Navalha

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A cadeira está vazia outra vez. O recruta loiro que golpeei na garganta, entra carregando uma bandeja de comida, uma fatia de carne misteriosa. Ele coloca a mesma ao lado da cama, empurra o botão para me colocar sentada, vira a bandeja e fica ali, de braços cruzados, como se estivesse esperando algo.

— Conte qual é o gosto da comida. - ele sussurra rouco — Não posso ingerir  comida sólida por mais três semanas.

— Sinto muito

— Foi um soco inesperado. Você não vai comer?

Sacudo a cabeça

— Sem fome

— Eles disseram que você deveria pelo menos tomar o suco. Eles acabaram de tirar cerca de meio litro de sangue de você. Eles disseram para garantir que você tomasse o suco

— Porque eles estão tirando meu sangue?

— Eu não deveria falar com você - ele diz — Eles nos disseram que você é uma prisioneira muito importante.

Ignoro

— Você sabe o que aconteceu com Teacup? A garotinha que veio comigo?

Ele da de ombros

— Eu me chamo Especialista - digo

— Isso é maravilhoso, você deve estar muito satisfeita com isso! - ele diz, mas não consigo compreender se ele esta tirando uma com a minha cara

— Você parece conhecido, você esteve no campo abrigo? "Campo abrigo era o local onde viviam vários sobreviventes"

— Tenho ordens para não falar com você

Quase digo, Então porque esta conversando? Mas me contenho

— Provavelmente é uma boa ideia, eles não querem que você saiba o que eu sei! - digo

— Ah, eu sei o que você sabe: é tudo mentira, estamos sendo enganados pelo inimigo, eles estão nos usando para acabar com os sobreviventes e bla bla bla - ele diz

— Bom, eu costumava a achar tudo isso - admito — Agora não tenho tanta certeza

— Tome o maldito suco para que eu possa ir - ele manda

— Diga seu nome e eu tomo

Ele hesita

— Navalha - ele diz finalmente

Tomo o suco. Ele apanha a bandeja e sai. Pelo menos sei o nome dele. Uma vitória insignificante

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A mulher alta de avental branco aparece. Ela diz que seu nome é dra. Claire. Ela cheira a amêndoas amargas, que também é o cheiro de cianureto.

— Quanto tempo faz que você não toma um bom banho? - ela pergunta

— Campo abrigo, na noite antes de dar um tiro no coração do Sargento de exercícios.

— Mesmo? A toalha está ali, escova de dente e desodorante no armário. Estarei do outro lado da porta.

Sozinha abro o armário, Antitranspirante roll-on. Um pente. Um tubo de pasta de dente, uma escova de dente. Sem fio dental, pensei que teria fio dental. Tiro o macacão e entro no box. Ajusto a temperatura o mais alto que posso suportar e deixo a água cair em mim como a chuva. até as pontas dos dedos ficarem enrugadas. Agora você pertence a eles.
Jogo o frasco de shampoo contra a parede do box. Bato o punho nos azulejos repetidas vezes até a pele dos nós dos dedos se abrir. A minha raiva é maior do que a soma de todas as coisas perdidas.

Vosh está me esperando no quarto duas portas abaixo. Ele não diz nada enquanto Claire envolve minha mão com ataduras e permanece em silêncio até estarmos a sós.

— O que você conseguiu fazer? - ele pergunta

— Eu precisava provar uma coisa a mim mesma.

— A dor como a única prova verdadeira da vida?

Vosh estende a mão. Na palma de sua mão está um objeto verde brilhante com a forma e o tamanho de uma grande cápsula gelatinosa um fio fino como um cabelo se projeta em uma das pontas.

— Essa é a mensagem - ele diz, a luz enfraquece e a tela cria vida. A distância uma casa da fazenda e algumas construções externas. Um vulto minúsculo tropeça de um bosque que margeia um campo e caminha com dificuldade. Uma criança avança pela palha quebradiça na direção dos adultos que a observam imóveis. — É o instinto antigo, em tempos de grande perigo, somos cautelosos em relação a estranhos. Não confie em ninguém fora de seu círculo - ele diz

A criança cai. Levanta. Corre. Cai de novo

— Mas há outro instinto, ainda mais antigo, tão antigo quanto a própria vida, praticamente impossível de ser ignorado: proteger as crianças a todo custo. Preserve o futuro. - ele continua a falar

A criança atravessou o trigal, entra no pátio e cai pela última vez.

— Tudo gira em torno do risco, você compreendeu isso a muito tempo. Assim, é claro que sabe quem vai vencer a questão. Afinal quanto risco uma criancinha apresenta? Proteger as crianças. Preserve o futuro.

A pessoa que carrega a criança passa ao lado do homem armado, corre degraus acima e entra na casa.

Vosh sussurra ao meu lado

— O mundo é um relógio

Sei o que vai acontecer, mas ainda me encolho, o trigo está queimando, consumindo em questão de segundos.

— Quero que entenda, você se perguntou por que ficamos com os pequenos, os jovens demais para lutar.

— Não entendo - digo

— Dentro do corpo da criança possui um dispositivo, ele está calibrado para detectar mínimas flutuações de dióxido de carbono, o principal componente do hálito humano. Quando CO2 atinge certo limite, indicando a presença de múltiplos alvos, ele detona.

— Não - sussurro

Eles a levaram para dentro, a envolveram em um cobertor quente, deram-lhe água, lavaram o seu rosto. O grupo se reuniu em volta dela, inundando-a com seu hálito.

A luz aumenta novamente.

— Isso não muda nada - minha voz aumenta de volume — Não me importa o que você faz. Vou me matar antes de ajudar você.

Ele sacode a cabeça

— Você não está me ajudando.

O risco

O bendito risco

Vence quem persevera (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora