IX - Desejo

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Era uma tarde muito fria e Snape estava deitado em seu quarto. O céu completamente nublado lá fora somado às camadas de cortinas, que impediam qualquer claridade de adentrar o recinto, davam a impressão de que era noite. Talvez, se fosse noite, sentir-se-ia mais corajoso. Sempre fora o morcego e o vampiro que gostavam de o pintar. O anoitecer definitivamente era o momento do dia em que mais se sentia confortável.

Porém, não era noite. Faltava, pelo menos, umas quatro horas até o céu escurecer. Logo, qualquer resquício de coragem era inexistente. Mas ainda assim perguntava-se como tivera bravura de dizer o que disse para Narcisa logo após o almoço.

As palavras de Ayo continuavam a atormentá-lo, e sentia que continuaria assim até tomar alguma atitude sobre aquela situação. Continuaria assim até decidir desistir ou se arriscar.

Talvez o ímpeto repentino tenha sido resultado da pequena dose de morfina que precisou tomar na noite anterior, já que a cicatriz no pescoço voltara a doer. Ou talvez tenha sido o sonho muito confuso que teve.

No sonho, estava novamente em um dos bailes na Mansão Malfoy. Narcisa descia a escadaria principal com o vestido cristalino varrendo o chão por onde passava. Lúcio a esperava no último degrau, muito mais orgulhoso e satisfeito com os olhares de inveja dos demais sobre sua esposa do que com o fato de ser casado com aquela mulher. Snape, por sua vez, estava parado próximo a uma das colunas gregas da mansão.

De repente, ouvira as palavras de Ayo sussurradas em seu ouvido. Como se aqueles dizeres tivessem o mesmo efeito de uma Maldição Imperius, Snape abriu caminho por entre os convidados em direção à escada. Precisava arriscar, precisava se dar aquela segunda chance.

Ele passou por Lúcio, que apenas pôde franzir o cenho para ele, e subiu os degraus até encontrar Narcisa. Ela o encarava com confusão e expectativa. Podia sentir o olhar de todos sobre eles, e parecia até mesmo que a orquestra se silenciara.

Olhando no fundo dos olhos acinzentados de Narcisa, murmurou:

— Preciso arriscar.

Aproximou seu rosto do dela, vendo que Narcisa fechara os olhos esperando por aquele beijo. Porém, ele acordou antes que pudesse encontrar os lábios dela.

O que aconteceu foi que suas próprias palavras no sonho não o deixaram em paz por toda manhã. Preciso arriscar foi o que pensou enquanto escovava os dentes; preciso arriscar foi o que pensou enquanto descia as escadas e foi o que pensou quando fitou o rosto lindo de Narcisa esperando-o para o café da manhã. Por Merlin! Ela poderia ter sido esculpida por Michelangelo. E esse pensamento seguiu por toda manhã, até chegar o almoço.

A ausência de Draco na casa – e, principalmente, à mesa – parecia intensificar a tensão sobre Snape e Narcisa. O silêncio entre eles, agora, nem sempre era tão aprazível e os olhos sempre estavam focados em seus pratos. O simples ato de pedir para que passasse o saleiro fazia com que a mão de Snape tremesse e que um rubor pintasse o rosto branco de Narcisa.

Snape deu a última garfada em sua comida quando todos aqueles pensamentos retornaram como uma tromba d'água em uma cachoeira, levando consigo tudo que via pela frente. Entrou em imersão em sua própria mente e analisou todas as suas possibilidades. Deveria sair da casa de Narcisa dentro de uma semana, não havia mais necessidade de ser assistido por ninguém. Então se a resposta dela fosse uma negativa, não precisaria conviver tanto tempo sob o mesmo teto que ela.

— Eu a desejo.

Por um momento, achou que apenas tinha falado em sua mente, que a frase não se formulara em sua voz. Narcisa estava de costas para ele, caminhando com parte da louça em suas mãos para deixá-las na cozinha. Permaneceu de costas quando pegou a varinha e sentenciou que os pratos fizessem seu caminho por si próprios.

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