito corajoso — digo e ele ri.

— Enfim, você está estranho hoje. Já pode me contar o que aconteceu ou vou ter que esperar vendo essa sua cara de tacho.

— Vou contar. Não sei porque sou seu amigo, você só me maltrata — digo e ele revira os olhos.

Conto tudo o que aconteceu hoje de manhã pra ele com Alice e, como eu esperava, ele riu muito de mim, confirmando, assim, que eu sou um grande idiota.

— Eu não sei o que você tem na cabeça Gabriel. Se o problema entre vocês era a festa, por que você falou logo disso?

— Eu também não sei tá bom? Eu estava nervoso!

— Além disso, qual foi a reação dela quando você a provocou? — pergunta curioso.

— Eu não vi direito, ela não olhou pra mim, mas acho que ela ficou brava — digo frustrado.

— Ótimo — ótimo? — Suponhamos que a relação de vocês seja isso.

Ele desenha um coração no guardanapo e eu fico extremamente confuso. Outra coisa, que relação? Eu conheci a menina há dois dias. A única coisa que eu sei sobre ela é que é irmã do João, que, estranhamente eu não vi hoje.

— Quando se conheceram na festa e ela ficou bêbada, a afinidade entre vocês era menos da metade — ele continua e pinta só a pontinha do coração com a caneta. — Agora é assim — diz e desenha outro coração vazio.

— Eu entendi Paulinho, quer dizer que ela me odeia agora. Isso eu já sabia.

— Eu sei, só queria ilustrar. Na verdade, eu só desenhei porque achei esse guardanapo muito sem graça — diz rindo.

— Você não presta cara — digo e ele ri mais.

Terminamos de almoçar e começo a trabalhar. Vejo meu chefe de longe me analisando e vindo em minha direção, tenho certeza que ele vai falar do meu olho.

— Gabriel, você está horrível hoje — meu chefe diz. — Por isso, você vai ajudar na cozinha para não assustar os clientes — assinto, mas fico pensando porque ele é tão grosso.

— Ah, mais uma coisa — ele me chama novamente. — Você tem um novo colega de trabalho, o nome dele é Mateus. Daqui a pouco ele chega.

Não tenho uma boa experiência com pessoas que se chamam Mateus. Pode ser preconceito da minha parte, mas eu nunca conheci um Mateus que fosse legal. Quando eu era criança, o primo do Paulinho, que se chama Mateus, fazia bullying comigo. Acho que fiquei traumatizado. Além disso, recentemente, conheci um pior ainda. Tomara que esse Mateus seja, no mínimo, suportável, até porque é quase impossível que seja o idiota da janela.

Não era quase impossível.

— Gabriel, esse é o Mateus. Mateus, esse é o Gabriel. Não briguem e se suportem — acho muito difícil eu me dar bem com esse cara. — Gabriel, eu sei que vocês trabalham em cargos diferentes, você fica no caixa e ele vai ser garçom, mas ensine para ele o básico sobre o nosso restaurante.

Só pode ser brincadeira! Nunca tive um dia tão horrível como hoje. O idiota me olha e arregala os olhos, acho que se lembrou de mim. Se eu não dependesse desse trabalho, já teria jogado a mesa em cima dele, e ele ainda nem falou nada. Não sei como vou aguentar isso.

Tropeçando no AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora