Vence quem persevera

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Durante uma semana, ele é minha única companhia. Guarda, enfermeiro, vigia. Quando sinto fome, ele me traz comida. Quando sinto dor, ele a alivia. Quando estou suja, ele me banha. Ele é presença constante. Ele é fiel. Ele está lá quando acordo e quando adormeço. Nunca o flagro dormindo: ele é constante, mas meu sono nunca é. Acordo várias vezes durante a noite, e ele está sempre vigiando de seu posto junto da porta. Ele está silencioso, mal-humorado e estranhamente nervoso, esse sujeito que me enganou e fez acreditar nele e em sua história sem esforço. Como se eu pudesse tentar escapar quando ele sabe que posso, mas não vou, quando ele sabe que estou aprisionada por uma promessa que prende mais que mil correntes.

Na tarde do sexto dia, Navalha amarra um trapo sobre o nariz e a boca, sobe os degraus até o terceiro piso e volta carregando um corpo num carrinho. Ele o leva para fora. Depois torna a subir a escada, seu caminhar tão pesado de mãos vazias como quando dificultado por um cadáver, e outro corpo desce para o térreo. Perco a conta ao chegar a 123.

A noite passa devagar; o fogo enfraquece, o vento muda de direção e meu coração dói, nostálgico: acampamentos de verão, caça a vagalumes, céus de agosto fervilhando de estrelas. O cheiro do deserto e o longo e melancólico suspiro do vento descendo das montanhas enquanto o sol mergulha sob o horizonte.

Navalha acende a lamparina de querosene e se aproxima de mim. Ele cheira a fumaça e, levemente, como os mortos.

— Por que você fez isso? — pergunto.

Acima do trapo, seus olhos estão marejados de lágrimas. Não sei se é por causa da fumaça ou outra coisa.

— Ordens — ele responde.

Ele tira o tubo intravenoso do meu braço e o enrola no gancho do suporte.

— Não acredito em você — falo.

— Bom, estou chocado.

É a primeira vez em que ele fala tanto desde a partida de Vosh. Estou surpresa por estar aliviada ao ouvir sua voz de novo. Ele está examinando o ferimento na testa, a rosto muito próximo por causa da luz fraca.

— Teacup — sussurro.

— O que você acha? — ele pergunta irritado.

— Ela está viva. Ela é a única vantagem que ele tem.

— Então está certo. Ela está viva.

Ele espalha pomada antibacteriana no corte. Um ser humano não aperfeiçoado teria precisado de vários pontos, mas em alguns dias ninguém vai poder dizer que eu fui ferida.

— Eu poderia provar que ele está blefando — digo. — Como ele pode matá-la agora?

Navalha dá de ombros.

— Por que ele não liga a mínima para nenhuma criancinha quando o destino de todo o mundo corre perigo? Só um palpite.

— Depois que tudo aconteceu, depois de tudo que ouviu e viu, você ainda acredita nele.

Ele me olha de um jeito que se aproxima muito de pena.

— Tenho que acreditar nele, Especialista. Se não acreditar mais, estou perdido. Eu sou eles — ele faz um gesto de cabeça na direção do pátio onde os ossos enegrecidos ardem devagar.

Ele se senta na maca perto da minha e tira a máscara improvisada. A lamparina entre seus pés e a luz que ilumina seu rosto e as sombras que se formam em seus olhos profundos.

— Tarde demais para isso — digo a ele.

— Certo. Já estamos todos mortos. Assim não há vantagem, não é mesmo? Mate-me, Especialista. Mate-me agora mesmo e fuja. Fuja.

Vence quem persevera (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora