Floriografia

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Capítulo 2 – Floriografia

"A Linguagem das Flores"


Hoje é um daqueles dias tão quentes que o asfalto parece colar nos sapatos e a maresia tão forte que tudo parece melado de sal, tudo tão salgado quanto o próprio mar.

E hoje é daqueles dias que não devia ter saído de casa. Mas contrariei tudo, todos os avisos do universo e saí, saí empolgado para encontrá-lo, para lhe contar que finalmente descobrira uma forma de trazê-lo para cá e, no fim, o perdi.

É claro que talvez eu sempre fora seguido e já estava óbvio o segredo, que talvez se não tivesse ido hoje, eles o pegariam sem meu conhecimento e acharia que se simplesmente se cansara de mim e depois de um ano resolveu esquecer tudo e ir para casa. Mas todas essas deduções seriam contrariadas quando ligasse a televisão ou o computador ou meu celular ou simplesmente saísse na rua, como agora.

Cada centímetro da rua está cheio de pessoas agitadas com as notícias, se esbarrando em desconhecidos que se reconhecem rapidamente no calor do momento para conversar sobre o assunto.

"Quando divulgaram mais coisas sobre?", "Você viu?", "será que ainda está vivo?".

As perguntas e deduções enchem meus ouvidos por mais que tente ignorar, sinto meus olhos arderem, a bolsa batendo contra meu quadril enquanto corro me incomoda mais que gostaria, o calor, o sal, eu mesmo, o mundo, o universo, o destino, tudo me irrita e vou mudar tudo isso, vou salvá-lo.

"A casa da bruxa só pode ser encontrada se realmente necessária, normalmente é tão escondida que às vezes até a própria se perde. Além disso, é preciso pesquisar floriografia, escolher o significado que mais se encaixa, que mais condiz com a mensagem que quer passar. Quando pensar que está perdido, é quando encontrará."

Não sei se bruxas atualmente usam internet, mas pesquisando meios de realizar meu — nosso — antigo desejo, encontrei um artigo enorme sobre a bruxa das flores. As vezes que postou isso fora alguém que recebeu ajuda e quis divulgar, ao invés da própria bruxa, seja como for, quando li aquilo, nunca me senti tão empolgado.

Sempre ouvi sobre linguagem das flores – floriografia –, era algo antigamente, creio eu, não imaginava que alguns ainda usam isso.  Na primeira vez que li sobre, havia escolhido uma flor totalmente diferente, uma que começava com quase a última letra do alfabeto. Mas há pouco tempo atrás, quando o significado precisou ser mudado, ao bater o olho na tela, encontrei facilmente.

E esse facilmente carrego em minhas mãos, essa flor que não imaginava ser como é, não imaginava um significado tão profundo e tão condizente com o que quero expressar, aperto tão forte em minhas mãos que sinto os dedos doerem, carrego tão apertado em meu peito que se pudesse enfiava dentro de mim.

Mesmo com isso, com a flor que necessito em minhas mãos, com o medo e desejo de mudança tão fortes, por quê não acho a bendita casa? Perdi a conta de quantas ruas percorri e afinal, como é a casa de uma bruxa?

"Realmente existe?" Esse pensamento cruza minha mente, me fazendo parar, ofegante, estremecendo todo meu corpo.

É claro que existe. Afasto o pensamento negando com a cabeça. Se alguém como ele existe, uma bruxa não é impossível.

Percebo uma leve agitação no ar, pelo canto do olho esquerdo vejo uma porta surgir quase que num passe de mágica. Olho em volta, somente eu a vejo? As pessoas continuam passando, correndo como formigas, desviando de mim.

 Um passe de mágica é exatamente o que preciso, respiro fundo e toco a campainha, ouço o som da mesma ressoar do outro lado da porta.

Segundos, talvez minutos se passam e, então, a porta se abre. Segurando-a aberta, uma mulher de cabelos e sombrancelhas brancas, pele levemente morena e um vestido azul que a segundos atrás fora desamassado com as mãos sorri ao me ver, na verdade olha o vaso em minhas mãos e então todo o medo e incerteza que me enchia, fora esvaziado, como se eu fosse um balão e ela acabasse de me furar com uma agulha.

A Bruxa das FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora