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Scarlett

14 de janeiro.

Já haviam se passado duas semanas desde o ano novo. Minha amizade com as pessoas da casa só estava se tornando mais forte. Já com o Thomas, havia uma provocação ali ou aqui às vezes, mas tudo na brincadeira. Eu mantinha contato frequente com meu pai e meu irmão que ainda estavam se organizando para vir morar aqui no Brasil.

A empolgação do Elliot era contagiante, ele nasceu aqui, mas cresceu na Califórnia em Los Angeles. E o meu pai não estava diferente, apesar de ser norte americano ele gostava muito da energia das pessoas daqui.

Enfim, a alguns dias consegui um emprego em uma academia de box, não foi tão difícil já que fiz aulas a minha adolescência inteira. Todos da casa tinham seus empregos e eu não queria ficar vivendo às custas do meu pai.

A Gabriela lucrava como digital influencer, o Benjamin trabalhava em uma escola de zumba, o Leonardo era estagiário em uma clínica, o Thomas era assistente de cozinha em um restaurante e a Natasha também estava estagiando em uma clínica de odontologia.

Como o lugar que eu trabalhava já era caminho para o lugar que o Thomas trabalhava, ele sempre me deixava lá de carro. E às vezes a Gabi ia comigo para ver como é – e provavelmente para não ficar sozinha em casa.

Porém hoje eu estava de folga, e por sorte o Ben também estava, então ele serviria de motorista. O dia já estava planejando com algumas coisas que eu precisava fazer, como por exemplo, resolver sobre a transferência da faculdade e também tinha uma consulta marcada com a psicóloga.

Ben havia saído para resolver algumas coisas dele e eu aproveitei esse tempo para me arrumar. Tomei meu banho e logo depois vesti uma calça jeans rasgada, com uma blusa branca e um tênis da vans.

Assim que ouvi um som alto vindo do lado de fora, já soube que Benjamin havia chegado e desci correndo trancando tudo. Quando entrei no carro ele estava cantando, ou melhor, gritando uma música da Glória Groove e logo entrei na onda cantando junto.

O caminho foi tranquilo e quando cheguei na faculdade, consegui resolver a minha transferência e pegar os horários das aulas que começariam em poucos dias. Mas assim que saí do lugar, ouvi vozes exaltadas que me deixaram um pouco assustada. Como a incrível curiosa que sou, decidi ir atrás de onde estava vindo o barulho.

Quando me aproximei, vi Thomas sendo puxado para um beco e escutei coisas que eu preferia não ter ouvido. Eu definitivamente não sabia que ele viria aqui hoje e muito menos que isso aconteceria.

— VOCÊ VAI ME PAGAR O QUE DEVE FILHO DA PUTA. VOCÊ CHEIROU AGORA TEM QUE PAGAR! — Gritou o cara enorme e claramente alterado.

— De que porra você tá' falando? — Respondeu Thomas olhando para o homem com uma expressão confusa.

— Agora não vem me dizer que tem Alzheimer que eu faço você se lembrar rapidinho. — Disse dando um soco no Thomas.

Eu não sei o que se passou na minha cabeça, mas minha adrenalina subiu, aproveitei que a cópia do Shrek estava com as mãos ocupadas e avancei dando um chute em suas partes baixas. Quando ele caiu dei vários chutes em seu tronco. Assim que percebi a proporção que aquilo havia tomado, puxei Thomas para o carro do Ben e mandei ele pisar fundo.

— VOCÊS PODEM ME DIZER O QUE CARALHOS TÁ' ACONTECENDO? SE EU LEVAR MULTA VOCÊS VÃO PAGAR! — Benjamin falou alterado e sem entender nada.

— PERGUNTA PARA O MACONHEIRO DO THOMAS. — Respondi no mesmo tom, me segurando pra não matar o maconheiro com minhas próprias mãos.

— Eu não sabia que gostava de fumar umas, Tomzinho. — Disse Benjamin com a voz carregada de sarcasmo.

— Eu não fumo, caralho. Aquele cara deve ter me confundido. — Ele respondeu olhando para o Ben e depois para mim.

— Aham Cláudia, senta lá. — Eu disse  revirando os olhos.

— É sério Scarlett! Você tem que acreditar em mim, eu te disse que não era esse tipo de babaca — Thomas tentou argumentar em um tom suave.

Antes que eu pudesse falar alguma coisa, Ben parou em frente a nossa casa. Entrei e subi correndo para o meu quarto e liguei para a doutora Linda, para tentar adiantar minha consulta. Depois do que acabou de acontecer, eu precisava da terapia o mais rápido possível. Para minha sorte, tinha um horário em pouco menos de meia hora.

Ben me levou até o local. Era estranho voltar aqui depois de tanto tempo. A doutora Linda era minha psicóloga quando eu era mais nova. Ela sempre foi uma ótima profissional e me ajudou muito em todas as consultas. Pedi mentalmente para que ela continuasse como antes. Combinei com o Ben dele me esperar na recepção.

Assim que entrei na sala, fui recebida com um abraço e palavras como "você cresceu tanto" e coisas do tipo.

— Então querida, o que você tem para me contar? Como vem se sentindo? — Linda perguntou com seu caderninho na mão, enquanto eu me sentava na cadeira.

— Bom... eu sabia que não seria fácil voltar para o Brasil. Aqui foi onde meu mundo caiu, onde eu tive os meus melhores e piores momentos, mas mesmo assim eu voltei com a esperança de me sentir viva de novo e de alguma forma, me sentir mais próxima da minha mãe. — Desabafei já com os olhos marejados.

— E o que está sendo mais difícil, Scarlett? — Ela me entregou alguns lenços de papel.

— Muitas coisas. Cada canto dessa cidade me lembra minha mãe. Sempre me vem na cabeça a imagem dela sorrindo para mim, me motivando como ela sempre fazia. Depois que ela se foi o meu mundo perdeu completamente a cor. Hoje eu tive um gatilho, quando vi o Thomas naquele beco com aquele homem... minha mãe sempre me falava pra cuidar dele porque achava que éramos amigos, mas ela mal sabia o que o seu protegido fazia. — Respondi com sinceridade.

— Você reencontrou o Thomas? — Ela perguntou. Fiquei um pouco surpresa dela se lembrar dele, eu falei dele poucas vezes em antigas consultas.

— Sim, estamos moramos juntos e com mais quatro amigos. — Eu disse e logo depois expliquei tudo o que havia acontecido hoje. — Saber que ele mentiu para mim, dizendo que tinha mudado e não era mais o babaca que era na infância, mas ele está pior agora que virou um drogado.

— Tem certeza que ele é isso que você está dizendo? Pelo o que me contou, vocês não conversaram depois do ocorrido. — Linda questionou.

— Não, mas está na cara que é verdade, analise os fatos! — Respondi como se fosse óbvio.

— Você mesma disse que o Thomas falou que era um engano. Melhor não tirar conclusões precipitadas. Falta de diálogo é quase sempre a razão de mal entendidos como esse. — Ela aconselhou, me deixando pensativa.

Depois disso a consulta prosseguiu normalmente, até que deu hora de finalizar.

— Linda, obrigada pela consulta. E aliás quero conhecer seu filho, ele parece ser legal pelo o que você contou. — Felei rindo e abraçando a mesma.

Assim que fui sair da sala, bateram na porta e a Linda deu permissão pra entrar.

— O que você tá' fazendo aqui? — Perguntei olhando supresa para o Benjamin.

— Aproveitei para falar com minha mãe. — Ele respondeu caminhando até a psicóloga e lhe dando um abraço.

— Vocês se conhecem? — Linda perguntou.

— Sim velhota, a Sky tá' morando comigo e com outros. — Ele tirou a dúvida da mulher.

— Então você é o bebezinho da mamãe que ela tanto fala. — Falei rindo e fui acompanhada pela Linda.

O Ben não entendeu o motivo de tanta risada e para não atrasar o trabalho da mãe dele, nos despedimos dela e voltamos pra casa. Foi bom saber que eles são mãe e filho, agora entendo de onde veio as loucuras do Benjamin. Seguimos a viajem em um silêncio confortável – o que era raro estando no mesmo lugar que o rapaz. Passei o caminho pensativa com o que a psicóloga falou. Talvez o diálogo fosse realmente a melhor opção.

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