Flor de Ervilha

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Capítulo 7 – Flor de Ervilha

"Partida"



 Sentada confortavelmente na mesa retrátil, agora aberta, puxo a linha devagar, da lateral de cada espinho do peixe-leão. Mexer no peixe é mais trabalhoso que achei que seria, a linha que será usada para unir as pernas de Alex é fina e difícil de puxar, trabalho que se torna ainda mais complicado com as luvas grossas que estou usando, "para os espinhos venenosos", Luís dissera ao me oferecê-las.

Alex faz o jantar na pequena cozinha e Luís observa com atenção meu trabalho, sentado a minha frente, em nenhum momento pergunta nada. Olho de relance para Alex e o vejo jogar algo esquisito na chaleira que esquentava água para nosso chá, sem nem tentar disfarçar, suspiro. No mar aberto é muito mais frio que imaginei. Mais cedo decidimos dormir em alto-mar, para evitar encontros com quem quisesse capturar Alex ou Coral, Luís avisara sua esposa por telefone sobre nossa decisão.

— Aqui. — o rapaz deixa nervosamente na mesa duas canecas brancas cheias de chá verde. Só pelo olhar que me dá sei que não devo beber.

Encaro Luís que olha desconfiado para a caneca a sua frente. Seus olhos encontram os meus e aceno disfarçadamente com a cabeça, pelo menos eu sei disfarçar. Alex nos dá as costas de volta para a cozinha e Luís sobe para fora da cabine com a caneca em mãos. Provavelmente vai descartar seu conteúdo no mar.

Alguns minutos se passam, talvez dez ou quinze, Luís retorna e chama Alex, que desliga o fogão e obedece o chamado de seu pai. Ambos conversam do lado de fora sobre coisas banais e sobre a vida e futuro. Em momento algum Luís menciona saber de Coral ou sobre saber que seu filho iria embora para o mar em algumas horas.

Após enrolar toda linha do peixe-leão, puxo um dos espinhos, que fará o papel da agulha, um espinho grosso e desajeitado e parece muito dolorido para seu propósito. Com a ajuda do próprio espinho desenho o símbolo tão familiar para mim no corpo do peixe. Às vezes me esqueço como a magia funciona, o peixe alonga-se e murcha, tornando-se o que chamaria de uma coberta escamosa, que usarei para enrolar as pernas costuradas de meu cliente, entre a coberta de escamas, encontro as entranhas do peixe. Guardo tudo com  no compartimento embaixo do sofá, embalando as entranhas separadamente.

Ambos, pai e filho retornam, Alex termina o jantar, um delicioso estrogonofe que comemos em silêncio. Luís oferece maçãs e bananas à Laima, que come com gosto. A louça é deixada na pia e ignorada para irmos dormir. Pai e filho dormem na cama de casal e deito-me na beliche, na cama debaixo.

O balanço do veleiro juntamente com a ansiedade me impedem de dormir, de forma que apenas viro de um lado para outro. As horas passam devagar, ou talvez passam tão rápido que não percebo. Alexander sobe e desce, seguindo os movimentos ditados pela maré, as respirações constantes de Alex e seu pai mescla com o uivo do vento e do quebrar das ondas no casco da embarcação.

Uma agitação em meu peito me faz levantar rapidamente, sentando-me com os pés no chão. Fecho os olhos focando-me nos sons e, no meio deles, ouço o canto de Laima. É agora ou nunca.
Saio da cama cambaleando e alcanço Alex.

— Alex! — chamo. — Temos que ir agora.

— Agora? — responde sonolento.

— Estamos sendo seguidos e logo seremos alcançados. — digo firmemente.

Em um salto Alex se levanta e corremos para fora da cabine, no horizonte, para minha surpresa, o sol começa a nascer, olhamos para trás e um veleiro branco, muito maior que esse em que estamos, se aproxima.

A Bruxa das FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora