VII - Um conselho

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Snape esperava por Narcisa junto à escada. Se fizesse algum esforço, conseguiria ouvir os sons dos passos da mulher no andar de cima. Aproveitou aquele momento de espera para pensar sobre a manhã de três dias atrás, o seu aniversário.

Ao contrário do que pensava, não houve embaraço ou fingimentos após se afastarem do abraço. Eles não fugiram do olhar um do outro, não tentaram justificar aquele momento de intimidade nem o ignoraram agindo como se não houvesse acontecido. Na verdade, Narcisa lhe agradeceu pelo amparo e confessou que precisava daquilo há mais tempo do que admitiria, enquanto Snape mostrou-se disposto a estar ao lado dela sempre que necessário e possível. Mas o que com toda certeza marcou à fogo aquele contato entre os dois foi o primeiro encontro real entre os olhos negros e os pratas.

Snape, que segundos antes tinha se arriscado a se perder na tempestade do olhar de Narcisa, já estava ciente do desejo que nutria por aquela mulher. Mas quando se afastaram do abraço e os olhos de Narcisa também se atreveram a observá-lo tão de perto, o arrepio que trespassou o corpo do homem não era apenas de desejo. Havia algo a mais ali. Talvez tivesse notado aquilo pois as pupilas dilatadas de Narcisa pareciam dizer coisas imensuráveis.

Narcisa, por sua vez, precisou enfrentar a confirmação daquilo que a assombrava desde que se jogara nos braços de Snape no dia do Voto Perpétuo. A sensação de acolhimento não estava integrada à situação, e, sim, ao homem de vestes negras. O sentimento de proteção, de que estaria sempre resguardada, era inerente a Snape. Sempre se sentiria assim enquanto estivesse dentro do abraço dele, com o rosto pousado delicadamente sobre seu peito.

Era sobre isso que ela pensava em seu quarto enquanto se arrumava. Lembrava-se claramente da sensação apaziguadora que a acometeu quando Snape a segurou pelos braços e se comprometeu a proteger seu filho, sob juramento do Voto Perpétuo. Lembrava-se, também, da culpa que pairou sobre si depois que retornou à Mansão Malfoy, pensando quão inadequado era ter se sentido daquele jeito nos braços de outro homem quando seu marido estava trancafiado em Azkaban.

Conseguia recordar – na verdade, isso jamais se apagaria da sua mente – dos sonhos que tivera após aquele encontro na Rua da Fiação. Alguns eram pesadelos em que Draco era severamente, ou até mortalmente, punido pelas falhas do seu pai e, consequentemente, pelas suas também. Outros eram aconchegantes e traziam a mesma sensação que sentiu com Snape. Nesses sonhos, o então professor de Hogwarts estava sempre presente, às vezes a abraçando enquanto chorava, outras a abraçando enquanto subia e descia sobre o colo dele, gemendo seu nome para o cosmos.

Essa lembrança trouxe cor às maçãs do rosto de Narcisa, que desceu as escadas com as bochechas coradas. Snape a esperava tal qual uma estátua, parado logo aos pés da escada.

— Draco não está? — Só então ele pareceu notar isso.

— Ficaremos alguns dias sozinhos — explicou quando pisou no último degrau. — Ele ficará na casa de Blásio. Achei que seria bom que ficasse algum tempo com um amigo. Podemos ir?

Snape assentiu com a cabeça, estendendo um dos braços para ela. Narcisa quase riu ao pensar como aquele gesto fazia parecer que os dois estavam a caminho de um grande baile, quando, na verdade, estavam indo para mais uma consulta médica.

Antes de aparatarem, as míseras luzes solares que ousavam sair naquele inverno beijaram o rosto de mármore da mulher, e Snape perguntou-se o que fizera Narcisa Malfoy corar.

. . .

Dentro do consultório do Dr. Bryne, Snape estava incomodado com o olhar de Ayo sobre si. O olhar da enfermeira o lembrava Dumbledore; aquele olhar desgraçado e cheio de presunção de alguém que parecia saber muito mais do que revelava. Nas vezes em que decidiu a encarar de volta, ela olhava para Narcisa, depois, para ele novamente. Um sorriso crescia em seu rosto cada vez que fazia isso.

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