Akira Yamaguchi
Aquele jantar foi tão acalentador quanto um cobertor quentinho é para um viajante nu cruzando o polo norte. Não resolveu, de fato, a dor que sentíamos, mas causou um alento temporário em nossos corações.
Vejo os primeiros tons de laranja surgindo no céu. São os raios de sol nascendo em mais uma manhã morna.
Deitado na areia com a água gelada do mar tocando meus pés, vejo os finos fios de ouro se derretendo no céu e dissipando o breu da noite que se esvai.
Me sento e começo a ver o dourado das águas que refletem a luz.
Uma benção.
Três garrafas de cerveja estão vazias na areia; olho dentro do cooler preto e encontro mais duas. O gelo já derretera há muito tempo, mas a temperatura fria da noite manteve a bebida em uma temperatura agradável.
Pego mais um dos frascos e retiro a tampa de metal. Sinto o líquido gasoso escorrendo pela minha garganta mais uma vez. E, de novo, eu choro. Um choro derramado em nome de uma criança não nascida.
Não é um choro de morte. É um choro de perda.
Pior do que perder para sempre, para o manto escuro do além vida, é perder num mundo sem rastro para percorrer.
Mas ainda está aqui comigo e com todos, a esperança. Como a última dádiva restante dentro de um pote vazio. Quando não há mais nada, ainda resta a esperança.
Tomo mais um gole de cerveja.
A brisa leve que o mar traz pela manhã é feia, e acaricia meu peito exposto pela camisa com botões abertos. Os sapatos estão jogados no meio do caminho entre o carro e eu, e a gravata já deve estar em algum lugar onde as ondas a deixaram.
Olhando ao redor, vejo um movimento. Na orla da praia, bem ao longe, um corpo vem correndo.
Quando se aproxima, consigo distinguir.
O corpo dele é tão claro quanto o meu, e consigo vê-lo quase inteiro. A única roupa que ele usa é um short bem curto e um par de tênis de corrida. O sol batia em seus cabelos loiros e os fios grudados na testa pereciam um tom de melado muito bonito. O corpo dele brilhava esbanjando aqueles músculos quase que desenhados à mão.
Olho para baixo, onde o resto de tanquinho que um dia eu tive luta para aparecer sob a pele. Todo mundo sempre dizia que eu era alto e musculoso para um japonês, mas ninguém fazia ideia do esforço que eu empregava para alcançar isso. Os treinos diários. A alimentação regrada. Quando tudo isso parou, meus músculos, pouco a pouco, começaram a ir embora.
O garoto para na minha frente, com as mãos na cintura, obrigando-me a olha-lo de baixo à cima. O suor desce pelo seu corpo, escurecendo o elástico da bermuda cinza. Eu digo:
— Olá, Vlad. Cerveja? — Ofereço a garrafa aberta em minha mão.
— Essa hora da manhã? — Ele diz, se sentando ao meu lado.
Dou de ombros e termino a garrafa em um último gole.
— Achei que você ficaria com os cabelos escuros para sempre. Combinaram com você.
Ele passa a mão na cabeça, como se tivesse lembrado que o cabelo estava ali.
— Eu tinha que passar a máscara preta todas as vezes em que tomava banho. Não era uma coisa duradoura. Era uma maquiagem de cabelo.
— Imagino o trabalho — digo.
— Pois é. E não podia esquecer. Já pensou? Do nada eu aparecesse loiro lá no meio dos outros?
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Divided
Fiksi IlmiahSAGA INFECTED - LIVRO 3 Quando romperam as amarras que os prendiam à OCRV, os sete jovens arriscaram-se além do imaginável e descobriram um mundo além do que conheciam. Um mundo povoado por pessoas que não tem medo de lutar para conquistar o maior d...