— Você acha mesmo que vou conseguir me levantar sozinha? — Mãe Marlene fingia de irritada, tentando se alavancar do sofá.
Pedro correu para ajudá-la, meio embasbacado. Então, ia ser assim? A mulher confessa que saca de ASL, magia, o escambau e vida que segue?
—Ah, garoto! — Marlene ralhou, apontando a cozinha. — Desemboba e vem comigo.
"A essa hora da noite?". Pedro não estava convencido, mas a mãe puxava seu braço, mal precisava de apoio para caminhar. No dia seguinte, teriam de acordar cedo, e ele ainda pretendia tirar muita coisa a limpo. Certamente, conversariam melhor no sofá, não?
— Não. E não teima — disse a mulher, já destrancando a porta dos fundos.
— Vai dizer que também lê pensamento? — Pedro recuou, assustado.
— A ruguinha entre os teus olhos diz tudo.
Susto maior foi o que estava para lá da porta. O quintal de sempre dava lugar a uma sala de aula estranhamente familiar. "Deve ser truque avançado", Pedro pensou. "Coisa de quem venceu o limite do tempo". Porque, dentro de casa, era noite. E, na sala de aula, o sol brilhava contra as janelas, um sol morno de meiuca de tarde. Pedro teve de perguntar:
— A senhora também é aluna?
— Aluna, professora, fundadora... Depende de quem diz, né? Eu amo a ASL. Tu acha que eu te encontrei como? Sabe o difícil que é achar filho depois que a gente dá? Mas... Hoje, não é sobre isso. Repara bem nesse lugar.
Pedro suspirou fundo antes de acatar o pedido. Nada ali chamava atenção. Havia um quadro verde e um aparador onde tocos de giz branco, já muito gastos, criavam poeira. Aproximou-se da mesa do professor, sentindo a madeira arranhada do tampo vazio sob suas mãos. Para os alunos, cinco fileiras com quatro carteiras cada. Nem grande a sala era! O que mais repararia: mapa mundi descolando da parede, quadro de cortiça? Cestinha de lixo forrada com saco preto?
"Sala de aula é tudo igual", pensou. "Só achei que conhecia". Pedro foi ficando impaciente:
— Pô, mãe, não dá pra dizer logo o que a gente tá fazendo aqui?
Sem dar um pio, Marlene se acomodou em uma carteira do "fundão". Sacou um cubo mágico do bolso do vestido — um daqueles em que o objetivo é virar, virar e virar até todas as faces ficarem de uma cor só, sabe? Pois bem. Pôs-se a brincar com o negócio, ignorando solenemente o filho adulto que bufafa à sua frente como se cinco anos tivesse.
Foi quando os ruídos começaram. A princípio, Pedro achou que era coisa da sua cabeça, fruto do tédio ou da ansiedade. Primeiro, ouviu um sinal tocar. Depois, ouviu passos, risos, grosserias suaves e gritinhos eufóricos, sons de turma em dia letivo animado.
Só que, ali, não havia ninguém. Ninguém além deles dois, é claro.
O barulho foi ficando tão alto que Pedro correu e grudou o ouvido na madeira da porta. Vai que aquela era uma sala de aula real? Vai que tinham invadido uma escola de verdade?
— O povo tá voltando do recreio, mãe... Vambora?
Tomou coragem e girou a maçaneta. Do outro lado, viu apenas um imenso parque, com laguinho no meio e tudo. No laguinho, uma garça fazia o que garças fazem, plácida, e, por algum motivo, Pedro achou que aquilo era o fim da picada. Tomado por intensa vertigem, acabou batendo a porta de novo. Escorregou de costas contra a madeira até cair de bunda, sentado no chão:
— Melhor ficar aqui mesmo...
— Afobado come cru — Marlene disse, largando seu cubo sobre a carteira. Sua voz estava cheia de carinho. — Me diz: por que você quer tanto sair daqui?
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Pedro e o Limite dos Nomes (Série A.S.L - volume I)
FantasiaJá imaginou se matricular em uma escola fora do tempo e do espaço? Com professores que surgem a qualquer momento e lições dadas em meio aos seus afazeres cotidianos? Foi o que aconteceu com Pedro, pai solteiro, feliz com a rotina de cuidar de sua f...