— Quer dizer que você também é decoradora? — Pedro perguntou a uma Ana distraída, enquanto recortavam guirlandas para a próxima festa de ASL.
Era sábado. Pedro dera aula de manhã para uma turma nova e Ana trabalhara em meio expediente. Agora, estavam sentados na cama dele, cercados de cartolina, papel crepom, celofane e laminado, frutos de uma visita um tanto descontrolada à papelaria do bairro. Eram os responsáveis pela decoração de um encontro social que tinha tudo para ser natalino. Pelo menos, na cabeça de Pedro. Mas não era.
— Encontro de final de ano — Mãe Marlene dissera. — Muitos integrantes da escola não são cristãos e não estamos aqui para converter ninguém à força.
No casarão onde Pedro morava, um fenômeno particularmente estranho se tornara ordem do dia. Era como se todos soubessem de ASL sem saber. Explico: Ana Terra aparecia por lá, Marlene mencionava a escola livremente, Helena entrava pela porta da frente — inteiriça e vestida para não causar — e, de alguma maneira, os não alunos se comportavam com naturalidade diante daquela intromissão.
— É o efeito "somos legais" — Helena explicara um dia.
— Como assim? — Pedro não achava que ser legal era suficiente para abafar a curiosidade de Mãe Luisa.
— Ah, mas é! — respondera Helena, lendo seus pensamentos pela milionésima vez. — A gente chega, se apresenta, trata todo mundo bem, pode falar à vontade de ASL, mas também não explica nada demais para quem não perguntou e as pessoas meio que aceitam...
— Só isso?
— Costuma funcionar.
E Pedro estava vendo a teoria aplicada na prática. Um dia, Roberto se achegou a Marlene perguntando o que era aquela história toda de tanta gente nova dentro de casa. Marlene disse que eram amigos da escola que ela e Pedro estavam frequentando. Ponto final, namorido satisfeito, e um Pedro chocado com a simplicidade da coisa.
Outro dia, Mãe Luisa se sentou ao lado dele e de Ana, pavão orgulhoso da moça bacana que o filho tinha arrumado para si. Sim, porque aquela mãe não tinha desistido de dar match no filho. "Você precisa de alguém que te cuide!", dizia. "Não pode ser filho de mamãe pra sempre!" Só que Ana estava justo falando de como o vilão interno guardava uma tal verdade útil, aquela que vocês já sabem. Pedro ficou tenso, achou que seria muito para Dona Luisa. Não foi. A conversa ocorreu mais ou menos assim:
— Jaaaaaairo, olha a porta que o correio agora tá vindo sábado e eu vou me sentar um pouco!
Essa era Mãe Luisa, gritando para o namorado.
— Podexá, florzinha!
Esse era Jairo, sábio e bem-comportado.
— Meu vilão me dizia que eu era má e não merecia amor, certo?
Essa era Ana Terra, em modo revisão. Pedro, já incomodado com a proximidade da mãe, tentou abafar o assunto, com gestos desengonçados, mas a namorada prosseguiu:
— Pois então... Foi assim que eu descobri que sou abundância. Que nem você descobriu o seu "Pedro é casa". Percebe? O vilão, quando trabalhado, aponta uma direção.
— Cês tão falando de novela? — Mãe Luisa se chegou, fazendo suas próprias associações e deixando Pedro para lá de desconfortável.
— Não, Dona Luísa. — Ana respondeu, antes que o namorado pudesse desviar o assunto. — Estamos falando das vozes negativas que ficam atentando a gente, sabe? Na cabeça? Dizendo que a gente não presta ou que não vai conseguir??
— Ah, menina! — Luísa pegou o fio da meada e desandou a falar. — Isso aí todo mundo tem, né? Coisa impressionante! Você sabe que eu mesma, velha que eu já sou, ainda me pego ouvindo umas coisas dos idos de vovó moça, uma vozes que só me botam pra baixo. Mas aí, sabe como é, não dou bola, me arrumo, me empeteco toda, me agarro no Jairo e vou logo dançar!
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Pedro e o Limite dos Nomes (Série A.S.L - volume I)
FantasyJá imaginou se matricular em uma escola fora do tempo e do espaço? Com professores que surgem a qualquer momento e lições dadas em meio aos seus afazeres cotidianos? Foi o que aconteceu com Pedro, pai solteiro, feliz com a rotina de cuidar de sua f...