O risco

22 4 0
                                    

Subo o primeiro lance de escadas para o segundo piso. Andar de suprimentos: sacos de farinha e outros mantimentos secos rasgados, conteúdo espalhado por ratos e sobreviventes em busca de comida, pilhas de enlatados, recipientes de água, latões de querosene: estocados antevendo o inverno, mas o Tsunami Vermelho os pegou primeiro e os afogou no próprio sangue.

Vou pela escada até o próximo andar: uma coluna de luz atravessa o ar empoeirado como um holofote. Cheguei ao final. O último andar. A plataforma está coberta de cadáveres, em alguns pontos formando pilhas de seis, os de baixo enrolados cuidadosamente em lençóis, os perto do topo jogados ali com pressa, uma confusão de braços e pernas, uma massa retorcida de ossos e pele dessecada e dedos esqueléticos agarrando o ar vazio inutilmente.

O centro do piso tinha sido limpo. Uma mesa de madeira se encontra no meio da coluna de luz. E, na mesa, uma caixa de madeira e, ao lado dela, um tabuleiro de xadrez montado em um final de jogo que reconheço no mesmo instante. E então a voz dele, vinda de todos os lugares e de lugar nenhum, como o sussurro de um trovão distante, impossível de localizar.

— Nunca terminamos nosso jogo.

Estendo a mão e viro o rei branco. Escuto um suspiro como um vento no alto das árvores.

— Qual é a resposta?

— Foi um teste — sussurro. O rei branco de costas, olhar vazio, os olhos um abismo de alabastro, olhando para mim. — Você precisava testar o 12° Sistema sem que eu soubesse que era um teste. Eu tinha que acreditar que era real. Era a única forma para eu cooperar.

— E você passou?

— Sim, eu passei.

Viro de costas para a luz. Ele está parado no alto da escada, sozinho, rosto nas sombras, embora eu possa jurar que vejo os olhos azuis brilhantes cintilando na escuridão sepulcral.

— Ainda não totalmente — ele diz.

Aponto o rifle para o espaço entre os olhos cintilantes e puxo o gatilho. Os cliques ecoam na câmara vazia: clique, clique, clique, clique, clique.

— Você chegou até aqui. Não me desaponte agora — Vosh diz. — Você deveria saber que não estava carregada.

Largo o rifle e recuo arrastando os pés até me chocar com a mesa. Aperto as mãos no tampo para me firmar.

— Faça a pergunta — ele ordena.

— O que você quis dizer com "ainda não totalmente"?

— Você sabe a resposta para essa pergunta.

Pego a mesa e a jogo na direção dele. Ele a atira para o lado com um dos braços bem quando chego perto dele, lançando-me de uma distância de dois metros, atingindo-o direto no peito com o ombro e envolvendo-o num abraço de urso. Caímos do terceiro piso e aterrissamos no segundo. As tábuas sob nosso corpo quebram com um estrondo.

O impacto faz com que eu afrouxe a mão. Ele envolve minha garganta com os dedos longos de uma das mãos e me joga sobre uma pilha de enlatados a seis metros de distância. Fico de pé em menos de um segundo, mas ele é ainda mais rápido, movendo-se tão depressa que ao levantar cria uma imagem que persiste na visão.

— O pobre recruta no banheiro — ele diz. — A enfermeira no lado de fora da UTI, o piloto, Navalha, até Claire, pobre Claire, que estava em flagrante desvantagem desde o início. Não foi suficiente, não foi suficiente. Para realmente passar, você precisa superar o que não pode ser superado.

Ele estende os braços num gesto largo. Um convite.

— Você queria a oportunidade. Bem, aqui está ela.

Vence quem persevera (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora