Amora Silvestre

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Capítulo 10 - Amora Silvestre

"Remorso"


Whisper

 Deixo a bruxa para trás e deixo meu corpo se guiar. Cada pedaço de mim sabe exatamente onde ir procurar a flor que preciso, mas cada pedacinho de minha mente tenta me impedir de ir.

 O caminho me é cheio de lembranças, paro por alguns segundos, observando ao redor, caí daquela árvore quando era criança, minha mãe me socorrera e tratara meu joelho esfolado com uma mistura de folhas esmagadas e algumas palavras, ela sempre dizia aquelas palavras quando passava o remédio em mim ou em outra pessoa, também as usava antes de entregar um vidrinho com remédios para alguém que pedira ajuda. Mas não me lembro quais eram as palavras.

 Nossa casa cheirava a folhas, flores e temperos, esses ficavam pendurados pela casa para secarem e virarem ou complementos de nossa comida ou remédios.

 Continuo o caminho,  parando um pouco, farejando o ar, uma coruja me observa, pousada na grama à minha frente, a persigo latindo, espantando-a. Com a ave noturna fora do caminho, deito-me de costas na grama esfregando as costas na mesma. A grama faz cócegas em meus pelos, uma das melhores sensações, eu diria. Ainda deitado, abro os olhos para o céu noturno, a lua crescente gibosa me observa, logo seu ciclo estará completo, logo me tornarei humano novamente. Levanto-me chacoalhando os pelos, a noite não está tão escura, minha visão não é tão boa quanto a de um felino, mas da para me virar no escuro não tão escuro assim. Sigo para frente.

" Vivíamos sozinhos, minha mãe e eu. Meu pai falecera de uma doença que minha mãe não pôde curar com suas ervas. Já éramos mal vistos naquela época, uma mulher criar uma criança sem a ajuda de um homem, mas minha mãe, Willa, fazia o papel de mãe e pai, cortava lenha sozinha para nos aquecer do frio, cuidava de nossa horta e animais, nos alimentava, cozinhava e lavava, brincava comigo do que eu quisesse e ainda cuidava da vila com seu conhecimento em ervas.

 Não sabia, naquela época, que minha mãe era uma bruxa, não sabia o que classificava alguém em "bruxa", para mim as coisas que ela fazia eram normais, coisas que toda mulher fazia. Tínhamos uma marta zibelina de estimação, Newes. Era muito apegado a minha mãe e às vezes a ouvia conversar com o animal e tinha a leve impressão de ouvi-lo respondê-la."

 Paro no riacho para beber água, olho meu reflexo, a única aparência que conheço é essa, quando humano não procuro meu reflexo. Ponho a pata direita delicadamente na água, fazendo minha imagem oscilar.

 "Era verão, alguns dias antes de meu aniversário de dez anos. Aquele dia estava quente, tão quente que amarelava as pontas da grama, os animais disputavam lugar embaixo de árvores e as cigarras choravam como nunca. Não me lembro do motivo, mas estava com raiva de minha mãe, acredito que discutira com ela por alguma coisa banal e saí de casa batendo os pés. Estava no riacho, esfriando os pés na água, sentado na grama à sombra de uma árvore quando algumas pessoas chegaram puxando conversa sobre minha mãe. Estava bravo com ela então respondia qualquer coisa que perguntassem.

 — Sua mãe fala com animais? — Um perguntava.

 — Sim.

 — Ela fala coisas esquisitas às vezes? — outro indagava.

 — Sim.

 — Você diria que ela é uma bruxa?

 — Não sei, acho que sim. — Ao dizer essas palavras um grande arrependimento se abateu sobre mim. O que estava fazendo? Pedi licença aos homens que agora se encontravam alvoroçados e corri, corri descalço, esquecera dos sapatos na beira do riacho. "

A Bruxa das FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora