Capítulo 3 - Uma escola sem endereço

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No dia seguinte, Pedro não queria ir ao trabalho. Queria era ver Helena de novo. A ruazinha com a árvore no meio, ponto de encontro indicado pela moça, era famosa. Acontece que tiveram de alargar a rua, abrindo espaço para um gigantesco condomínio, e acabaram deixando aquela árvore para trás. Do canto da ex-calçada a amendoeira passara a habitar o asfalto, dividindo a via em dois e atrapalhando motoristas menos cuidadosos. 

Pedro acordou filosofando sobre o destino daquela árvore: sua vida também parecia ganhar ares de "antes" e "depois". Mas o tempo urgia e ele tinha de ir trabalhar. Chegou cedo ao centro comercial do bairro, adentrando o edifício onde exercia a função de auxiliar administrativo, vulgo "faz-tudo". Ansioso, foi ao banco duas vezes, serviu três cafés e ordenou cinco vezes a mesma pilha relatórios até, finalmente, sair para almoçar. Acompanhado de Jorge, um de seus melhores amigos, serviu-se na fila do quilo e voltou a filosofar. Desta vez, sobre limites.

— O único limite que me interessa é o do cheque especial... — disse Jorge, sorrindo. — Mas, olha, você falou bonito! Sinceramente, você tá é perdendo tempo aqui. Já te disse antes... Tu não fala inglês?

Falar Pedro até falava. E também lutava jiu-jitsu desde que seu oponente fosse baixinho.

— Professor de inglês nunca fica sem emprego! — seguiu Jorge. — Sabe aquele cursinho ali da esquina? O English Now? Não pagam muito, mas conheço uma pessoa lá. A gente vai junto...

Pedro recebia conselhos tanto quanto respirava. Às vezes, dava ouvidos e se dedicava. Como na época em que virava noites lendo apostilas cheias de A, AB e O+, porque uma amiga da escola disse que havia vagas em vários bancos de sangue. Nunca aconteceu, mas aquela ideia de ser professor agradava. Engoliu as duas folhas de alface, o resto de arroz e correu para o curso com Jorge. Tinham quinze minutos antes de voltar ao trabalho e o amigo parecia muito animado.

Naquela segunda-feira monótona, foi assim que a mente de Pedro se distraiu de Helena. O English Now funcionava em uma casa de fachada renovada, ostentando uma placa pintada à mão em que dois guardas britânicos de chapelão preto apontavam para o nome do curso. Passaram por um portãozinho enferrujado e um jardim de plantas envasadas, antes de chegar à recepção. Havia um balcão azul, combinando com paredes não tão azuis. Um grupo de adolescentes conversava bem alto em um sofá vermelho e uma moça morena, virada de costas para eles, mudava o canal de uma grande TV de plasma. Pedro e Jorge esperaram até que ela pudesse atendê-los.

Inspirado pelo ambiente, Pedro lembrou-se de seu dever de casa. Deveria estar pensando sobre aquela coisa toda de reciprocidade ou, ao menos, assim lhe parecia. Ensinar o que se aprendeu de bom, não importa a quem. Era essa a proposta de Helena. Estranho que estivesse ali, considerando se tornar professor, logo depois de seu encontro com a moça.

Mas a recepcionista voltou a seu posto, virando-se para eles, e não houve tempo mais tempo para reflexões. Aquele rosto, aqueles olhos e a boca coberta de batom cereja. Pedro estava diante da mulher de sua vida e, como agora sabia, ela se chamava Ana Terra. 

Você pode estar se perguntando (e não serei eu a julgar): Como um homem de trinta e dois anos sabe que reencontrou alguém que só viu uma vez, em meio a tanta gente e há tanto tempo? 

Bem, primeiro, porque o rosto dela mudara bem pouco. Depois, porque o coração dele encontrava-se alojado na boca, algo tão energizante quanto desconfortável, e as memórias do dia na banca de livros brotavam límpidas diante de seus olhos. 

Além disso, Pedro não se assustou sozinho. Os olhos de Ana Terra pareciam prestes a saltar de seu rosto.

— Olá... — ela disse, a voz falhando. — Você deve ser o Pedro...né ?

Pedro e o Limite dos Nomes (Série A.S.L - volume I)Onde histórias criam vida. Descubra agora