V - A árvore de Natal

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Por mais que tivesse acesso a um calendário pendurado na parede da cozinha, Snape apenas notou a passagem do tempo quando percebeu que os jardins de Narcisa estavam pintados pela brancura da neve e quando encontrou Draco descendo as escadas com uma caixa cheia de bolas, pisca-piscas e festões. Esqueceu-se, por um momento, que passara muito tempo no hospital, e achou que o tédio da sua rotina faria o Natal demorar a chegar.

— Quer ajuda? — Ofereceu-se.

— Sim — respondeu Draco após um breve segundo de estranheza —, claro.

O rapaz descansou a caixa sobre o chão, próximo da árvore nua. Snape notou que não se tratava da mesma árvore que sempre se gabaram na Mansão Malfoy. Na verdade, naqueles Natais passados, os Malfoy sempre se preocupavam em comprar uma árvore real, que era decorada com muito esmero pelos elfos domésticos. As árvores sempre tinham metros de altura, quase perdiam-se através do teto. Ali, naquela salinha em Anglesey, a árvore de plástico não deveria ter nem um metro e oitenta; alcançava mais ou menos a altura do queixo de Snape.

Aquela árvore, ele pensou, parecia simbolizar muito mais do que o Natal. Parecia retratar a total mudança de vida de Narcisa e Draco Malfoy. Sem glamour, sem grandes festas, sem a quantidade exorbitante de enfeites para disfarçar uma família cheia de defeitos. Ela parecia solitária, a árvore, assim como pareciam Narcisa e Draco, e até mesmo Snape.

— Minha mãe saiu para comprar as coisas para a ceia — o rapaz comentou enquanto retirava as bolas da caixa. Snape percebeu que todas tinham tons de branco e prata. — Ela não queria comemorar o Natal, mas eu consegui convencê-la o contrário.

— Por que não queria? — Talvez tivesse sido uma das maiores frases que dissera em meses. Ficou satisfeito ao ouvir sua voz soar exatamente como antes. Draco pareceu perceber também, e se atreveu a sorrir ao responder.

— Ela não fala muito sobre o que anda acontecendo — estendeu algumas bolas para o padrinho. — Vamos intercalar as brancas com as pratas, ok? Bem — passou a prender a primeira bola em um dos galhos falsos —, ela anda muito triste.

— O que exatamente... — pigarreou — aconteceu? Digo, como as coisas se sucederam?

— O casamento deles já vinha se desgastando há algum tempo. Quando eu era menor, ouvi algumas discussões, percebi os tratamentos mais frios... Mas eu não tinha realmente noção do que estava acontecendo até mamãe contar sobre o divórcio. Pensei que eram brigas comuns, mas pelo visto era mais sério do que eles deixavam aparentar.

O homem percebeu que Draco não parecia exatamente consternado com a situação. A sua voz, sempre naquele mesmo tom monótono e arrastado, soava cheia de conformismo, e Severo constatou que ele havia trabalhado para evitar a separação até se cansar, ou talvez até perceber que não havia volta.

— Nenhum dos dois foi detalhista quando questionei — continuou. — Apenas disseram que não estava mais dando certo e era o melhor a se fazer. Tentei argumentar, sabe? — Confirmou a teoria do padrinho. — Mas já estavam decididos.

"E assim, nós decidimos nos mudar. A mansão se tornou... um pesadelo. Parecia que a qualquer corredor que eu virasse, daria de cara com o Lorde das Trevas. Eu tinha calafrios dentro daquela casa, e minha mãe sentia o mesmo."

Ele deixou uma das bolas pratas cair aos seus pés devido a um pequeno tremor em suas mãos. Lembrar da Mansão Malfoy dos últimos anos em que fora habitada, cheia de Comensais da Morte, cercada por trevas e preenchida com gritos, lamúrias, sangue e almas, sempre trazia certo nervosismo.

— Eles tiveram um casamento clássico e purista, então mamãe tem direitos sobre parte dos bens que foram adquiridos após o casamento. Ela poderia ter comprado outra mansão, mas nós dois concordamos que queríamos... paz. Então viemos para cá. É bem agradável. Há muito verde, o vizinho mais próximo tem uma pequena fazenda. É... legal. É bem legal.

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